Pedra Não Anda Sozinha

O dia ainda se refazia da noite quando o grupo alcançou a clareira. A luz não vinha do céu, mas do próprio solo — tênues filamentos cristalinos se enroscavam pelas raízes, como nervuras vivas de um organismo subterrâneo. O ar ali era mais denso, quase líquido, e tudo parecia silenciar em respeito.

Kael sentiu o corpo reagir antes mesmo de perceber o ambiente. Seus pés ficaram pesados, como se o chão os quisesse prender, e os diamantes sob sua pele — agora quase sempre adormecidos — começaram a aquecer, como brasas sob a pele.

Solva já os esperava.

Estava sentada no centro da clareira, os olhos fechados e as mãos tocando o solo com delicadeza quase ritualística. Ao redor dela, pequenos Oremons selvagens se mantinham imóveis: um feito de cascas de ônix, outro de lascas de opala azulada, e um terceiro com um corpo laminar que parecia vidro molhado. Nenhum a atacava. Nenhum fugia.

Ao vê-los se aproximar, ela abriu os olhos. Havia neles algo que não era cansaço — era uma lembrança antiga demais para pertencer a alguém tão jovem.

— Vocês vieram — disse ela, com um sorriso sereno.

— Como sabia onde estávamos? — perguntou Nara, desconfiada.

Solva tocou o chão, e as raízes sob sua mão se movimentaram suavemente, como se a terra respirasse.

— A terra sussurra. Sempre sussurrou. Só que agora ela começou a usar palavras.

Kael se aproximou devagar. Havia algo na presença dela que o atraía e o assustava ao mesmo tempo. Um sentimento familiar, como o calor de um mineral ao ser retirado de sua matriz.

— Essa clareira… — começou ele — …ela não existia no mapa.

— Ela nunca está no mesmo lugar — respondeu Solva. — Ela se forma onde precisa, quando algo novo está para acontecer.

Ela se levantou. Os Oremons ao redor se afastaram em silêncio, sem alarde, como se tivessem apenas cumprido um dever. Solva se aproximou de Kael e parou bem diante dele. Então ergueu uma das mãos e, sem hesitar, tocou seu rosto.

Kael estremeceu. Não pelo toque — mas pela memória que veio junto. Uma imagem que não era dele: a de uma grande fenda sendo selada por mãos humanas e minerais ao mesmo tempo. Vozes que choravam. Cristais sendo enterrados vivos.

— O que é isso? — perguntou, ofegante.

Solva recuou, e seus olhos se encheram de uma estranha piedade.

— Você nasceu no intervalo entre dois ciclos, Kael. Não devia existir ainda. Mas a Terra errou… ou talvez tenha feito uma aposta.

Ninguém disse nada por um tempo. Tragg observava com os braços cruzados, os olhos fundos como cavernas que escondem segredos demais. Mirkon franzia a testa, tentando compreender palavras que soavam como enigmas.

— E o que isso significa? — perguntou Nara.

Solva voltou a olhar para Kael.

— Significa que ele é a ponte entre o que já foi esquecido… e o que ainda não aconteceu.

O âmbar na mochila de Kael pulsou, quase como se concordasse.

E naquela clareira onde pedras assistiam, raízes escutavam e o ar parecia conter lembranças, todos entenderam, mesmo sem palavras:

Nada do que viria adiante podia ser enfrentado sozinho. Nem mesmo por quem nunca deveria ter existido.