Capítulo 146 – Marcas que o Sangue Não Apaga

Laboratório Obscuro de Thaumaturgia – minutos após o confronto

O silêncio não era vazio.

Ele sussurrava.

Runas apagadas. Sangue no chão. E o cheiro de mana distorcida ainda impregnando as pedras como cicatrizes que jamais sairiam.

Hiro Tanaka estava deitado entre elas. Imóvel. A respiração rasa, fraca. O corpo — uma colcha de feridas abertas.

E diante dele, Hikari von Richter.

Ajoelhada.

Inquieta.

Observava.

Mas não tocava.

“Isso... não foi uma luta.”

“Foi uma execução ritual.”

“Ele sabia disso. Entrou mesmo assim.”

O peito dela subia e descia lentamente, mas a mandíbula travada, o punho cerrado, o olhar inquieto — tudo gritava.

Até que ele abriu os olhos.

— …Richter.

Ela não respondeu.

Apenas continuou olhando.

— Por que ainda está aqui?

Hikari soltou um suspiro seco.

— Quer que eu vá embora e te deixe morrer como um cachorro?

— Eu sei da sua missão. Sei quem você é. Você não é só mais uma aluna. Você é uma arma. Uma assassina. Uma sombra da sua família. E a sua família… traiu tudo o que esse continente construiu.

O silêncio que se seguiu não foi leve. Foi cortante.

Os olhos de Hikari se estreitaram.

Ela deu dois passos até ficar bem próxima dele. A sombra do seu corpo cobriu o rosto ferido de Hiro.

— Te matar assim não teria graça nenhuma, desgraçado.

Ela sorriu. Mas era um sorriso frio. Um que escondia muito mais do que dizia.

— E os malditos da minha família... não são da sua conta.

Ela se agachou ao lado dele.

— Eu decido quem morre. E quando.

— Pretensiosa... — Hiro resmungou, o sangue escorrendo da boca. — E fraca…

Hikari pegou ele pelo colarinho.

— Repete.

— Se fosse realmente forte... já teria escolhido seu próprio caminho.

Por um momento, o olhar dela tremeu.

Só por um instante.

Mas logo depois, ela bufou.

— Cala a boca antes que eu me arrependa de não abrir sua garganta.

Ela então o levantou com facilidade, apoiando o corpo dele sobre os ombros. Mesmo ferido, Hiro era pesado, mas Hikari era puro músculo, velocidade e técnica.

— Você deve muito a mim, plebeu, disse ela, ativando uma sequência de impulsos com aura nos pés.

A sombra dela desapareceu no subterrâneo.

Dormitório Masculino – Quarto de Hiro

A janela foi aberta sem som.

Hikari surgiu no quarto, carregando Hiro como um fardo precioso. Ela o largou na cama com cuidado irritado.

— Pronto. Agora morre quieto e não faz barulho.

Hiro respirava com dificuldade.

— ...Ainda não. Tenho uma ideia.

Ela cruzou os braços, desconfiada.

— Você ainda tá delirando?

Hiro estendeu o braço direito, tremendo. Puxou a gola da própria camisa até o peito e revelou um conjunto de pequenas cicatrizes… marcas de runas.

— Preciso que você escreva uma.

Hikari ergueu a sobrancelha.

— Você tá me pedindo... uma tatuagem mística de emergência?

— Não uma qualquer. Uma runa ancestral. De regeneração.

— Por que não chama a Santa?

— Porque… ela pagaria o preço. E não quero isso.

Hikari não respondeu.

— Use meu próprio sangue, continuou Hiro. A ponta da adaga. Vou te guiar. Se escrever certo, a runa se ativará… e eu sobrevivo.

Ela então puxou a adaga, limpou na manga, e falou:

— Se isso matar você, é por sua culpa, não minha.

— Já entendi o contrato.

Hiro ergueu dois dedos, desenhando no ar lentamente.

— Memorize. Traço longo. Curva dupla. Três pontos centrais. Depois…

E assim, ela escreveu.

Com a lâmina banhada no sangue dele, cravou traço por traço, palavra por palavra de uma língua morta.

Uma runa ancestral, esquecida há mais de dois séculos.

A luz da runa brilhou.

E Hiro grunhiu, o corpo pulsando com calor e dor ao mesmo tempo.

Ela recuou.

— E agora?

— Agora… eu descanso.

Hikari virou-se.

Mas antes de sair, olhou por cima do ombro.

— Se morrer… eu te caço no inferno só pra dar na sua cara.

E pulou pela janela.

Silêncio.

O selo em Hiro brilhou lentamente.

Ele fechou os olhos.

E, pela primeira vez naquela noite… dormiu.