O cheiro de pólvora e sangue ainda pairava no ar. O silêncio que se seguiu ao massacre era cortante — pesado como chumbo. O vampiro restante tremia, seus olhos vermelhos saltando de um para outro: Sunny, de braços cruzados, com os olhos semicerrados e um bico discreto nos lábios; Marek, parado como uma muralha, segurando o machado; Nikolas, sereno e com as armas ainda fumegantes; Margareth, com o dedo no gatilho e a expressão nada paciente; Elyra, imponente mesmo em silêncio; e por fim… Morana, encostada numa coluna, braços cruzados, encarando-o com um leve sorriso preguiçoso.
O vampiro hesitou ao cruzar o olhar com ela. Algo nele vacilou. Um gesto sutil de Morana — quase imperceptível — fez com que as asas do desgraçado se abrissem num estalo.
Ele virou de costas e decolou.
— Ah não, morcegão… fugir depois da festa? — murmurou Azren.
Com um impulso seco, ele guardou a pistola no coldre, jogou a Grim nas costas e saltou como um raio negro.
O vampiro mal teve tempo de olhar para frente — o punho de Azren colidiu com seu rosto com um baque seco, jogando-o como um meteoro contra o asfalto. O impacto rachou o chão em volta. Antes que a criatura pudesse se mexer, Azren caiu de pé sobre sua barriga, cravando a bota no rosto dele.
O caçador sorriu.
— Tá na hora do interrogatório, Drácula de rodoviária.
O vampiro rosnou, mas seus olhos estavam arregalados de puro pânico.
— Quem manda em você? Porque, honestamente, com essa roupinha de mordomo vitoriano, você não parece ter criatividade pra liderar nem um grupo de escoteiros.
— E-eu… não vou falar — gaguejou ele.
Pah!
O soco de Azren afundou mais a cara do vampiro na cratera.
— Eu disse que ia ser educado. Mas tu tá testando minha boa vontade.
— Isso não me assusta, caçador — resmungou o vampiro, cuspindo sangue. — Eu não sinto dor…
— Ah, então vamos testar isso.
Azren se agachou e agarrou a mandíbula do vampiro, puxando uma de suas presas com os dedos. O som do dente se soltando foi úmido, grotesco.
— N-não... espera...! — tentou gritar o vampiro, a fala embolada pela mão do caçador.
— Já falei pra começar a cantar, morceguinho, — disse Azren, com os olhos escuros brilhando de raiva contida.
Sunny se aproximou, os braços cruzados e o cenho franzido.
— Vai falar ou a gente vai arrancar o resto da arcada dentária?
O vampiro piscou, olhou para todos os lados... então, os olhos pararam em Morana.
Ele hesitou. E disse, com a voz baixa:
— N-não é um chefe… é uma che—
Foi então que seu corpo começou a tremer. Seus olhos viraram puro breu. Fumaça preta saiu de sua boca, e num segundo, o vampiro se contorceu como se tivesse sido jogado ao sol.
Fssssssshhh...
Ele virou carvão. E depois... pó.
Todos deram um passo para trás, surpresos. Ainda era noite. Não havia luz solar.
Margareth franziu as sobrancelhas.
— O que caralhos acabou de acontecer?
Marek ergueu o machado, atento.
— Isso foi... controle remoto?
Nikolas se adiantou, pensativo.
— Alguém ativou um feitiço de queima interna. Provavelmente vinculado à verdade. Se ele revelasse demais…
Sunny apertou os olhos em direção a Morana.
— ...ele viraria churrasco.
Morana sorriu, como quem aprecia uma boa peça de teatro. O olhar dela era inocente. Mas só à primeira vista.
Azren deu um passo para trás e limpou a mão com o lenço do próprio vampiro antes de jogá-lo no chão.
— Sabia que tinha alguma coisa fedendo mais que corpo queimado.
Ele olhou diretamente para Morana, o sorriso torto no rosto.
— Tá se divertindo, morceguinha?
Morana deu de ombros, lambendo um pouco do sangue que manchava o dedo indicador.
— E se eu tiver?
Azren bufou e virou-se para o grupo.
— Cês viram, né? O cara ia entregar o mandante… ou melhor, chefona.
Elyra ajeitou sua franja com elegância.
— Não gosto disso. Alguém está limpando os rastros rápido demais.
Marek assentiu.
— E queimando as provas junto.
Margareth rosnou:
— E a gente ficou sem respostas. De novo.
Azren estalou o pescoço, girando os ombros, o olhar fixo na fumaça que se dissipava.
— Não tem problema. Uma hora a dona da coleira aparece.
Ele sorriu, sombrio.
— E quando aparecer… vou estar esperando.
— Certo — disse Sunny, limpando o rosto com um pano. — Vamos continuar investigando. Mas por hoje... já rolou sangue demais.
Azren deu uma risada seca enquanto girava os ombros.
— Alguém finalmente falou algo sensato.
— E já que estamos falando de sangue... — Morana arqueou uma sobrancelha e lançou um olhar sugestivo para Azren — Ainda não colhemos o do gostosão ali.
Azren, ainda com o rosto sujo de fuligem e sangue seco, olhou de lado pra ela com aquele meio sorriso debochado.
— Vai sonhando, morceguinha. Antes de vocês bancarem o laboratório ambulante comigo, a gente precisa descobrir quem tá puxando os fios por trás.
— Odeio dizer isso, mas... o Helsing tá certo — resmungou Margareth, girando o revólver nos dedos com irritação. — E além disso, tá bem na cara que você quer o sangue dele por outros motivos.
— Eu só gosto de atalhos — respondeu Morana, saindo preguiçosamente da parede onde estava encostada. O jeito que ela andava, mesmo no meio de toda a tensão, era quase felino. — Vou ver se encontro mais pistas. Se algo aparecer... vocês sabem onde me achar.
— Lá vai ela — comentou Nikolas, de braços cruzados, acompanhando com os olhos.
— Devíamos mesmo confiar em uma meia-vampira? — perguntou Elyra, ajeitando os cabelos com elegância, mas o olhar afiado como uma lâmina.
Azren cruzou os braços e olhou na direção de onde Morana sumira.
— Talvez. Mas se ela resolver brincar de vampira de verdade... — ele tocou o cabo da Grim nas costas — ...a resposta vem em aço.
[...]
A água quente ainda evaporava do corpo de Azren enquanto ele descia as escadas da casa meio às escuras, os cabelos pretos bagunçados e úmidos, uma toalha pendurada no ombro. Vestia apenas uma calça de moletom cinza, sem camisa, deixando à mostra o torso definido, uma espada com asas pendurada em seu colar — o símbolo dos Helsing — e cicatrizes sutis que só quem sobreviveu a muito sabia carregar.
Ele esfregava os cabelos com a toalha, distraído, quando algo fora da janela chamou sua atenção.
Parou. Moveu os olhos.
Entre os galhos de uma árvore próxima, dois olhos vermelhos cortavam a escuridão como brasas. Morana.
Escondida na sombra, com um leve sorriso nos lábios, observava como uma predadora noturna.
Azren suspirou, se aproximou da janela e a abriu devagar, sentindo a brisa fria da madrugada bater no rosto.
— Aí, morceguinha... — disse, apoiando um braço no batente da janela. — Não te ensinaram que espiar a casa de um homem solteiro é falta de educação?
Morana saiu das sombras com um movimento suave, como se flutuasse.
— Me perdoe — disse com aquele tom aveludado, olhando para ele como se o devorasse com os olhos. — Mas a vista daqui é... tentadora. Posso entrar?
Azren inclinou a cabeça com um meio sorriso cético.
— Vampiros precisam de convite pra entrar. Mas você é só meia... Isso ainda vale?
— Vale — ela respondeu, encostando na varanda com um brilho malicioso nos olhos. — Ainda carrego sangue noturno. Não entro sem ser convidada.
Azren estreitou os olhos, desconfiado.
— E você veio até aqui pra... admirar a vista? Ou veio atrás de uma amostra do meu sangue?
Morana deu de ombros, mas os olhos desmentiam qualquer inocência.
— Talvez... esteja aqui por precaução. Com tudo o que aconteceu, esse lugar é o mais seguro da cidade. E você, querido Helsing, é um excelente escudo humano.
Azren arqueou uma sobrancelha, a toalha ainda pendurada no ombro.
— Então agora sou hotel e segurança particular? Interessante.
— Também é bonitinho de se ver sem camisa — Morana acrescentou com um sorriso atrevido.
Azren suspirou, mas o sorriso no canto da boca não negava que ele estava se divertindo com a situação.
— Vai entrar ou vai continuar elogiando meu abdômen pela janela?
— Permissão concedida? — ela perguntou, já colocando a mão na maçaneta.
— Só até você tentar chupar meu sangue. Aí o contrato verbal acaba — disse ele, enquanto Morana abria mais a porta.
Morana adentrou a casa devagar, fechando a porta atrás de si com um leve estalo abafado. Seus olhos percorreram o interior com atenção felina. As escadas enroscadas à direita, imponentes como uma espinha dorsal de madeira antiga. A cozinha minimalista, separada apenas por um balcão largo de mármore negro. A lareira acesa projetava sombras dançantes pelo salão, e acima dela, repousava a Grim — a espada lendária dos Helsing, como uma promessa de morte silenciosa.
Um frio percorreu sua espinha. Um lar digno da linhagem mais temida entre os caçadores. Um lar digno de Azren.
Passos firmes ecoaram no assoalho polido. Morana se virou devagar, e lá estava ele — Azren, ainda descalço, torso nu, vestindo apenas a calça de moletom cinza. Os cabelos ainda úmidos caiam sobre os olhos escuros como breu, olhos que pareciam enxergar além da carne, além da intenção.
Ele caminhava como quem não devia nada ao mundo. Ou talvez, como quem fosse o próprio fim dele.
— É como entrar em uma jaula... com um leão — disse Morana, encostando o ombro na parede, os olhos fixos nos dele. — Um leão que pode me despedaçar se eu pisar no lugar errado.
Azren não parou de andar. Em um segundo, estava à sua frente, próximo o bastante para que ela sentisse o calor da pele dele, o cheiro de banho recém-tomado misturado com algo mais…
Ele apoiou uma mão na parede, ao lado do rosto dela, a outra roçando de leve em sua cintura enquanto a voz saía baixa, rouca, carregada.
— Está certa — murmurou. — Mas esse leão não ataca... se a visita souber se comportar.
Morana sorriu, sem esconder o prazer que aquilo lhe causava. Colocou as mãos abertas contra o peito de Azren, sentindo a firmeza dos músculos, o batimento controlado de um predador.
— Prometo que não vou morder você... ainda — ela disse, com os lábios perigosamente próximos da garganta dele.
Azren soltou um riso breve, sem humor, os olhos escuros cravados nela como lâminas.
— Claro. Porque se morder... você morre.
— Ah, os caçadores e seus sangues venenosos — sussurrou ela, deslizando os dedos pelo abdômen dele como se traçasse um feitiço. — Mas... eu sou só meia. Talvez eu sobreviva. Quer testar?
Azren não respondeu de imediato. Apenas deixou o silêncio pesar, como se o mundo segurasse a respiração. Seus olhos desceram dos dela para os lábios, depois para o decote provocante, antes de voltarem lentamente para os olhos dela.
— Você é ousada — disse enfim, a voz baixa como trovão abafado. — E ousadia... às vezes custa caro.
Morana inclinou a cabeça, provocadora.
— E você gosta disso.
Azren sorriu de lado. Um sorriso que não dizia sim nem não. Um sorriso de quem sabia exatamente o que era... e o que podia fazer com uma alma como a dela.
— Vai dormir no quarto de hóspedes. À esquerda do corredor, segunda porta — disse ele por fim, se afastando com um giro suave do corpo, como se quebrasse o feitiço do momento.
— Mandão. — Morana mordeu o lábio, encarando as costas largas dele enquanto ele desaparecia pela cozinha. — Gosto disso também.
Azren nem respondeu. Apenas ergueu uma caneca de café, encostado no balcão, e murmurou para si mesmo, como se estivesse falando com uma câmera invisível:
— Bela de rosto. Alma de gelo. Personalidade de chefe de necrotério... Essa aparência definitivamente não combina com o temperamento.
— Idiota — disse Morana com um sorriso enviesado, se inclinando sobre o balcão da cozinha. Seus dedos tocaram o mármore com leveza enquanto ela o encarava por baixo dos cílios. — Nem vai me oferecer uma taça de vinho?
Azren, de costas, girou nos calcanhares com um suspiro quase divertido. Ainda segurava a caneca de café, mas já se movia na direção do bar ao lado da cozinha.
— Sinto que, se eu te der uma taça, a gente vai acabar na cama — respondeu com a voz rouca, carregada de sarcasmo. — Mas quer saber? Parece um bom acordo.
Morana soltou uma risada baixa, o som quase um ronronar.
— Olha só... Achei que Azren Helsing era só papo furado. Espada grande, ego maior.
Azren parou no meio do caminho. Deixou os olhos correrem devagar por ela — a blusa de tecido fino que deixava os ombros à mostra, o jeito como ela o desafiava com o corpo inteiro. A respiração ficou mais densa, carregada.
— Mas sabe de uma coisa?
Ele caminhou em sua direção. Devagar, firme. Cada passo dele parecia arrastar a tensão do ar. E quando ficou frente a frente com ela, o mundo pareceu segurar o fôlego.
E então, como se palavras fossem inúteis, ele a puxou pela cintura enquanto colocava a caneca sobre o balcão e os lábios se encontraram em um beijo quente, faminto.
Subiram as escadas se beijando, os corpos colidindo com desejo contido há tempo demais. Ao chegar no corredor, Azren a empurrou de leve contra a parede, os lábios devorando os dela, as mãos firmes segurando sua cintura como se ela pudesse desaparecer a qualquer segundo.
— Quem diria... — sussurrou Morana, arfando contra os lábios dele — Um caçador e uma meia-vampira se pegando no meio da noite. Isso daria uma boa manchete.
— Eu é que devia estar dizendo isso — murmurou Azren, antes de beijá-la novamente, mais profundo, mais faminto.
Ele abriu a porta do quarto sem desviar os olhos dela, empurrando-a suavemente para dentro enquanto seus lábios desciam pelo pescoço exposto de Morana, pressionando beijos que arrepiavam sua pele.
— Ah... — escapou um suspiro de prazer dos lábios dela.
Com movimentos seguros, Azren desceu o zíper do vestido de Morana, deixando o tecido deslizar por seus ombros até cair no chão em um sussurro de seda. Ela ficou apenas com sua lingerie preta de renda, a pele pálida contrastando com o ambiente escuro do quarto.
Azren a segurou pela cintura e a deitou com cuidado sobre a cama, os olhos fixos nos dela como se estivesse observando algo sagrado e amaldiçoado ao mesmo tempo.
Morana sorriu, felina, como se tivesse vencido um jogo silencioso.
— Isso é perigoso, caçador — murmurou.
Azren sorriu de volta, sombrio, sem recuar.
— É... Mas o perigo nunca me impediu de nada.
E então, o quarto mergulhou no som abafado de beijos, sussurros e uma tensão que queimava mais do que qualquer batalha contra monstros.