Laboratório Obscuro de Thaumaturgia – minutos após o confronto
O silêncio não era vazio.
Ele sussurrava.
Runas apagadas. Sangue no chão. E o cheiro de mana distorcida ainda impregnando as pedras como cicatrizes que jamais sairiam.
Hiro Tanaka estava deitado entre elas. Imóvel. A respiração rasa, fraca. O corpo — uma colcha de feridas abertas.
E diante dele, Hikari von Richter.
Ajoelhada.
Inquieta.
Observava.
Mas não tocava.
“Isso... não foi uma luta.”
“Foi uma execução ritual.”
“Ele sabia disso. Entrou mesmo assim.”
O peito dela subia e descia lentamente, mas a mandíbula travada, o punho cerrado, o olhar inquieto — tudo gritava.
Até que ele abriu os olhos.
— …Richter.
Ela não respondeu.
Apenas continuou olhando.
— Por que ainda está aqui?
Hikari soltou um suspiro seco.
— Quer que eu vá embora e te deixe morrer como um cachorro?
— Eu sei da sua missão. Sei quem você é. Você não é só mais uma aluna. Você é uma arma. Uma assassina. Uma sombra da sua família. E a sua família… traiu tudo o que esse continente construiu.
O silêncio que se seguiu não foi leve. Foi cortante.
Os olhos de Hikari se estreitaram.
Ela deu dois passos até ficar bem próxima dele. A sombra do seu corpo cobriu o rosto ferido de Hiro.
— Te matar assim não teria graça nenhuma, desgraçado.
Ela sorriu. Mas era um sorriso frio. Um que escondia muito mais do que dizia.
— E os malditos da minha família... não são da sua conta.
Ela se agachou ao lado dele.
— Eu decido quem morre. E quando.
— Pretensiosa... — Hiro resmungou, o sangue escorrendo da boca. — E fraca…
Hikari pegou ele pelo colarinho.
— Repete.
— Se fosse realmente forte... já teria escolhido seu próprio caminho.
Por um momento, o olhar dela tremeu.
Só por um instante.
Mas logo depois, ela bufou.
— Cala a boca antes que eu me arrependa de não abrir sua garganta.
Ela então o levantou com facilidade, apoiando o corpo dele sobre os ombros. Mesmo ferido, Hiro era pesado, mas Hikari era puro músculo, velocidade e técnica.
— Você deve muito a mim, plebeu, disse ela, ativando uma sequência de impulsos com aura nos pés.
A sombra dela desapareceu no subterrâneo.
Dormitório Masculino – Quarto de Hiro
A janela foi aberta sem som.
Hikari surgiu no quarto, carregando Hiro como um fardo precioso. Ela o largou na cama com cuidado irritado.
— Pronto. Agora morre quieto e não faz barulho.
Hiro respirava com dificuldade.
— ...Ainda não. Tenho uma ideia.
Ela cruzou os braços, desconfiada.
— Você ainda tá delirando?
Hiro estendeu o braço direito, tremendo. Puxou a gola da própria camisa até o peito e revelou um conjunto de pequenas cicatrizes… marcas de runas.
— Preciso que você escreva uma.
Hikari ergueu a sobrancelha.
— Você tá me pedindo... uma tatuagem mística de emergência?
— Não uma qualquer. Uma runa ancestral. De regeneração.
— Por que não chama a Santa?
— Porque… ela pagaria o preço. E não quero isso.
Hikari não respondeu.
— Use meu próprio sangue, continuou Hiro. A ponta da adaga. Vou te guiar. Se escrever certo, a runa se ativará… e eu sobrevivo.
Ela então puxou a adaga, limpou na manga, e falou:
— Se isso matar você, é por sua culpa, não minha.
— Já entendi o contrato.
Hiro ergueu dois dedos, desenhando no ar lentamente.
— Memorize. Traço longo. Curva dupla. Três pontos centrais. Depois…
E assim, ela escreveu.
Com a lâmina banhada no sangue dele, cravou traço por traço, palavra por palavra de uma língua morta.
Uma runa ancestral, esquecida há mais de dois séculos.
A luz da runa brilhou.
E Hiro grunhiu, o corpo pulsando com calor e dor ao mesmo tempo.
Ela recuou.
— E agora?
— Agora… eu descanso.
Hikari virou-se.
Mas antes de sair, olhou por cima do ombro.
— Se morrer… eu te caço no inferno só pra dar na sua cara.
E pulou pela janela.
Silêncio.
O selo em Hiro brilhou lentamente.
Ele fechou os olhos.
E, pela primeira vez naquela noite… dormiu.