O Que Está Vivo e Não Deveria

A caverna onde pararam para descansar tinha teto baixo e paredes pulsantes de muscovita. Umidade escorria das rachaduras como se a própria pedra estivesse exalando suor. Havia silêncio, mas não paz. Solva dizia que aquele tipo de silêncio era como uma pedra prestes a rachar.

O fragmento de âmbar dentro da mochila de Kael vibrava há horas, emitindo um calor que não queimava, mas inquietava. Ele o retirou com cuidado, pousando sobre uma das pedras planas da galeria. Nara e Mirkon se aproximaram. Tragg mantinha distância. Ele já vira esse tipo de comportamento antes. E não queria ver de novo.

Kael se ajoelhou diante do âmbar. Por um instante, o mundo pareceu se curvar.

O fóssil dentro da pedra começou a brilhar com uma luz âmbar líquida, como se estivesse derretendo por dentro. Mas não era calor. Era memória.

Sem aviso, a pedra rachou. Não quebrou — apenas se abriu, com uma fissura elegante, quase orgânica, como se quisesse ser tocada. Uma luz escapou da fenda. Sons começaram a emanar dali.

Não vozes. Nem música. Eram sons antigos. Deslizamento de placas. Colapsos de veios minerais. Batidas profundas, como corações geológicos. Todos pareciam ressoar diretamente na medula dos ossos.

Kael estendeu a mão. A luz tocou sua pele — e, ao contato, uma torrente de imagens invadiu sua mente.

Viu planícies cristalinas varridas por ventos de poeira ancestral. Criaturas feitas de sílica movendo-se entre formações que pareciam cidades, mas não foram feitas por mãos humanas. Um Oremon gigante — talvez o mesmo do âmbar — caminhava entre vales, deixando atrás de si um rastro de pulsos no solo. Era adorado por nada. Observado por tudo.

Kael ouviu uma frase que não reconheceu, mas compreendeu.

“Você é parte do que foi recusado. Mas o que é recusado ainda vive.”

Quando abriu os olhos, estava de joelhos. O âmbar brilhava com intensidade calma. Tragg o observava, olhos carregados de medo.

— Isso… isso é um Oremon Mítico — sussurrou o velho. — Mas está agindo como se tivesse núcleo vivo. E respondeu a você. Kael… nenhum fóssil deveria estar vivo. Muito menos se comunicar.

— Ele falou comigo — disse Kael. — Não com palavras. Com… memórias.

Mirkon deu um passo atrás, olhando para o âmbar como se ele fosse prestes a explodir.

— Isso é perigoso. Isso muda tudo. Você tem ideia do que significa carregar um fóssil vivo?

Nara manteve os olhos fixos na pedra. Ela murmurou algo que só Kael ouviu:

— A terra está tentando contar alguma coisa. E a gente nunca soube escutar.

O fóssil então emitiu um último brilho. No centro do âmbar, o ser imóvel — até então silencioso — moveu os olhos. Lentos, arrastando luz, como se estivessem despertando de um sono de eras.

E nesse momento, Kael não teve dúvidas.

Aquilo não era um vestígio.

Era um chamado.