Primeiros Passos.

O caminho pela floresta foi longo, silencioso e frio. As copas das árvores ainda fechavam o céu, mas a vegetação começava a rarear. Ao longe, colunas finas de fumaça subiam como veias escuras no horizonte — o primeiro sinal de civilização.

— Fumaça — disse Johan, apontando com o queixo. — Isso pode ser uma vila... ou um incêndio. Considerando nossa sorte...

— Cala a boca — murmurou Damian, cansado. — Se for gente, é a nossa melhor chance.

Greg ajeitou o pedaço de madeira que usava como bengala improvisada. Jorn, ainda carregando o maior peso físico do grupo, ia na frente, empurrando galhos com facilidade.

Depois de mais alguns minutos de marcha, ouviram um som familiar: vozes humanas. Fracas, distantes, mas reais. Riso de criança. Marteladas. O baque de uma carroça. E finalmente, entre duas colinas cobertas de pasto, uma vila de casas de madeira e pedra se revelou. Era pequena, com não mais de quarenta ou cinquenta construções. Um poço central, cercas de galinheiros, campos abertos e um pequeno templo com sino no alto.

Uma placa torta na entrada dizia: “Bem-vindo a Trivana”.

Eles se entreolharam por um instante, hesitantes.

— Vamos? — disse Johan.

E foram.

A vila parecia respirar calma. Homens cortavam lenha, mulheres lavavam roupas, crianças corriam entre galinhas e cães. Mas o clima mudou assim que os forasteiros pisaram no chão de terra batida.

Olhares. Muitos olhares.

Uma menina parou de brincar e ficou estática. Quando viu Jorn, gritou:

— MÃE, UM MONSTRO!

Outras crianças correram. Um garoto caiu e começou a chorar só de olhar para Damian, que, alto e esguio, parecia quase etéreo à luz do sol.

Jorn parou de andar.

— Sério? — resmungou. — Já começou essa porra?

— Se acalma, Jorn — disse Johan, colocando a mão no ombro do amigo. — Você parece uma parede com presas, cara. As crianças não estão acostumadas.

— E eu estou acostumado a ser chamado de monstro?

A tensão aumentava. Um grupo de homens começou a se formar ao lado do poço. Três deles estavam armados com machados e foices. Um deles, mais jovem, de barba rala, deu um passo à frente.

— O que vocês são? De onde vieram?

— Somos viajantes — respondeu Damian, tentando parecer calmo. — Viemos da floresta. Estamos perdidos. Não queremos problemas.

— Isso é o que todos os mestiços dizem — cuspiu o homem. — Elfos roubam nossos filhos. Orcs queimam nossas plantações. Anões cavaram desastres em montanhas. E agora vocês aparecem aqui, como se fossem gente?

Greg ficou imóvel. Jorn fechou os punhos.

— Repete isso — disse o meio-orc.

— Jorn, NÃO — gritou Johan.

O grupo de aldeões recuou meio passo. O homem sorriu, satisfeito com a provocação.

— Vai fazer o quê, Orc? Vai me matar? É isso que sua raça faz, não é?

Jorn deu um passo à frente, mas Damian segurou firme seu braço.

— Não vale a pena — sussurrou o elfo.

— Dizia a praga da floresta — rosnou outro homem. — Elfo maldito...

— JÁ CHEGA! — bradou uma voz mais grave.

Todos se viraram. Um homem velho, de barba branca e roupas gastas, caminhava em direção ao grupo. Usava um cajado de madeira retorcida e trazia um colar com um medalhão de prata no peito. Os aldeões imediatamente baixaram as armas.

— Vocês não têm vergonha? Acolhem estrangeiros com pedras e cuspes, como se fôssemos selvagens? — sua voz era firme, respeitável. — Eu sou Harnold, líder de Trivana. E até que esses quatro façam algo contra nós, serão tratados como hóspedes. Entendido?

Os homens resmungaram, mas recuaram.

Harnold se aproximou dos quatro.

— Não sei o que vocês são ou de onde vieram. Mas seus olhos... são olhos de quem já viu a morte. Entrem. Vocês têm muito a explicar. E nós, muito a ouvir.

Mais tarde, sentados em uma sala simples com lareira, o grupo ouviu as palavras que dariam início à sua nova vida.

— Este mundo se chama Othrel — começou Harnold. — Um continente único, vasto, perigoso e cheio de maravilhas. A magia aqui é real, mas perigosa. Só pode ser usada por aqueles que passaram pela cerimônia de despertar, nas igrejas consagradas.

— E a tal guilda que ouvimos alguém citar? — perguntou Johan.

— A Guilda de Aventureiros. Um sistema de reconhecimento de força. Todos que desejam lutar, defender, explorar, precisam se registrar. Começam como Cobre, e alguns poucos chegam ao nível Adamantite. Mas isso... é conversa para outro dia.

Jorn cruzou os braços.

— E o que fazemos até lá?

Harnold sorriu.

— Talvez vocês queiram provar que são mais do que aparência. Há dias, criaturas selvagens atacam nossos campos. Grandes, rápidos... mataram uma vaca ontem.

Greg engoliu em seco.

— Vocês não têm soldados?

— Temos trabalhadores com foices. E medo.

Damian se levantou.

— Vamos ajudar.

— VOCÊ vai ajudar — corrigiu Jorn.

— Vamos todos — completou Johan. — Mas só depois de um bom banho e, se possível, comida quente.

Harnold riu.

— Isso, pelo menos, ainda temos.

O sol já estava a meio caminho do horizonte quando os quatro deixaram a vila, acompanhados por dois rapazes locais que serviam como guias — Edras, um jovem de expressão dura, e Milo, mais franzino e nervoso. Nenhum dos dois parecia confiante, mas mantinham a cabeça erguida como quem tentava não demonstrar medo.

— A coisa vem de noite, mas os rastros estão frescos — disse Edras, agachando-se próximo à borda de um pasto. — São como pegadas de javali, mas maiores. Muito maiores.

Johan analisou o solo. Mesmo sem experiência, qualquer um poderia ver: o chão estava revolvido, a cerca arrebentada, e marcas de sangue levavam até a mata próxima.

— Vai dar merda — murmurou ele, cruzando os braços. — Nós somos quatro idiotas sem espada, sem plano, e sem armadura, tentando caçar um bicho que mata vacas.

— Bom resumo — comentou Jorn, estalando os dedos. — Mas, pelo menos, agora eu sou um idiota forte.

Greg segurava um bastão de madeira grosso — uma bengala de viajante que um dos aldeões cedeu. Estava nervoso, mas determinado.

Damian, por outro lado, parecia observar tudo com mais atenção do que pavor. O silêncio da floresta o incomodava.

— A natureza tá errada aqui — comentou. — Como se algo estivesse... espantando o resto.

— Vamos nos dividir? — perguntou Milo, já se arrependendo de ter ido junto.

— NEM FUDENDO — respondeu Jorn.

Seguiram juntos, floresta adentro, até que os rastros ficaram mais recentes. O cheiro de sangue misturado à terra úmida ficava mais forte.

— Parem. — Johan ergueu a mão. — Ouviram isso?

Um som seco. Folhas sendo arrastadas. Galhos quebrando. Passos pesados.

Então surgiu, do meio da vegetação.

Era uma fera — enorme, parecida com um javali, mas com placas ósseas cobrindo as costas e presas que brilhavam à luz do entardecer.

Os olhos eram avermelhados, e um líquido espesso pingava de suas presas. Havia algo... anormal naquele animal. Selvageria pura. Nenhum instinto de fuga, apenas ataque.

— Eita caralho — Greg deu um passo para trás.

— Fiquem atrás de mim! — gritou Jorn, já em posição.

A criatura avançou com força.

Jorn a interceptou com o corpo, sendo empurrado vários metros para trás. O impacto foi brutal, mas ele aguentou firme. Cravou os pés no chão e empurrou de volta com os ombros, rugindo como um touro.

— FILHA DA— AARGH!

Damian correu para o lado, tentando encontrar uma abertura. Pegou uma pedra e lançou com força — um reflexo. A pedra acertou o olho do animal, que grunhiu alto, irritado.

Greg se posicionou ao lado de Johan, os dois segurando galhos como lanças improvisadas.

— A gente vai morrer, né? — sussurrou Greg.

— Talvez. Mas pelo menos vamos tentar parecer estilosos fazendo isso — respondeu Johan, firme.

Eles atacaram juntos. Johan acertou a lateral da fera; Greg, as patas traseiras. A pele era dura, mas o impacto serviu para distraí-la.

Jorn aproveitou e desferiu um soco direto na mandíbula do animal. Um estalo alto soou. A criatura cambaleou, sangrando.

Damian correu e enfiou sua estaca de madeira no pescoço da besta. A madeira quebrou, mas abriu espaço suficiente para o sangue jorrar. A fera deu um último urro e caiu, estrebuchando.

Silêncio.

O cheiro de sangue agora era intenso. O corpo da fera tremia levemente, mas estava morta.

Os quatro se entreolharam. Todos ofegantes. Todos machucados. Mas vivos.

— Isso... foi horrível — disse Greg, sentando no chão.

— Foi — respondeu Johan, cuspindo sangue. — E eu acho que minha costela trincou.

— Isso foi incrível — murmurou Jorn, sorrindo. — Vocês viram o soco que eu dei?

— Eu quase morri — disse Damian. — Eu vi minha vida toda passar. Duas vezes.

Edras e Milo, que haviam ficado escondidos atrás de uma árvore, apareceram.

— Vocês mataram mesmo... — disse Milo, assustado. — Nunca vi ninguém enfrentar uma coisa daquelas sem magia.

— Talvez devêssemos cobrar — disse Johan.

— Talvez devêssemos desmaiar — completou Greg, tombando para trás.

Naquela noite, a vila os recebeu de forma diferente.

As crianças ainda mantinham distância, mas havia respeito nos olhos dos adultos. O preconceito não sumira — mas havia diminuído o bastante para que pudessem comer, dormir e conversar em paz.

E assim, depois de muitos esforços em seus novos corpos, os quatro amigos dormiram sob um teto, com comida quente no estômago.

Mas ainda havia muitas perguntas.

E o mundo de Othrel acabara de começar a se revelar.