Capítulo 2 – Meia-Vampira

O rugido do motor cortava a noite como um trovão indomável.

Azren acelerava pela avenida de Blackriven, rasgando o asfalto como uma flecha prateada enquanto os cães infernais vinham em sua cola — monstros negros, musculosos, com olhos brilhando em vermelho como brasas vivas. Eles uivavam, rosnando e destroçando tudo no caminho: carros, postes, até mesmo o concreto parecia ceder à sua fúria.

O vento cortava o rosto de Azren enquanto ele olhava rapidamente pelo retrovisor. Um sorriso largo se formou nos lábios dele, como se estivesse curtindo uma perseguição em pleno inferno.

— Ah... coisa linda — murmurou com sarcasmo.

Soltando a mão direita do guidão, ele levou os dedos ao coldre nas costas e puxou uma pistola preta com detalhes vermelhos e uma pequena caveira prateada esculpida na empunhadura. Em um movimento hábil, girou o acelerador com a outra mão e inclinou o corpo para frente, colando o peito contra o tanque da moto.

O ronco do motor se tornou um grito. A velocidade aumentava, e os monstros respondiam saltando de um lado para o outro, babando, tentando arrancá-lo da moto com as presas.

Azren mirou com calma e frieza. Um dos cães correu ao lado esquerdo, rosnando com espuma negra escorrendo da mandíbula. Sem hesitar, ele puxou o gatilho.

BANG!

A bala atingiu o flanco da criatura. O impacto fez o bicho girar no ar, batendo contra uma lixeira e despencando numa pilha de escombros. Os outros quatro continuaram a perseguição, ainda mais ferozes.

— Vamos, cachorrinhos... — disse Azren, sua voz carregada de escárnio. — Hora do passeio noturno.

Ele apontou a pistola para o tanque de um carro estacionado à frente, cronometrando perfeitamente. Dois dos cães passaram pelo veículo no exato momento em que ele atirou.

BOOOOM!

O carro explodiu em uma onda de fogo e metal. Estilhaços voaram. Os corpos dos monstros foram lançados pelos ares como bonecos carbonizados.

Mas ainda restavam dois. Um deles avançou por cima dos destroços em um salto brutal, tentando cravar as presas em Azren.

— Ai, que fofo — disse ele com um sorriso debochado, enquanto se abaixava por completo na moto. O peito colou-se ao tanque, e ele esticou a perna para o lado, usando o pé como apoio para fazer uma curva fechada na esquina seguinte.

Os pneus guincharam no asfalto, desenhando um arco de fumaça atrás dele. Durante o giro, os olhos de Azren captaram uma velha placa de ferro pendurada sobre um semáforo à frente.

— Isso vai doer — comentou com um brilho sádico nos olhos.

Com um disparo rápido, ele acertou os cabos que prendiam a placa.

CREC—BOOM!

A estrutura metálica despencou com violência, esmagando os dois cães que vinham lado a lado. O impacto foi seco. Um som metálico seguido por ossos se partindo. O chão tremeu.

Azren passou por baixo da queda com precisão milimétrica, o casaco branco voando com o vento e o cheiro de pólvora e queimado invadindo suas narinas.

Ele soltou uma risada.

— E faltam... zero.

O ronco do motor cessou com um giro agressivo. Azren freou com força, e a moto deslizou de lado no asfalto, soltando faíscas antes de parar no meio da avenida deserta. O silêncio que se seguiu parecia pesar como chumbo.

Foi então que ele sentiu. Um arrepio estranho subiu por sua espinha.

Instinto puro.

Como um predador que reconhece outro à espreita.

Ele olhou ao redor. À frente. Atrás. Nada. Sombras longas se estendiam pelas calçadas sob as luzes trêmulas dos postes. Então, algo se moveu.

Do beco à esquerda, uma figura surgiu com a mesma naturalidade de quem caminha em um jardim à luz do dia.

Ela era hipnotizante.

Cabelos negros como breu, ondulados e longos, fluíam sobre os ombros como uma cortina de seda. Sua pele era pálida, quase translúcida — como se a lua tivesse esculpido cada curva com mãos cuidadosas. Vestia um longo vestido preto que colava ao corpo com um caimento quase líquido, abrindo-se em fendas provocantes. Os olhos... carmesins e intensos como brasas vivas. Quando seus olhares se cruzaram, era como se o tempo parasse por um segundo.

Azren estreitou os olhos. Algo naquela presença incomodava — bonita demais, calma demais, sobrenatural demais.

— É um prazer conhecê-lo, Azren Helsing—

Ela nem terminou a frase.

Com um movimento rápido, Azren girou o corpo, sacou as pistolas e apertou os gatilhos.

O som dos disparos ecoou pela rua como uma tempestade de trovões. As balas riscaram o ar, cortando a escuridão.

A mulher saltou, elegante como uma dançarina de sombras, desviando com fluidez quase impossível. Um sorriso aflorou em seus lábios carmesins enquanto ela girava no ar. Vampírica. Perigosa.

Azren apertou os olhos ao ver os caninos se alongando com naturalidade.

— Ah, claro. Presas — murmurou ele, ajustando a mira com precisão.

A primeira bala passou raspando sua bochecha, abrindo um pequeno corte que sangrou devagar. Ela caiu em pé — silenciosa — bem atrás dele.

Mas Azren já esperava.

Num giro rápido nos calcanhares, apontou as duas pistolas direto para o rosto dela. O cano frio pressionou sua testa. O sorriso dela só cresceu.

— Boa tentativa, bonitona — disse Azren com seu habitual deboche. — Mas eu não sou do tipo que faz amizade com sanguessugas.

— Sanguessuga? Que rude — ela sussurrou, inclinando o corpo até a testa tocar suavemente a arma dele. — Mas para sua informação... não sou uma vampira. Sou meio. Uma Daampira.

A palavra deslizou dos lábios dela como veneno envolto em perfume.

Azren não respondeu de imediato. Seu olhar caiu, involuntariamente, para o decote generoso que agora se destacava no meio da pouca luz. O vestido era provocante, desenhado para seduzir — e funcionava. Ele ergueu o olhar de volta para os olhos dela, agora bem próximos.

— Belos atributos... — ele disse, com um sorrisinho sarcástico — pra um meio-monstro.

Morana riu suavemente, um som doce e provocante, como se estivesse se divertindo com cada reação dele.

— E você é exatamente como dizem, Azren Helsing... rude, impulsivo, e com uma língua afiada. Gosto disso.

— Ótimo. Mas espero que não tenha vindo aqui pra um date.

— Não ainda — ela respondeu, seus olhos brilhando como rubis à luz de velas. — Mas talvez depois que terminarmos o que eu vim fazer

Azren bufou com um sorriso torto e girou as pistolas antes de guardá-las nos coldres.

— Meia-vampira com senso de humor. O mundo tá mesmo acabando.

Ele virou de costas.

— vai me dizer o que quer ou vai ficar aí me encarando até eu te convidar pra jantar?

Morana se aproximou, o som dos saltos ecoando no asfalto molhado como uma batida de tambor lento.

— Depende... você cozinha?

— Claro — disse ele por cima do ombro. — E você tem cara de quem prefere sangue ao molho branco.

Ela riu de novo, agora mais baixo, como se estivesse se divertindo com um brinquedo novo.

— Você é filho de Klaus Helsing — disse Morana com um leve sorriso nos lábios, a voz arrastada como veludo molhado — Eu conheci o seu pai.

Azren arqueou uma sobrancelha, girando ligeiramente o rosto na direção dela, ainda com as mãos relaxadas no coldre.

— É mesmo? — disse ele com um tom casual, mas a língua afiada — E tá viva pra contar? Isso já me faz desconfiar de você.

Morana apenas riu, aquele riso baixo, que descia pela espinha como uma carícia gelada.

— Digamos que... ele salvou a minha vida. E eu nunca esqueci.

Ela virou de costas, se afastando com passos lentos e elegantes, como se dançasse com as sombras do beco. A fenda em seu vestido oscilava a cada passo, revelando pernas pálidas e longas demais para serem ignoradas. Azren estreitou o olhar... depois baixou um pouco os olhos. E soltou um assobio baixo e malicioso.

— Se não fosse meio sanguessuga, você seria exatamente o meu tipo — murmurou, sorrindo de canto — Que tal parar de bancar a mulher misteriosa e me contar logo por que diabos precisa da minha ajuda?

Morana virou levemente o rosto por cima do ombro, os olhos vermelhos brilhando no escuro.

— A gente se vê em breve, caçador. No tempo certo — disse ela antes de desaparecer dentro da escuridão do beco, como se tivesse se dissolvido no ar.

Azren estava prestes a dar um passo adiante, curioso... quando um carro preto surgiu do nada e freou bruscamente, a poucos centímetros dele. O impacto do vento levantou a aba do casaco branco de Azren, que nem se moveu — só resmungou, entediado.

— Sempre aparecendo na hora errada... — disse ele baixinho, reconhecendo o carro de Sunny.

A porta do veículo se abriu com força e Sunny desceu, impecável como sempre, mesmo de salto e blazer justo. Seu olhar fulminante caiu sobre ele.

— Isso foi imprudente! — disse ela com o nariz empinado.

— Imprudente? — Azren cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha. — Você ia enfrentar uma matilha de cães infernais sozinha, Sunny. Tá me zoando?

— Isso... é irrelevante — rebateu ela, desviando o olhar, o rosto levemente corado pela contradição. — Amanhã, nove em ponto, reunião com as Famílias. Não se atrase. Ou eu te arrasto pelos cabelos.

— Não vou — disse Azren, direto.

Sunny parou por um segundo, como se o desaforo tivesse sido uma flecha em seu orgulho.

— É o futuro do mundo, seu idiota! — respondeu ela, batendo o salto com força no chão. — E... alguém tá atrás de você.

Azren estreitou os olhos, agora um pouco mais atento.

— Quem?

Mas antes que ela respondesse, a empregada fechou a porta e arrancou com o carro, os pneus gritando no asfalto. O veículo passou ao lado dele como um borrão.

— Nem uma dica?! — gritou Azren, erguendo os braços. — E nem um “obrigada pelo resgate”, sua ingrata de saia justa!

Ele ficou ali parado por um momento, deixando o silêncio da rua voltar a dominar. Moveu o olhar de volta para o beco onde Morana havia sumido. Parte dele queria ir atrás... saber mais. O tom da voz dela ainda ecoava em sua cabeça como uma música proibida.

Mas ele suspirou, descruzou os braços e foi caminhando até sua moto, tirando uma bala do bolso e girando entre os dedos.

— Mulheres... — murmurou com um sorriso torto. — Um dia ainda me matam. Provavelmente sorrindo enquanto fazem isso.

Girou a chave, ligou o motor, e o rugido da máquina preencheu a noite.

[...]

A manhã chegou com um céu nublado e o cheiro de fumaça ainda pairando no ar, resquício da destruição da noite anterior. Azren caminhava pela calçada com as mãos enfiadas nos bolsos da calça escura. Seu casaco branco balançava com a brisa fria, e os passos ecoavam no asfalto molhado com a preguiça de quem preferia estar em qualquer outro lugar.

Ele parou diante de um imenso prédio de vidro e metal que cortava o céu como uma adaga cravada no coração da cidade. Os letreiros de segurança piscavam em vermelho acima da entrada principal. Era um dos prédios mais seguros de Blackriven. Também um dos mais chatos.

Azren ergueu o olhar para o topo e soltou um suspiro impaciente.

— Por que eu tô aqui mesmo? — resmungou.

Entrou pela porta automática com um passo arrastado, o som das solas ecoando no saguão silencioso e estéril. Os recepcionistas sequer ousaram encará-lo — todos sabiam quem ele era. Ou achavam que sabiam.

Chegou ao elevador e apertou o botão com a preguiça de quem tinha dormido duas horas e acordado com um soco do despertador. A porta se abriu com um ding agudo. Azren entrou, se escorou contra a parede e olhou para o painel.

— Cobertura... claro, porque egos inflados sempre têm que se reunir na porra do topo — murmurou, apertando o botão.

O elevador subiu em silêncio. Ele cruzou os braços, bateu levemente o pé e esperou. Quando as portas finalmente se abriram, Azren saiu com um sorriso preguiçoso no rosto e um brilho de sarcasmo nos olhos vermelhos.

Uma sala enorme se estendia diante dele — mármore polido, janelas do chão ao teto revelando a cidade abaixo, e uma longa mesa oval no centro, cercada pelas figuras mais poderosas das Famílias. Todos viraram o olhar ao mesmo tempo, como se ele fosse o atraso da própria morte.

Azren ergueu uma sobrancelha e abriu um sorriso malandro.

— Desculpem o atraso, seus idiotas — disse com o tom leve, zombeteiro. — Mas é que… eu realmente não queria vir.

Silêncio.