As horas seguintes foram marcadas por um silêncio inquieto, como se até o tempo hesitasse em continuar. Kael, Solva, Nara, Tragg e Mirkon seguiram pela encosta mineral que se projetava como uma coluna vertebral para dentro da terra. O solo rangia sob seus pés com a densidade de algo vivo — não mais apenas chão, mas um organismo antigo demais para lembrar seu próprio nome.
Ao longe, os sussurros de Oremons selvagens criavam uma trilha sonora errática: lamúrias de quartzo, batidas graves como tambores de bauxita, arranhões de mica. Era o mundo reagindo à presença deles.
A trilha levou-os até um desfiladeiro estreito, onde colunas de rocha se erguiam em ziguezague como dentes de um animal adormecido. No centro daquele espaço, repousava um fragmento esférico — pulsante, quente, envolto por camadas cristalinas esverdeadas. Era um núcleo.
Mas não qualquer um.
Kael o sentiu antes de vê-lo. Um magnetismo interno, uma âncora invisível que puxava sua pele, seus ossos, sua atenção. Quando seus olhos o encontraram, o mundo ao redor silenciou.
— Isso não devia estar aqui — murmurou Tragg, a voz fraca. — Um Núcleo Épico… abandonado? É impossível.
— Não está abandonado — corrigiu Solva. — Está esperando.
Kael deu um passo à frente. O núcleo tremeluzia como se respondesse à sua presença. Não havia cerca de proteção, nem cavernas de contenção, como os Minerólogos da Corporação costumavam erguer. Nada o guardava. E, ainda assim, ninguém ousava se aproximar — exceto ele.
Estendeu a mão.
O núcleo não ofereceu resistência. Não queimou. Não drenou. Apenas encostou na palma de Kael com leveza surpreendente.
E então, algo nunca antes registrado aconteceu.
O núcleo liberou parte de sua energia.
Uma veia de luz azul se estendeu do fragmento para o braço de Kael, que recuou num reflexo. Mas a luz não era dor. Era calor reconfortante. Era memória. Era vida.
Nara arregalou os olhos. Tragg soltou um juramento antigo. Mirkon deu um passo atrás. Solva apenas sorriu, como se esperasse aquilo.
— Isso… isso é impossível — murmurou Tragg. — Núcleos não partilham. Eles absorvem, se impõem. Eles consomem.
— Este não — disse Solva. — Este reconheceu algo nele. Em Kael. Talvez… reconheceu a mesma origem.
Kael caiu de joelhos.
As imagens vieram em torrentes: visões de um mundo anterior à linguagem, um continente despido de civilizações, onde colossos feitos de energia e pedra caminhavam entre montanhas em formação. O céu tinha outra cor. A terra… sussurrava. E em meio a eles, um pequeno ponto brilhava — pequeno, como uma célula à margem da imensidão. Era ele.
Quando voltou a si, as veias de luz haviam desaparecido, mas algo havia mudado. O fragmento em sua mão estava opaco, inerte, como se tivesse entregue tudo o que podia.
Kael se levantou com esforço.
— Ele me escolheu? — perguntou, sem saber para quem.
Solva se aproximou e tocou o ombro dele.
— Ele dividiu. Porque reconheceu alguém que também é metade.
Tragg deu meia-volta, visivelmente perturbado. Mirkon observava Kael com olhos em conflito: admiração, dúvida, medo. Nara caminhou até o núcleo, já apagado, e tocou-o com os dedos delicadamente.
— Você não está sendo seguido, Kael — disse ela. — Está puxando o mundo com você.
E o que começou como uma expedição se transformava, centímetro a centímetro, em uma jornada sem volta.