Capítulo 4 – Massacre

O sorriso de Azren apareceu antes mesmo do cheiro de sangue invadir o ar. Um daqueles sorrisos tortos, sacanas, como se o caos à sua volta fosse só mais um dia divertido no escritório. Diante dele, Morana vinha como uma sombra viva — sensual e letal — deslizando no ar com suas garras negras prestes a cravar em seu peito.

Mas Azren não se mexeu. Pelo menos não de imediato.

O tempo pareceu desacelerar.

As garras passaram a milímetros de seu rosto — o suficiente para levantar uma mecha dos seus cabelos negros — mas o alvo de Morana não era ele. Um vampiro que tentava atacá-lo por trás foi rasgado no meio, seus gritos abafados por um jato de sangue.

No mesmo instante, Azren puxou os gatilhos.

Bang. Bang.

Duas balas. Duas testas estouradas. Sangue voou como tinta carmesim em câmera lenta.

Ele girou as pistolas nos dedos e também girou nos calcanhares, passando por cima de Morana com um salto limpo, aterrissando atrás de Nikolas, que já o aguardava em silêncio, como uma sombra cúmplice.

Nikolas girou as facas uma última vez e as encaixou de volta nas bainhas sob o sobretudo. De lá, puxou suas pistolas negras com canos longos e detalhes dourados. O símbolo dos Galli gravado com precisão.

— Pronto pra dançar? — murmurou Azren, com um sorriso.

— Sempre — respondeu Nikolas, com sua voz baixa e firme.

Eles abriram fogo.

As pistolas rugiam em sincronia, como uma dupla de músicos tocando a trilha sonora de um massacre. Cada disparo era preciso. Vampiros caiam antes mesmo de entender o que estava acontecendo. As balas cortavam o ar como flechas envenenadas, cada uma encontrando seu lar entre olhos, gargantas e corações.

Azren e Nikolas avançavam em uníssono. Esquivavam com precisão inumana, seus corpos se movendo com uma fluidez brutal, como se dançassem em meio à morte. Vampiros saltavam para atacar, mas seus ataques eram interrompidos no meio do ar — uma bala, uma lâmina, uma esquiva e tudo se resumia a sangue, ossos e poeira.

Para quem assistia, não parecia uma luta. Era execução.

Azren surgia na frente de um inimigo e, em um piscar, já estava atrás do próximo.

Nikolas era como uma sombra silenciosa, disparando com olhos de águia, seu rosto sereno mesmo enquanto as entranhas dos vampiros voavam ao seu redor.

Sunny arregalou os olhos. Ela já tinha visto Azren lutar antes... mas aquilo era diferente.

— Que velocidade é essa...? — sussurrou, com os olhos brilhando de adrenalina e raiva contida. — Aquele idiota tá se exibindo...

Margareth, ao seu lado, engoliu em seco ao ver Nikolas explodir a cabeça de um vampiro a menos de dois metros de distância.

O sangue respingou em sua bochecha. Ela não desviou. Só olhou para ele — para o homem com quem dividia os lençóis — e viu o fogo frio nos olhos de Nikolas. Um guerreiro silencioso, preciso. Letal.

Ela sorriu de canto.

— Bonito. Mas se tu morrer hoje, eu te mato depois, amor.

Elyra, elegante mesmo em meio ao caos, observava tudo com seus olhos sérios, quase regais. A foice em mãos girava como um leque de prata, mas ela não conseguia deixar de admirar a maestria com que os dois caçadores avançavam.

— Essa é mesmo a velocidade de um Helsing? — murmurou Morana, pousando delicadamente dois dedos sob o queixo, os olhos brilhando de puro deleite. — Um Helsing e um Galli massacrando vampiros… se eu soubesse que seria um show tão delicioso, teria trazido vinho. Tinto, claro.

— Tira o olho, sua sanguessuga de meia-tigela — rosnou Margareth, limpando o sangue do rosto com as costas da mão. — O Nick é meu.

— Relaxa, querida — Morana sorriu com lábios vermelhos como pecado. — O Galli não me interessa. Eu quero é o Helsing.

Azren e Nikolas se entreolharam por um segundo antes de moverem os canos das pistolas em uníssono, encostando-as sob o queixo de um único vampiro apavorado. Dois tiros, um estrondo duplo. A cabeça do maldito explodiu em uma nuvem grotesca de sangue e fragmentos de osso.

Os dois caçadores estavam cobertos de vísceras até o pescoço. A carnificina havia se espalhado como tinta numa tela, mas as sombras voltaram a se agitar — mais vampiros surgiam, como se o próprio inferno tivesse aberto as portas.

— Isso não acaba nunca... — murmurou Nikolas, girando as pistolas negras antes de recarregá-las com um estalo suave.

Marek veio logo atrás, seu machado cortando o ar com um rugido metálico. Cada balanço era fatal, partindo corpos com facilidade, o sangue espirrando nos reflexos da cidade lá embaixo.

Azren franziu os olhos, escaneando o ambiente como um predador. Aquilo não era desorganizado. Havia estratégia. Alguém estava puxando as cordas.

— Tem um chefão aqui em algum lugar... — murmurou ele. — E eu vou achar esse desgraçado.

— Já cansou, Helsing? — a voz de Morana veio de cima, sedosa como seda negra. Ela voava sobre ele, segurando um vampiro pelo pescoço.

O monstro se debatia inutilmente, olhos arregalados. Morana sorriu com sadismo, então cravou as garras no crânio do inimigo e esmagou. O sangue explodiu num jato grotesco, espirrando direto no rosto de Azren.

— Ei! — resmungou ele, limpando os olhos com a manga. — Sério? Como se eu já não tivesse o bastante desse batido de hemoglobina. Vai lavar minhas roupas também, sua morceguinha de quinta categoria?

Morana lambeu os próprios dedos ensanguentados, olhando para ele como se ele fosse o prato principal.

— Se quiser, posso ir até a sua casa… ajudar você a tirar cada peça — sussurrou, provocante.

Azren ia retrucar com outro flerte — provavelmente mais sujo que o sangue no corpo dele — mas foi interrompido quando Sunny surgiu como um raio, arremessada com violência por uma força invisível. Ela colidiu contra Morana, e ambas foram lançadas contra uma das paredes do prédio.

— Puta merda… — Azren murmurou, virando o olhar.

E então viu o que esperava.

De pé sobre uma viga de metal retorcido, envolto em um sobretudo carmesim rasgado e com traços aristocráticos, estava ele — o verdadeiro responsável. Um vampiro de postura refinada, cabelos brancos curtos e lisos, olhar frio como um cadáver.

— Eita, olha só quem apareceu no baile da moda — zombou Azren, girando as pistolas nos dedos. — Comprou esse look na seção “conde cafona” da internet?

— Insolente — respondeu o vampiro, a voz profunda e refinada, como se tivesse sido lapidada ao longo de séculos. — Tenho quase seiscentos anos, caçador. Já vi impérios caírem e reis ajoelharem.

Azren sorriu torto, aquele típico meio-sorriso sarcástico.

— Legal. Agora vai ver sua cabeça voando, “vossa excelência”. Vou transformar esse terninho de veludo em uma peneira.

— Você... — rosnou o vampiro de olhos vermelhos, a voz embargada por um ódio antigo. — Não posso deixar que o sangue de um Helsing caia nas mãos daquela meia-humana.

Duas asas membranosas rasgaram as costas do inimigo como se fossem parte viva de sua carne. Em um movimento brusco, ele avançou, agarrou Azren pela gola e o arremessou para fora do prédio, alçando voo com uma força animalesca.

— Azren! — gritaram os cinco lá de dentro, as vozes ecoando pelo céu da cidade.

O vento cortava como navalhas. Lá embaixo, o mundo parecia pequeno — carros se arrastavam pelas avenidas como insetos. Azren ergueu o olhar e encarou o rosto do vampiro, tão pálido e elegante quanto perturbador.

— Sabe de uma coisa? — disse ele com um meio sorriso, mesmo no ar, mesmo com a morte a centímetros de distância. — Eu prefiro vampiras gostosas. Você parece mais um mordomo vitoriano com fetiche por drama.

— Ainda tem fôlego pra piadas, caçador? — O vampiro cerrou os dentes. — Um só movimento e você será apenas uma mancha no asfalto.

— Ótimo. — Azren piscou um olho. — Só me prometa uma coisa... toca um Rock ou Metal pesado no meu funeral.

— Desgraçado... — O vampiro abriu os dedos.

E soltou.

O corpo de Azren despencou em queda livre, o vento rugindo nos ouvidos. Em um piscar, ele girou o corpo no ar e puxou o gatilho das duas pistolas. Uma bala acertou o ombro do vampiro, fazendo-o recuar com um rugido.

Lá de cima, os outros olharam horrorizados. A silhueta de Azren caía em direção ao concreto como um cometa sombrio.

— AZREN! — gritou Sunny, os olhos arregalados, os dedos crispados.

Morana mergulhou com as asas abertas em um rasgo de vento, descendo como um anjo demoníaco. Mas então... ela parou. Flutuando no ar, ela viu algo que a fez engolir em seco.

Os olhos de Azren se abriram.

Seus olhos agora estavam... com pupilas vermelhas incandescentes.

— “O gatilho... finalmente foi puxado...” — disse Azren com duas vozes fundidas. A dele. E algo mais. Algo antigo.

Morana arregalou os olhos.

— O que...? — sussurrou.

— O caçador tá de volta, baby — disse Azren, a voz vibrando com poder. — Karma: ativado.

Como um trovão cortando o céu, uma espada surgiu no ar. Longa. Prateada. Com escritas vermelhas brilhando na lâmina. A espada dos Helsing.

A Grim.

Ela atravessou o vampiro no ar, cravando-se em seu torso com violência brutal. Em seguida, caiu como uma estrela cadente direto em direção a Azren.

Azren esticou a mão.

Segurou o cabo como se fosse parte dele.

Girou no ar com graça sobrenatural.

Cravou os pés no chão com um impacto seco e caiu em pé.

O mundo silenciou por um segundo. A poeira subiu. Seu casaco balançou com o vento, os olhos voltaram ao normal... e o sorriso sarcástico voltou aos lábios.

— Adivinha quem voltou... — ele disse, erguendo a pistola lentamente. — O filho de Klaus Helsing. O último da linhagem original. O sucessor da família mais temida do mundo.

Ele mirou no vampiro que se contorcia no alto, tentando regenerar o ferimento da Grim.

— E também... — Azren estalou o pescoço — o seu fim, sanguessuga de merda.

— I-Isso é... — murmurou Sunny, com os olhos arregalados. — A Grim... ela realmente foi reativada?

Morana flutuava perto, os cabelos ao vento, os olhos cheios de uma luxúria estranha.

— Grim...? — ela murmurou.

— A espada dos Helsing — explicou Marek, se aproximando com o machado nas costas. — A destruidora da escuridão. A lendária Grim.

Azren girou a espada na outra mão.

— Certo. — Seu sorriso se abriu como uma lâmina. — Vamos continuar a brincadeira?

O vampiro se lançou como uma sombra viva, garras abertas, olhos famintos pela carne de um caçador lendário. Lá estava Azren, parado no meio da rua devastada, a espada Grim apoiada preguiçosamente no ombro, como se fosse só mais uma terça-feira.

— Se a Grim voltou à ativa... — murmurou Elyra, com os olhos fixos no campo de batalha, voz suave e cheia de um temor contido — ...isso significa que o Karma dele também voltou...

As garras do vampiro se cravaram fundo na barriga de Azren.

O som seco da carne sendo rasgada ecoou.

Morana, no ar, estremeceu e desviou o olhar por instinto.

Mas então… ela ouviu uma risada.

Quando voltou os olhos, viu Azren ali.

Com um sorriso nos lábios.

— Hã…? — o vampiro recuou, confuso. — O que...?

— Ah, não fica assim, todo surpreso — disse Azren, com aquela voz relaxada, carregada de sarcasmo. — O Karma dos Helsing? É tipo a regeneração de um vampiro... só que com muito mais estilo. E bem mais charme, diga-se de passagem.

O vampiro tentou puxar as garras.

Elas saíram com um ruído viscoso.

Mas o que estava por vir era ainda mais grotesco:

A barriga de Azren se regenerou ali mesmo, em segundos, a carne se fechando como se o ferimento nunca tivesse existido.

— Isso... isso é impossível... — balbuciou o inimigo, agora visivelmente abalado.

— Não é só cura, parceiro — disse Marek, ao longe, com um tom grave — é o Karma dos Helsing. Regeneração, vigor sobrenatural... e força capaz de virar a maré de qualquer guerra.

— Mas o mais legal — disse Azren, abrindo os braços, a outra pistola ainda em sua cintura no coldre das costas — é que eu posso aguentar os ataques de vocês...

Ele inclinou o corpo pra frente, olhos semicerrados, sorriso perigoso no rosto.

— ...mas será que vocês aguentam os meus?

O vampiro deu um passo instintivo para trás.

— O-oi...? O que quer dizer com i-isso…?

— Oh... — Azren girou a Grim com um único braço, fazendo a lâmina cantar no ar como uma tempestade prestes a cair — ...você não sabia?

Ele firmou os pés no chão, as pupilas negras sob a luz da lua.

— Então bora testar.