EPISÓDIO 5 — A CASA DOS SORRISOS E SEGREDOS
Já se passaram cinco dias desde que me tornei Melody Vasconcellos. Aprendi a andar na passarela de mentiras, mas agora enfrento meu maior desafio: lidar com as crianças que, sem saber, guardam pedaços da minha verdadeira história.
Meu nome é Luna Vasconcellos, e hoje acordei com o som de risadinhas ecoando pelos corredores da mansão. O sol entrava em raios tímidos pela janela do quarto de hóspedes onde tenho dormido — um quarto espaçoso demais para quem estava acostumada a um cafofo de pensão. Vesti o uniforme de Melody: blazer branco, saia xadrez e sapato lustrado. Pendurei o violão nas costas, afinal, crianças adoram música, e eu precisava conquistar a confiança delas.
Descendo as escadas, ouvi passos miúdos e um coro de vozes infantis:
“Melody! Melody! Acorda, acorda!”
No hall de entrada, encontrei Sofia, de 7 anos, usando uma touca de coelho e dançando no tapete persa. Ao lado dela, Danielzinho, de 9 anos, montava um robô de brinquedo com peças espalhadas pelo chão. E, na beirada do sofá, Clara, de 6 anos, folheava um álbum de fotos antigas, murmurando nomes que eu não reconhecia.
Eles se calaram quando me viram. Sofia deu um pulo, tirou a touca e correu até mim:
— “Melody!” — ela exclamou, abraçando minhas pernas com força. — “Você cantou essa música ontem à noite! Você é a melhor!”
Agachei e passei a mão em seus cabelos encaracolados:
— Obrigada, Sofia. Mas foi só um ensaio. Hoje tem uma canção nova. Quer ouvir?
Seus olhos brilharam. Ela soltou um gritinho de alegria e saiu correndo, balançando as orelhas da touca. Danielzinho largou as engrenagens do robô e se aproximou com o caderno de códigos na mão:
— “Melody, cadê seu violão? O robô precisa de música para despertar!”
Senti um sorriso brotar no meu peito. Nunca pensei que ia usar meu violão para afinar um robô, mas aqui, tudo era possível. Tirei o estojo da mochila:
— Está aqui, pequeno engenheiro. Vamos dar vida a essa máquina?
Ele assobiou, pegou o instrumento e começou a tocar uma melodia eletrônica, enquanto eu inseria acordes e ele ajustava o potenciômetro do brinquedo. O robozinho pisca-olhos começou a mover os braços, e as crianças aplaudiram — inclusive Clara, que largou o álbum para se juntar à festa.
— “Você tem mãos de fada, Melody!” — exclamou Clara, agarrando meu vestido com doçura.
Acariciei seu rosto delicado:
— Você também, princesa. Quer me mostrar esse álbum?
Ela levou minha mão até a mesinha de centro e apontou para uma foto antiga de duas meninas gêmeas, usando vestidinhos brancos, sorrindo de mãos dadas:
— “Essas são você e sua irmã, não são?”
O coração gelou. Aquela foto eu já conhecia — era a única prova de que Melody e eu éramos irmãs. Mas, se eu mostrasse a verdade ali, naquela tarde ensolarada, o castelo de mentiras desabaria. Decidi ganhar tempo:
— Sim, são gêmeas. Mas… isso faz parte de um segredo da família. Você quer pintar essa foto comigo primeiro?
As crianças concordaram em coro, sentamos num tapete macio e comecei a passar giz-de-cera colorido pela moldura. Enquanto contornava o vestidinho de uma das meninas, pensei em como as crianças tinham o poder de dissolver meu medo. Sofia interrompeu:
— “Melody, amanhã é dia de piquenique no jardim?”
Olhei pela janela e vi o gramado impecável, enfeitado com almofadas coloridas:
— Sim, Sofia. Mas antes disso, preciso ensaiar um dueto surpresa. Querem ajudar?
Eles pularam de alegria e seguindo-me até a sala de música. A grandiosa harpa dourada de Melody enchia o ambiente de ecos elegantes. Segurei o violão no colo:
— Vou tocar a introdução, e vocês me acompanham na letra. Vamos cantar “Segredo de Papel” juntos?
Danielzinho abriu o livro de partituras, Sofia entoou “la-la-la” e Clara estendeu o microfone. Eu respirava profundamente, sentindo cada acorde atravessar meus dedos:
“No espelho encontrei
O pedaço que me faltava
E no teu olhar percebi
A vida que me chamava...”
As vozes infantis se misturavam à minha, criando um coral doce e cheio de alma. Quando terminamos, as crianças se abraçaram e começaram a girar em círculo. Eu me perdi na alegria deles, até que o grito de uma voz masculina nos fez parar.
— “Melody! Está na hora do café.”
Era o Sr. Marcelo, o mordomo, vestindo fraque impecável. Ele gesticulou para a porta do salão de jantar. Conduzi as crianças, ainda com o violão no ombro, até a mesa grande. O aroma de pães, frutas e bolos caseiros invadiu minhas narinas.
— “Bom dia, minha flor!” — disse o Sr. Marcelo, entregando um copo de suco de laranja para Clara. — “Hoje será um dia especial.”
As crianças sentaram-se nos assentos baixos, e eu me acomodei na ponta da mesa. À medida que comíamos, Sofia, que adorava uma plateia, levantou-se no banquinho:
— “Melody, conte uma história!”
Senti o clima mudar. A inocência deles me desarmava. Fui até a estante e peguei um velho livro colorido:
— Era uma vez… duas irmãs que viviam em mundos diferentes — comecei, lembrando de nós. — Uma morava numa cidade de pedra e concreto, a outra num vale de flores e rios. Apesar de tudo, elas sonhavam juntas todas as noites com o mesmo céu estrelado.
Sofia fechou os olhos, encantada. Danielzinho inclinou a cabeça, curioso, e Clara apertou meu braço:
— “E elas se encontraram?”
Eu hesitei. As crianças tinham o direito de saber que, um dia, eu e Melody deveríamos nos reencontrar de verdade. Mas ainda não era a hora. Em vez disso, respondi:
— Sim, mas isso é capítulo de amanhã. Hoje é dia de sorrisos.
Após o café, acompanhei-as ao jardim. Elas correram, soltando risadas. Sofia parou para colher flores, Danielzinho examinou os insetos num arbusto e Clara sentou-se na fonte, molhando os pés. Observei cada movimento delas e entendi: essas crianças eram o coração da mansão Vasconcellos. Se eu quisesse conquistar o pai, a irmã, e encontrar minha própria identidade, precisava conquistar também esses pequenos.
Cheguei perto de Sofia:
— Quer ensinar-me a fazer coroas de flores?
Ela sorriu e ergueu a cesta de flores. Juntas, trançamos pétalas coloridas num círculo delicado. Enquanto lhe colocava a coroa na cabeça, ela inclinou o tronco:
— “Obrigada, Melody. Você é a irmã mais linda do mundo.”
O olhar dela me perfurou. As crianças viam a verdade nos meus olhos. Aquelas palavras, simples, me deram força para continuar:
— E você é a princesa mais valente.
Na volta para a mansão, peguei as mãos de Danielzinho e Clara:
— “Venham, pequenos exploradores. Temos muito mistério para desvendar.”
Eles correram à minha frente, seguindo o caminho de pedras como um cortejo de esperança.
E foi assim que passei o meu quinto dia como Melody Vasconcellos: brincando com Sofia, ralando partituras com Danielzinho e contando histórias para Clara. Cada risada deles encheu meu peito de coragem — e me fez lembrar por que eu lutava para descobrir o meu próprio nome.
Porque, no fim, as crianças não guardam apenas segredos infantis. Elas guardam a verdade pura, capaz de quebrar qualquer espelho partido.
Fim do Episódio 5