O caminho adiante se estreitava, obrigando o grupo a se mover em fila única. As paredes estavam cobertas de depósitos de silicato que pareciam olhos fechados. Solva comentou, em voz baixa, que era um tipo de formação viva — capaz de registrar passagens, captar vibrações, e, segundo ela, “sonhar a forma dos que passam”.
Mas era outra vibração que inquietava Kael.
Ao longo da trilha, o solo pulsava com uma frequência irregular. Pequenos estalos e microtremores ecoavam nos ossos. O ar trazia cheiros de ferro e cinzas antigas. Kael reconhecia essa sensação. Era o mesmo tipo de inquietação que sentira antes do primeiro colapso.
Mais à frente, Mirkon segurava seu Oremon em silêncio. Ferromir, o magnetita de superfície, mantinha seus espinhos recolhidos e os olhos semicerrados. Sinais claros de que algo próximo interferia em seus instintos.
Quando saíram do túnel, chegaram a um platô suspenso sobre um abismo. Dali, podiam ver ao longe formações geominerais perfeitamente simétricas — cristais hexagonais erguidos em pilares, como catedrais submersas. Mas o que chamou atenção foi outra coisa.
Um conjunto de pequenas máquinas rastejantes explorava a região à frente. Elas tinham pernas metálicas e sensores de núcleo — criadas pela Corporação de Extração.
Tragg se agachou, puxando os demais para trás de uma rocha.
— Sondas geológicas. Versão autônoma. Estão mapeando fluxo de energia.
— Procurando a gente? — sussurrou Nara.
— Procurando ele — respondeu Tragg, apontando com os olhos para Kael.
Kael tentou recuar, mas já era tarde. Uma das sondas emitiu um som agudo e girou em sua direção. Em segundos, as outras imitaram o gesto. Uma luz vermelha começou a piscar em suas carcaças.
— Elas encontraram uma “Anomalia Viva” — disse Tragg com os lábios secos. — Isso é mau. Isso é péssimo.
Mirkon se ergueu num salto.
— Corre ou quebra?
Kael hesitou.
— Corre.
Desceram por uma fenda lateral, escorregando em rampas de rocha mineral até uma galeria inferior. As sondas os seguiram, adaptando seus membros aos ângulos do terreno.
Nara lançou três lâminas de grafeno, cortando duas máquinas. Mas outras surgiam. De dentro delas, projetavam-se garras serrilhadas que não buscavam matar — apenas capturar.
Solva gritou, agarrando um dos braços mecânicos com as mãos nuas. No toque, uma descarga de energia reverberou e a máquina apagou. Ela caiu de joelhos.
— Elas reconhecem assinatura de núcleo… — sussurrou. — Como se ele fosse um mineral ativado.
Kael sentiu sua pele vibrar.
Foi então que, em algum lugar distante, muito além daquelas câmaras, Maedra Rusk recebeu o sinal. Em sua torre de pesquisa, observava um painel com uma única luz piscando em vermelho.
“Assinatura energética detectada: Fraturado identificado.”
Ela sorriu.
— Finalmente.
Na caverna, o grupo escapou por pouco por uma fissura lateral, mas Kael não saiu ileso. Um dos sensores havia tocado sua pele antes de explodir. Desde então, ele sentia um zumbido dentro do crânio, como se suas memórias tivessem sido escaneadas.
Naquele dia, no silêncio incômodo do acampamento improvisado, Tragg confirmou o que todos temiam.
— A Corporação não está mais nos rastreando. Eles sabem onde você está. O que você é. E estão vindo com tudo que têm.
Kael se deitou ao lado da mochila. O âmbar dentro dela tremia, ainda vivo. Olhou para a escuridão acima.
E pela primeira vez desde que tudo começou, desejou ser só um minerólogo cego. Que nada visse. Que nada sentisse. Que fosse apenas pedra.