EPISÓDIO 11 — A PRIMEIRA ENSAIO E O DESAFIO DO GRÊMIO
Já se passaram onze dias desde que revelei minha verdade ao mundo. Minha vida agora é um contínuo equilíbrio entre música, escola e as pequenas vozes que me chamam de “mana”. Hoje, enfrento meu primeiro grande teste: o ensaio do Coral das Gêmeas e o embate velado com Bianca, a presidente do grêmio.
Meu nome é Luna Vasconcellos, e acordei antes de as luzes da mansão piscarem. O sol ainda não impulsionara as sombras do jardim, mas eu já estava de pé, trocando o pijama por uma blusa branca de lã leve e jeans escuro. Desci a escada principal, encontrando as crianças ao redor da mesa de café: Sofia desenhava partituras em guardanapos, Danielzinho conferia um tablet com planilhas de horário e Clara ajeitava fitas coloridas na mochila.
— “Bom dia, Melody… quer dizer, Luna!” — saudou Sofia, erguendo uma caneca de chocolate quente.
— “Hoje é dia de cantar em grupo!” — acrescentou Danielzinho, deslizando o tablet para mim. — “Aqui está a escala de vozes e o cronograma do auditório.”
— “Boa sorte!” — sussurrou Clara, colocando um bilhetinho embaixo da xícara.
Peguei o bilhete e li em letras miúdas:
“Você arrasa sempre, mana. Confio em você. – C.”
Sorri e beijei a testa de cada um:
— Obrigada, corações. Às quatro, no auditório.
A limousine nos aguardava à porta, e eu ajeitei o blazer azul-escuro por cima da blusa, guardando o bilhete no bolso interno. Enquanto o carro cruzava o portão, pensei no que viria: o auditório da Elite Harmonia era um templo de madeira e veludo, com palco elevado e iluminação profissional. Cada passo naquele tapete vermelho de entrada era como pisar num pedestal de expectativa.
Chegamos às 15h45. As crianças foram direto para a primeira fila de cadeiras baixas, combinadas para elas, enquanto eu segui para o palco. O técnico de som testava microfones:
— “Luna, doce voz, me diga: quer acompanhar o coral nos graves ou nos agudos?” — perguntou ele, sorrindo.
Respondi num tom confiante:
— Vamos de agudos — achei melhor destacar as diferenças entre mim e Melody.
Enquanto afinavam o piano e o teclado portátil de Danielzinho, entrei no camarim e vi o recado de Bianca na porta:
“Ensaio do Coral — 16h. Ponto. Não se atrase.”
A tensão apertou o peito. Sabia que ela queria me intimidar, mas eu tinha as crianças ao meu lado. Vesti o microfone de lapela e voltei ao palco.
Quando olhei os rostos alunos, reconheci alguns que cochichavam: havia curiosidade e ceticismo. Então, Bianca entrou. Alta, postura elegante, fez sinal para alguns integrantes do coral se afastarem. Nosso encontro durou um segundo de olhares:
— Bianca (com voz gelada): “Obrigada por colaborar.”
— Luna (sorrindo): “Estou aqui para cantar, não para competir.”
Ela ergueu uma sobrancelha e virou-se para o grupo:
— “Vamos começar pelo primeiro movimento: ‘Dueto dos Espelhos’.”
As cortinas vermelhas se abriram, revelando o coro de vinte vozes. As crianças ficaram na frente, alinhadas em semicírculo. Senti Sofia agarrar minha mão. Danielzinho ajeitou o teclado, Clara me entregou uma partitura reduzida. Respirei fundo e assenti para Bianca. O pianista começou as notas suaves de introdução.
— Todos (em uníssono):
“Dois rostos, uma canção,
Ecoam em perfeita união…”
Minha voz entrou por cima, clara e firme. Senti cada acorde descer pela minha espinha, como se o violão que deixei no camarim estivesse ali tocando minhas emoções. As crianças completaram com alegria infantil, e a plateia de colegas se calou em respeito. Quando o coro chegou ao refrão, Bianca me lançou um olhar de “ok”. Pela primeira vez, senti sua aprovação.
Terminamos e o auditório explodiu em palmas tímidas. Alguns professores sorriram. Gabriel, nos bastidores, fez sinal de positivo. Senti meu corpo relaxar. Mas ainda havia o segundo ato: a parte solo, onde eu teria destaque.
— Bianca (apontando para mim): “Agora, solo de L–”
Antes que ela completasse, as crianças correram para o centro do palco, improvisando:
— Sofia (cantando): “La—la—”
— Danielzinho (no teclado): “Tsss—tsss”
— Clara (soprando no microfone): “La—”
A plateia riu e a tensão que Bianca criara se dissipou em gargalhadas. Eu sorri, puxei o braço de Sofia e sussurrei:
— Vocês são demais.
Assumi o solo:
— Luna (ao microfone):
“Entre as lágrimas e canções,
Construí mil pontes, uni corações…”
A voz ecoou. As notas deslizaram pelas paredes de madeira. Senti o peso dos olhares, mas me mantive firme. Quando terminei, um silêncio respeitoso tomou conta. Então, aplausos reais, espontâneos, calorosos.
No fim do ensaio, Bianca me esperava no backstage:
— Bianca (admitindo): “Você tem talento. E as crianças… são seu diferencial.”
Sorri aliviada:
— Obrigada. Elas me lembram de por que eu canto.
Ela fez um gesto de rendição:
— Bianca: “Podemos conversar sobre a programação do próximo concerto?”
— Claro — respondi, estendendo a mão.
Enquanto ela anotava ideias, percebi Gabriel me observando. Ele chegou perto:
— Gabriel: “Vocês arrasaram. Agora, que tal um café no saguão?”
— Adoraria — respondi, sentindo um calorzinho no peito.
Saímos do auditório juntos, e encontrei as crianças no saguão: Sofia pulava de alegria, Danielzinho mostrava orgulhoso as partituras no tablet, Clara abraçava meu braço com um sorriso de orelha a orelha.
— Luna: “Então, o que acharam?”
— Sofia: “O melhor ensaio da história!”
— Danielzinho: “O teclado ficou perfeito!”
— Clara: “Eu quero cantar mais!”
Envolvi-os num abraço:
— Estamos indo muito bem. E isso é só o começo.
Antes de voltar para casa, dei uma última olhada para o auditório: naquele palco, eu não era mais a gêmea escondida, mas uma líder de vozes, acompanhada pelas minhas verdadeiras vozes infantis.
O carro nos levou de volta à mansão, e enquanto as colunas brancas desapareciam no retrovisor, pensei: amanhã trago meus alunos para ouvir o coral no gramado — porque nossa música não pertence a salas fechadas, mas ao mundo inteiro.
E assim terminei meu décimo primeiro dia como Luna Vasconcellos: com quatro corações batendo no mesmo compasso de esperança, coragem e canção.
Fim do Episódio 11
No próximo episódio: o Coral das Gêmeas faz sua estreia pública na Festa de Primavera da Elite Harmonia.