Capítulo 3 – Reunião

A porta pesada se fechou atrás de Azren com um estalo surdo. O silêncio elegante da sala de reuniões era quebrado apenas pelo som firme de suas botas contra o piso de madeira escura. A iluminação baixa criava sombras nas paredes de pedra, e o ar carregava o cheiro de couro velho e café recém-passado — a marca registrada das reuniões da aliança.

Ele ergueu o olhar preguiçosamente, como quem avalia o valor de estar ali. Na longa mesa de carvalho, cinco caçadores o observavam.

Sunny, de braços cruzados, batia o pé no chão com impaciência. Seu rabo de cavalo castanho balançava de leve e seus olhos, meio desafiadores, meio preocupados, o encaravam com uma mistura de irritação e algo mais difícil de definir. Ao lado dela, Elyra Vaesalis, com os cabelos roxos presos em tranças finas, mantinha uma postura composta, embora seu olhar afiado não deixasse nada escapar.

Margareth Leroy, com o cabelo vermelho curto desgrenhado e a expressão entediada, não disfarçou a careta ao vê-lo. Vestia a jaqueta jogada por cima de uma regata escura e coturnos gastos. Uma verdadeira tomboy — e uma bomba-relógio pronta pra explodir.

Marek Korvath, alto, loiro, tranquilo, fitava Azren com uma expressão conciliadora. Já Nikolas Galli, o mais jovem, com o cabelo azul escuro caindo no rosto e os olhos baixos, parecia mais preocupado do que surpreso.

Azren ergueu uma sobrancelha e caminhou até a mesa.

— Olha só. Os 5 patetas. Que falta faz um lanche aqui, hein?

Margareth foi a primeira a reagir. Ela se levantou abruptamente, os olhos faiscando.

— Demorou demais, seu filho da puta — rosnou ela, já puxando a pistola do coldre na cintura.

Azren nem piscou. Apenas estalou a língua, puxou uma de suas pistolas e apontou de volta.

— Nikolas — disse, com um sorriso torto e a voz levemente rouca — não sabia que tinha soltado a cadelinha da coleira.

BAM!

O som da coronha da arma batendo na mesa fez tremer os copos d’água.

Margareth rangeu os dentes.

— Quer mesmo brincar com fogo, Helsing?

— Se for com você, só se for de luva de amianto, querida — rebateu ele com um brilho debochado nos olhos.

— Chega — murmurou Nikolas, levantando a voz mais do que o habitual. Apesar da timidez, havia firmeza ali. — Isso aqui não é uma arena.

Margareth bufou e girou a pistola, guardando-a de volta no coldre com um estalo.

— Tem razão querido, Não vale a pena gastar uma bala com cachorro vira-lata.

Azren riu baixo e guardou a dele com um giro desnecessário, só pra provocar. Sentou-se largado ao lado de Marek e Elyra, cruzando os braços como se estivesse em um bar, não em uma reunião de emergência.

Sunny o encarou, irritada.

— Você está atrasado — disse ela, em tom frio.

— E você fica linda quando tá brava — respondeu Azren, com um sorriso displicente. — Mas se quer saber, não era nem pra eu estar aqui. Vocês podiam ter começado sem mim.

Sunny suspirou, desviando o olhar antes que ruborizasse.

— Precisamos de você, idiota.

Elyra pigarreou, e todos voltaram a focar.

— Uma informação chegou à aliança — ela começou, a voz suave porém firme. — Há anos, o tataravô de Azren selou um vampiro ancestral numa cripta sob a cidade. Mas alguém está tentando libertá-lo.

Azren arqueou a sobrancelha, descrente.

— E o que isso tem a ver comigo? Se o velho fez um serviço mal feito, o problema é dele, não meu.

Marek se inclinou um pouco para a frente, falando com o tom calmo de sempre.

— O selo está enfraquecendo. E só pode ser fortalecido com....

Antes que Marek pudesse terminar, uma nova voz, doce e melódica, ecoou pelo salão como uma dança no escuro.

— Um sangue de um Helsing. Por isso eu disse para chama-lo aqui, não foi?

Todos viraram ao mesmo tempo.

Morana entrou como se fosse dona do lugar, saindo da penumbra do fundo da sala. Seus cabelos negros ondulavam sobre os ombros, e o vestido justo, de veludo preto com cortes estratégicos, abraçava cada curva como se tivesse sido desenhado sobre ela. Seus olhos vermelhos faiscavam malícia.

Azren apertou os olhos, tenso.

— Vocês perderam o juízo? Por que ninguém sacou uma arma ainda?

Morana caminhou até ele sem pressa, os saltos fazendo eco. Parou atrás da cadeira de Azren, apoiou-se no encosto e se inclinou até que o perfume dela — algo entre rosas escuras e sangue recém-derramado — invadisse o espaço ao redor.

— Porque estou do lado de vocês, Azren — murmurou com um sorrisinho provocante. — E... é bom ver você de novo.

Azren girou o rosto de leve e os olhares se cruzaram.

— Ótimo — disse ele, secamente. — Estamos mesmo trabalhando com uma meia-sanguessuga agora?

Morana sorriu de canto.

— Prefiro o termo daampira, obrigada.

Sunny suspirou alto e cruzou os braços de novo, claramente incomodada.

— Se terminaram de medir quem tem a língua mais afiada... podemos continuar?

Azren se recostou, girando a cadeira levemente de lado.

— Claro. Já vi que o show só tá começando.

— Obrigada — disse Sunny, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha, sem olhar para Azren. Seu tom era firme, mas as bochechas coradas a entregavam. — Morana é uma caçadora como nós. Mesmo sendo uma meia-vampira... ela é de confiança.

Azren arqueou uma sobrancelha, claramente duvidando.

— É mesmo? Porque o jeito que ela me olha... é mais de quem quer me esvaziar no gargalo — murmurou, com um meio sorriso torto.

Antes que alguém pudesse reagir, Morana estava ainda sorrateiramente atrás dele. Sem pedir licença, passou um dos braços suavemente pelo pescoço de Azren e se inclinou. Seus cabelos negros escorreram por sobre o ombro dele como um véu de sombras perfumadas. O toque dela era frio, mas propositalmente lento — quase um sussurro sobre a pele.

Azren olhou de canto de olho. Aquilo não era só sede por sangue. Ele sabia ler esse tipo de desejo nos olhos de alguém.

— Se tá querendo sexo, tá fazendo um péssimo trabalho de convencimento, sanguessuga — disse ele, em tom seco e provocativo.

— Hmm... talvez depois — respondeu Morana, com um sorriso lento, deslizando os dedos pela camisa preta de Azren como se tocasse seda quente. — Quando estivermos sozinhos... só você... e eu.

— Chega dessa pouca vergonha — disse Elyra, com o tom de uma realeza desapontada. Ela mantinha a compostura, mas seu olhar denunciava exasperação. — Sunny, por favor, continue antes que isso vire um bordel.

Sunny bufou, sem esconder o incômodo com a cena.

— Vamos usar seu sangue pra fortalecer o selo, Azren.

Azren girou o pescoço devagar, o som das vértebras estalando preencheu o breve silêncio. Ele lançou um olhar afiado na direção dela.

— Vão usar meu sangue? Engraçado... não lembro de ter dado um “sim” pra isso.

Ele recostou na cadeira, braços cruzados e expressão entediada. A sala parecia cada vez menos uma reunião e mais um circo mal ensaiado. A única coisa mantendo seu interesse era a meia-vampira grudada no seu pescoço como uma tatuagem viva.

O tédio, porém, durou pouco.

Um arrepio cortou o ar. Todos na sala silenciaram ao mesmo tempo, olhos se arregalando. A sensação era nítida — como gelo rastejando pela espinha.

Algo estava errado.

BOOM!

A explosão rasgou a lateral do prédio como um trovão infernal. A parede de vidro estourou com um rugido ensurdecedor, lançando todos para o abismo lá fora. Em meio ao caos, tempo e som pareceram se distorcer.

Pedaços de vidro giravam ao redor como lâminas flutuando num redemoinho. Pilares de pedra e vigas de metal caíam junto com os corpos. O vento assobiava alto nos ouvidos.

Azren, no meio do ar, abriu os olhos e tudo desacelerou ao redor. Seus reflexos, treinados e quase sobre-humanos, entraram em ação.

Marek agarrou Elyra, envolvendo-a com os braços largos e girando no ar para protegê-la.

Nikolas, mais ágil do que parecia, se esticou no último segundo para puxar Margareth, que praguejava alto mesmo enquanto caía.

Azren pousou os pés numa viga que desabava, correndo sobre ela como um equilibrista num fio de navalha. À frente, Sunny caía, cercada por destroços. Uma pedra enorme descia direto no caminho entre ele e ela.

Ele puxou as pistolas num movimento só, as empunhaduras tilintando, e começou a girar o corpo no ar.

BANG! BANG! BANG!

A pedra explodiu em estilhaços antes de atingi-la. Poeira e luz. Azren guardou as armas num gesto fluido e mergulhou, braços estendidos, até finalmente alcançar a mão de Sunny no último instante.

O impacto da queda foi amortecido por um puxão súbito. Um som como asas batendo ecoou pelo céu.

Azren ergueu o olhar e viu Morana, seus olhos vermelhos faiscando e asas de morcego abertas como véus negros. Ela segurava firme no colarinho de seu casaco, sustentando tanto ele quanto Sunny com elegância inesperada.

— Espere... você tem asas agora?! — Azren resmungou, surpreso.

— Tenho muitas... surpresas, querido — sussurrou ela com um sorriso travesso, enquanto os levava suavemente até o chão.

Marek e Nikolas já haviam pousado com as garotas nos braços, cada um ainda respirando com força, os olhos atentos às sombras do prédio acima.

Do alto, uma presença sombria os observava. Silhuetas se moviam nas sombras.

Vampiros.

Azren se afastou de Morana devagar, girando os ombros e estalando o pescoço de novo, como quem se aquece pra um show de rock.

— Bom... acho que a reunião vai ter que esperar.

Ele sacou as pistolas com um sorriso que misturava adrenalina e sarcasmo puro.

— Hora de fazer o que a gente faz de melhor.

— Como nos velhos tempos — murmurou Nikolas, girando as facas gêmeas com dedos precisos. Havia uma tensão contida no olhar, mas a determinação era inabalável.

— Massacrar vampiros. Nada como começar o dia com o pé direito — disse Marek, enquanto seu machado se montava com um estalo metálico, a lâmina refletindo a luz do entardecer.

Azren estalou o pescoço e sorriu, o vento bagunçando seu cabelo negro.

— Eu amo isso! Isso que é vida!.

Sem esperar resposta, Azren disparou rumo à parede lateral do prédio destruído. Em vez de entrar, ele usou uma viga caída como rampa e começou a subir a estrutura externa correndo — os pés se firmando em placas de concreto, pedaços de janelas quebradas, saliências que mal aguentavam o peso.

Marek e Nikolas vieram logo atrás. Cada um usando suas habilidades únicas: Marek com força bruta quebrando caminho se necessário, Nikolas com leveza felina, saltando entre estruturas quase invisíveis no caos.

Lá embaixo, as garotas assistiam o trio subir feito demônios de guerra.

— Eles não pensam nem por um segundo — disse Sunny, braços cruzados, seus cabelos loiros balançando com a brisa.

— Homens e suas entradas dramáticas — resmungou Margareth, sacando a pistola com tédio fingido.

Morana soltou uma risadinha abafada enquanto as asas negras se abriam como pétalas noturnas.

— Vão ficar assistindo? Ou vamos mostrar como se faz?

Elyra girou os seus ombros enquanto se preparava e sorriu com elegância.

— Vamos, antes que eles destruam tudo sozinhos.

No alto do prédio, pedaços da estrutura rangiam com o vento. Um dos vampiros sentiu o cheiro de pólvora no ar, mas não teve tempo de reagir. Azren saltou da lateral e entrou pela janela quebrada com ambas as pistolas erguidas e um sorriso assassino no rosto.

— Ei, Nick! Bota um Rock Ai, porque agora é hora da festa!

BANG. BANG.

Duas balas explodiram as cabeças dos primeiros vampiros. Azren aterrissou no chão com os joelhos flexionados, o casaco esvoaçando como capa de herói rebelde.

— Sejam bem-vindos à porra da minha cobertura!

Nikolas deslizou pela parede e caiu ao lado dele em silêncio, as facas já rodando nos dedos. Marek veio logo atrás, quebrando parte da parede na aterrissagem com seu machado.

— Vamos mandar esses sanguessugas… — rosnou Nikolas.

— … pro inferno de onde nunca deveriam ter saído — completou Marek, girando a arma.

Enquanto os três formavam um triângulo mortal no meio do salão, mais vampiros surgiam das sombras. Garras. Presas. Sussurros guturais. A batalha começava com cheiro de sangue e aço.

Morana, agora flutuando do lado de fora com as asas abertas, apenas lambeu os lábios ao ver o caos se formar lá dentro.

— Hmm… ver o Azren lutar? Isso vai ser divertido.

As silhuetas das três mulheres surgiram no céu.

Sunny apareceu primeiro, deslizando pela lateral do prédio com as grevas e botas de metal faiscando contra a parede. Seus olhos vibravam em tom azuis, e seu corpo dançava no ar com precisão quase arrogante — o tipo de entrada que gritava “eu não vim aqui pra brincar”.

Logo atrás, Elyra planava com leveza quase etérea. Sua foice prateada refletia a luz do céu azuis, e seus longos cabelos roxos esvoaçavam ao redor dela como se tivessem vida própria. Havia uma aura de realeza silenciosa em seus movimentos — firme, graciosa e fatal.

Margareth não planava. Ela saltou como uma bala. Revolver em punho, os olhos semicerrados em fúria. Ao ver um vampiro se lançando por trás de Nikolas, ela nem hesitou. Puxou o gatilho.

BANG!

A cabeça da criatura explodiu num borrão vermelho contra a parede.

— Tira o olho do céu, amorzinho! — Margareth gritou, com um sorriso cínico no rosto. — Se distrair assim vai me dar rugas antes dos 30.

Nikolas olhou por cima do ombro, ainda com as facas gêmeas gotejando sangue.

— Eu tinha visto ele... só tava deixando você se divertir.

Margareth rolou os olhos, mas o sorriso permaneceu.

— Awn, que fofo. Quase me emocionei. Agora para de bancar o herói antes que eu tenha que te salvar de novo.

Nikolas corou levemente, mas assentiu com um suspiro.

Do alto, uma voz doce e provocante cortou o ar:

— Acho que eu também vou participar desse show... — disse Morana, surgindo como uma sombra viva, planando com as asas de morcego abertas atrás de si. O vestido justo ondulava com o vento, revelando curvas que fez Azren perder o foco por alguns segundos.

Ela mergulhou na direção de Azren, suas mãos se transformando em garras negras e afiadas, prontas para dilacera-lo.