O céu de Konoha parecia mais azul naquele dia, mas para Naruto — agora envolto por uma confusão de emoções e identidade — a paz da vila contrastava com a tempestade que sentia por dentro.
Era a primeira vez que saía em público desde que tudo mudara. Sua aparência agora não deixava dúvidas: era uma garota. Os cabelos loiros estavam mais longos, a pele suave e os olhos tinham um brilho dourado incomum. As roupas ajudavam a disfarçar as curvas... mas só até certo ponto.
Cada passo pelas ruas trazia olhares. De estranhamento. De confusão. De desejo. De medo.
— Ei... aquela é a Uzumaki? — sussurrou um vendedor, apertando os olhos.
— Não pode ser... o demônio da raposa... virou uma garota? — comentou uma idosa com voz trêmula.
Naruto cerrava os punhos. Seus instintos gritavam. Parte de si queria correr. Outra queria rosnar.
Mas respirou fundo e seguiu.
O reencontro com seu time estava marcado.
—
Chegando ao campo de treinamento, Naruto avistou Sakura e Kakashi já esperando. Ela hesitou por um momento. Quase não reconheceu quem vinha na direção deles.
— N-Naruto?
Kakashi nem disfarçou o espanto. Fechou o livro. Seus olhos estavam atentos, sérios.
Naruto parou a poucos metros deles, forçando um sorriso tenso.
— Eu... sei que tô diferente.
— Diferente? — Sakura exclamou. — Você... você tá uma garota! Tipo, de verdade! Isso não é um henge?
— Não... não é. E não é algo simples de explicar.
Sakura deu dois passos, olhando de cima a baixo, chocada.
— É você mesmo...? Mas como...?
— Eu continuo sendo Naruto — respondeu, firme. — Só que agora... também sou outra coisa.
Kakashi se aproximou, com olhos semicerrados. Observava não só o físico, mas o chakra. Ele sentia algo animal, selvagem, mas ao mesmo tempo puro e fluido.
— Isso não é só transformação... é mutação chakra-espiritual — murmurou.
— A Kurama teve... algo a ver. — Naruto desviou o olhar.
— "Algo a ver"? Naruto, isso não é uma mudança de humor ou de corte de cabelo! — disse Sakura, exaltada. — Isso... isso é loucura! Isso é perigoso!
Kakashi segurou o braço dela.
— Não é perigoso. Mas é incomum. — E olhando Naruto nos olhos: — Você não precisa explicar tudo agora. Mas... não fuja da gente.
Naruto assentiu. Mas sabia que o pior ainda viria.
—
Na volta para casa, caminhando por um beco menos movimentado, ela sentiu um chakra conhecido se aproximando. Ao virar uma esquina, deu de cara com Hinata.
— A-Ah... Naruto...? — a voz da Hyuuga falhou por um momento. Ela empalideceu.
Naruto tentou sorrir.
— Hinata. Oi. Faz tempo, né?
Hinata não respondeu. Seus olhos corriam por cada detalhe da nova aparência. O cheiro. O chakra. O modo de andar. Tudo nela confirmava o que Hinata já sabia no fundo:
Era Naruto. Mas não era mais o mesmo.
E mesmo assim, sua pulsação acelerou.
— Eu... é você? Você virou uma...?
— É complicado. Mas sim. Eu mudei.
Hinata deu um passo à frente, tremendo. Mas havia algo quebrado em sua timidez. Um impulso irracional estava aflorando.
— Eu sabia que te amava. Mesmo agora... especialmente agora. Você... você é perfeita. Você sempre foi. E eu...
Naruto recuou um passo.
— Hinata... não...
— Eu te amo. Mais do que qualquer um. E agora que você... que você é assim, eu sei que está mais perto de mim do que de qualquer outra. Eu sempre te aceitei. Eu sempre estive aqui!
Havia lágrimas nos olhos dela, mas não de dor — de desejo desesperado.
Naruto sentiu um arrepio. O chakra de Hinata queimava como uma obsessão pura. Kurama murmurou:
— A fêmea está em cio emocional. Se aproxima demais, morde.
Naruto murmurou um pedido de desculpas, virou as costas e sumiu num salto de chakra, o mais longe possível.
—
Pouco depois, caminhando pelos telhados, parou para respirar. Mas não notou a aproximação de Kiba... até sentir o cheiro do instinto.
— Naruto...? — Kiba surgiu logo ao lado, confuso.
Naruto virou o rosto, tensa.
— Oi, Kiba...
Ele ficou estático por um instante. Seus olhos se arregalaram, e logo abaixou a cabeça.
— O seu cheiro... mudou.
— Eu... eu sei.
— É... muito forte. Intenso. Como o de uma... fêmea alfa. — Ele se aproximou mais do que devia, instintivamente. — Tem algo em você... que me faz querer...
Naruto se afastou.
— Kiba. Por favor. Se afasta.
Akamaru rosnou baixinho, enciumado, inquieto.
— Desculpa... é só que... — Kiba segurou o próprio rosto. — Você é diferente, mas ainda é você. Só que meu corpo... reage como se você fosse...
— Uma companheira? — Naruto completou, amarga.
Ele assentiu.
Kurama riu, como quem aprecia o caos:
— Fêmeas fortes atraem os instintos. Ele não pensa com a cabeça. Só sente.
— Cuidado com esse aí.
—
Naruto correu. Correu até seus pulmões doerem. Até estar no ponto mais alto da vila.
E lá, olhando tudo de cima, caiu de joelhos. Chorando. Gritando baixo.
Ela não queria causar confusão. Não queria virar uma obsessão. Não queria ser um desejo animal. Queria ser aceita.
Mas agora via: a vila jamais a veria da mesma forma.
Kurama, em tom suave, murmurou:
— Eles não te conhecem. Mas logo vão aprender. Você não é um erro. É o futuro. A primeira de um novo tipo. Uma criatura que a humanidade jamais poderá controlar.
Naruto se deitou no telhado e olhou o céu. E no fundo de si, apesar de tudo...
...sentia orgulho.
Continua...