Ossos de Cristal, Ossos de Sangue

O dia seguinte nasceu sem nascer. Naquelas profundezas, o tempo não se media em luz ou sombra, mas em batimentos do solo e no ritmo do ar rarefeito que se arrastava pelas fendas. O grupo seguia por túneis cobertos de estalactites vítreas, onde até os próprios sons pareciam hesitar em existir.

Kael caminhava em silêncio. Desde o toque com o núcleo, sua pele parecia mais sensível ao ambiente — as marcas diamantinas em seu rosto pulsavam em intervalos regulares, como se sincronizadas a algo invisível no subsolo. Ao seu lado, Nara olhava com frequência para um pequeno fragmento de mapa mineral que mantinha preso ao cinto, seus olhos buscando formas, repetições, sentidos.

Foram horas de caminhada até que o espaço se alargasse e revelasse uma galeria esculpida pela erosão e pelo tempo — ou por mãos que já não existem.

As paredes exibiam desenhos ancestrais: formas espiraladas, padrões fractais, criaturas geométricas dançando em círculos. Mas havia algo mais.

No centro da câmara, envolto por uma névoa âmbar e brilhante, repousava um altar de obsidiana rachada. Sobre ele, um fóssil. Mas não era como os outros. Este respirava.

Tragg foi o primeiro a reconhecê-lo.

— Isso… isso é parte do mapa do Ventre da Terra — disse, ajoelhando-se lentamente. — Mas não é pedra. É um ser. Ou foi.

Kael se aproximou, e o fóssil brilhou suavemente. Era do mesmo âmbar que carregava desde a fenda oculta, mas com veios adicionais de cor carmesim — como se sangue ainda circulasse entre as rachaduras.

Nara avançou devagar, os olhos arregalados. Tocou a superfície da estrutura. O fóssil emitiu um som tênue — uma nota cristalina, triste, melancólica.

— Meu pai morreu procurando isso — sussurrou ela. — Ele disse que havia partes do mundo que não podiam ser mapeadas… que se moviam sozinhas, como se respirassem. Mas ele achava que podia entender. Achei que era só loucura.

Kael olhou para ela.

— Talvez ele entendeu mais do que todos.

Nara virou o rosto para não chorar, mas uma lágrima escapou. Ela a limpou com raiva, e encarou o fóssil com expressão dura.

— Esse fóssil… ele tem forma de veia. De uma artéria.

— É um nervo do mundo — disse Solva, aproximando-se. — Esse lugar não é só antigo. É vivo. Cada linha aqui é como um pensamento esquecido.

Mirkon deu um passo para trás, inquieto.

— E por que isso está reagindo ao Kael?

Tragg hesitou.

— Porque ele é feito da mesma coisa. Mas não da parte mineral. Da parte que ainda sangra.

Kael não respondeu. Em vez disso, estendeu a mão sobre o fóssil, que respondeu com um leve calor. Como se reconhecesse seu toque. Como se o chamasse.

E então, por um instante, Kael viu. Viu uma rota antiga, sob rios que não existem mais, entre placas tectônicas que jamais se cruzariam hoje. Viu uma espiral dourada que levava a um núcleo maior, adormecido sob sete camadas de silêncio.

A visão desapareceu tão rápido quanto veio.

Ele cambaleou.

— Kael? — chamou Nara.

Ele assentiu, ofegante.

— Eu vi… onde o mundo começa a afundar. Onde ele se quebra por dentro. Acho que o Ventre da Terra… não é um lugar. É um ser.

O silêncio que se seguiu foi denso como rocha bruta.

Tragg se levantou, mais velho do que jamais parecera.

— Se você está certo, então tudo o que fizemos até agora… foi só escavar pele. O que vem depois… é carne.

O fóssil apagou-se, como se voltasse ao sono. Mas a marca em Kael não. Agora, seus ossos brilhavam sob a pele como raízes de cristal. E ele começava a temer que, no fim, talvez não houvesse mais osso algum.