A Ponte das Cordas de Barita

A vila mineradora desaparecia atrás deles, engolida pela distância e pelo amargor das últimas palavras ditas. Kael caminhava com o corpo tenso e os pensamentos ainda vibrando com as provocações do dia anterior. Ao seu lado, Nara se movia em silêncio, os passos leves como se ela sempre soubesse para onde ia — mesmo quando não sabia. Tragg os guiava à frente, o velho arqueólogo com a pele marcada por décadas de poeira e decisão. Seus olhos não paravam de olhar o chão, não por medo de cair, mas como quem ouvia o que a terra dizia.

Tinham partido ao amanhecer, sem alarde. A mochila de Kael ainda pesava com o âmbar pulsante guardado entre trapos e minerais comuns. Ele sentia o calor da pedra contra suas costas, como se estivesse viva. Talvez estivesse.

Tragg parou quando o solo se transformou. O que antes era rocha sólida cedeu lugar a uma encosta esfarelada, coberta por um nevoeiro leve e constante. Adiante, a ponte surgia como um suspiro esquecido: longas cordas de barita, presas entre dois pilares esculpidos em basalto antigo, estendiam-se sobre um abismo sem fundo visível.

Kael engoliu seco.

— Essa ponte não aparece em nenhum dos mapas oficiais — disse Tragg, mais para si do que para os outros. — Mas está aqui. Ainda está aqui.

— Então não é feita para ser encontrada — completou Nara, se agachando para tocar uma das pedras marcadas. — Essas inscrições… não são das tribos mineradoras. São mais velhas. Muito mais.

Kael se aproximou, sentindo o mesmo formigamento em sua pele que sentira ao tocar o fóssil no âmbar. O ar aqui vibrava em frequências que ele não sabia nomear, mas que seu corpo reconhecia. Era como se o mundo estivesse atento.

— Vai aguentar o nosso peso? — perguntou Kael.

Tragg se virou para ele. Os olhos do velho estavam diferentes. Não cansados — reverentes.

— Essa ponte foi construída quando o solo ainda era jovem. Ela não nos segura pelo que somos, mas pelo que levamos.

Mirkon os alcançou logo depois, suado, ofegante, com o semblante tenso. Tinha seguido os rastros deles durante horas, e quando os encontrou, lançou um olhar duro a Kael.

— Você foge e me obriga a seguir? — disse, ríspido. — Achei que queria aprender a usar seu poder.

Kael não respondeu. O abismo à sua frente falava mais alto que qualquer provocação.

Um a um, começaram a atravessar. A ponte balançava com o vento invisível que vinha do abismo, fazendo ranger as fibras minerais como se elas ainda respirassem. Lá embaixo, o silêncio era absoluto. Não o silêncio da ausência de som — mas o silêncio de algo que observa e espera.

Kael ia por último. A cada passo, sentia o âmbar em sua mochila emitir pulsações cada vez mais fortes. Quando chegou ao centro da travessia, as marcas em sua pele começaram a brilhar sob a camisa, discretas como respirações de pedra.

Foi então que ele viu.

No outro pilar da ponte, entalhadas com uma precisão impossível, estavam as inscrições. Não só inscrições — fragmentos de símbolos idênticos aos que haviam sido projetados pelo Oremon no âmbar. Kael parou, o coração batendo forte.

— Tragg! — gritou.

O velho e os outros já estavam no outro lado. Tragg voltou correndo, o olhar se estreitando ao ver os símbolos.

— Isso é impossível — murmurou ele. — Isso… são runas de Heroicos.

Kael se agachou, passando a mão sobre os símbolos. Não eram entalhes. Eram marcas vivas. Quando tocadas, pulsavam sob seus dedos. E em sua mente, por um breve instante, ele viu… uma silhueta colossal feita de placas de rocha fundida, com lava sob a pele, observando-o com olhos feitos de magma dormindo.

Ele puxou a mão.

— O que era isso? — perguntou, quase sem voz.

Tragg se ajoelhou ao lado, o rosto tomado por algo entre terror e reverência.

— Era um chamado. Um reconhecimento. A ponte nos viu. Ela viu você.

Ao final da travessia, todos permaneceram em silêncio por longos minutos. Não por medo — mas porque algo novo começava a surgir no horizonte. Algo que não fazia parte de nenhum mapa.

E ninguém sabia ainda… se isso era um caminho. Ou um aviso.