A manhã nasceu cinzenta sobre Gaedia, com nuvens baixas que se arrastavam preguiçosamente pelo céu. O ar estava pesado, quase como se a própria terra estivesse cansada, respirando devagar e com dificuldade. Kael sentia isso em cada passo que dava pela cidade mineradora, onde o minério jazia em pilhas e as ferramentas rangiam sob o peso do tempo.
As ruas estreitas e tortuosas pareciam mais apertadas naquele dia. Olhares desconfiados seguiam Kael enquanto ele passava, algumas vozes baixas cochichavam entre si, como se a simples presença dele pudesse despertar algo adormecido nas pedras que sustentavam a vila. Havia um murmúrio invisível no ar, um sussurro inquieto que nenhum homem conseguia nomear.
Kael apertava o capuz da jaqueta contra o vento gelado, tentando esconder as marcas brilhantes em seu rosto. As “sarnas de diamante” — como alguns os chamavam em segredo — agora reluziam sob a luz fraca do amanhecer, refletindo fragmentos de céu cinza, e atraíam olhares que misturavam medo, curiosidade e inveja. Ele sabia que precisava manter aquilo oculto, mas a sensação de ser observado crescia a cada instante.
No mercado central, comerciantes gritavam por clientes, levantando pequenas nuvens de poeira misturadas a fragmentos de minerais. O cheiro metálico do minério fresco impregnava o ar, um aroma que Kael sentia na pele como uma promessa e uma ameaça. Enquanto caminhava, sentiu um tremor sutil sob seus pés, um pulso ritmado, quase vivo.
O chão da cidade parecia respirar com ele.
Perto da fonte de água mineral, um grupo de mineradores se reuniu e apontou discretamente na direção de Kael. Suas vozes carregavam suspeitas e acusações veladas.
— Você sentiu o tremor ontem à noite? — perguntou um homem de rosto marcado pelo sol e pelo trabalho duro, a voz baixa e firme.
— Foi o garoto das marcas, de novo — murmurou outro, com um sorriso cínico.
Kael tentou ignorar. Sabia que não podia simplesmente se afastar; a vila precisava dele, mesmo que eles não entendessem isso. Mas a crescente tensão se tornou um peso que o apertava no peito.
De repente, uma figura surgiu do meio da multidão, rápida e ágil como um raio. Nara Velz, a cartógrafa sarcástica e destemida, avançou na frente de Kael. Seus olhos brilhavam de curiosidade e desafio.
— Vocês deviam ter mais respeito — disse ela, com voz firme, encarando os mineradores desconfiados. — O que ele carrega é mais do que vocês podem entender.
Alguns homens franziram a testa, outros desviaram o olhar. Nara olhou para Kael e deu um leve sorriso encorajador, como quem diz “estou com você”.
Kael agradeceu em silêncio, sentindo o peso da responsabilidade se transformar, por um instante, em uma tênue esperança.
O dia passou entre tarefas árduas e olhares furtivos. À tarde, Kael sentou-se perto da entrada da caverna onde trabalhava com Tragg, o velho minerólogo que sempre lhe ensinava a escutar as pedras. Tentou acalmar a inquietação crescente em seu coração.
O velho apareceu lentamente, com passos firmes, olhos que pareciam carregar o peso do mundo e a sabedoria de eras.
— O solo está inquieto, garoto — disse Tragg, sentando-se ao lado dele. — Não é só um tremor comum. É como se a terra respirasse, e não gostasse do que sente.
Kael olhou para o velho, buscando respostas nas linhas profundas do rosto dele.
— Por que isso acontece? — perguntou. — Por que eu sinto isso?
Tragg suspirou e apontou para as marcas brilhantes no rosto de Kael.
— Porque você carrega dentro de si algo que a terra não reconhece mais. É uma parte antiga, perdida, que tenta acordar. Mas quando se mexe, o mundo ao redor também sente.
Naquela noite, Kael se deitou em sua cama de pedra e metal. A cidade se aquietava, mas dentro dele, um turbilhão crescia. As “sarnas de diamante” pulsavam lentamente, iluminando seu rosto no escuro.
Ele fechou os olhos e tentou ouvir.
A respiração da terra era um sussurro, um chamado, um mistério.
E Kael sabia que não podia mais fugir.