Dias em Trivana.

O amanhecer em Trivana tinha cheiro de lenha queimada, pão fresco e terra úmida. O frio do início do outono escorria pelas frestas das casas, e o som dos galos se misturava com o tilintar de martelos e o mugido distante de gado. A vila era viva, simples e sincera.

Johan acordou com o corpo doendo em lugares que nem sabia que existiam.

— Acho que quebrei um músculo novo — resmungou, puxando o cobertor de palha até o pescoço.

Do outro lado do quarto, Jorn roncava alto, deitado de lado num colchão improvisado de feno e panos dobrados.

Damian já estava de pé. A luz suave da manhã entrava pela janela de madeira e iluminava seus cabelos dourados. Ele olhava o horizonte com olhos distantes, os braços cruzados, como se pensasse em coisas que não ousava dizer.

Greg entrou devagar, segurando um pedaço de pão e um copo de algo levemente esverdeado.

— Suco de raiz de algo aí — disse. — É doce, mas parece mijo de vaca.

Johan aceitou o copo e o pão, sentando-se com esforço.

— O povo aqui é estranho. Mas pelo menos sabem cozinhar.

— Fui ajudar a senhora Alna com os baldes d’água — disse Greg. — Ela me deu esse pão. Disse que “um anão gentil vale mais que três humanos com espada”.

— Olha só — sorriu Johan. — Já tá fazendo fama.

Greg deu de ombros, mas sorriu de volta.

A vila era lenta, rotineira, mas rica em gestos e pequenos rituais. Havia sempre alguém varrendo a terra diante das casas, crianças pulando em torno de cães desajeitados, e adultos que mediam com os olhos cada movimento dos estrangeiros.

Jorn tentou conversar com o ferreiro local, um homem robusto chamado Derek, mas foi ignorado solenemente.

— Ele me olhou como se eu fosse um porco de pé — reclamou. — E eu só perguntei como se fazia uma ponta de lança.

— Pode ser o visual — disse Johan. — Ou sua forma encantadora de pedir as coisas.

Damian, por sua vez, se aproximou de uma pequena estrutura de pedras no centro da vila. Um altar simples, decorado com 13 símbolos esculpidos em madeira escurecida. Um para cada Primogênito.

No topo do altar, havia uma estátua menor, de rosto encoberto por um capuz. Sob ela, a inscrição:

“Aquele que viu além do Éter. 

 Aquele que desafiou os caminhos. 

 O Grande Pai.”

— Bonito, não? — disse uma voz rouca atrás dele.

Era o velho Harnold, o líder da vila. Estava sentado num banco de pedra, segurando um cajado rústico.

— O povo daqui ainda cultua essas figuras com fé — continuou. — Especialmente os mais velhos.

— Quem foi o Grande Pai? — perguntou Damian, curioso.

— Um homem… ou algo além disso — disse Harnold, olhando o céu. — Ele viveu na era dos Primogênitos. Dizem que enquanto os treze descobriram os caminhos do Éter — os elementos que todos conhecemos — o Grande Pai descobriu algo diferente. Dois caminhos que não se dobravam a nenhum princípio natural.

Damian franziu a testa.

— E quais caminhos eram esses?

— A Divergência e a Magia Ancestral.

O velho apontou para o símbolo encapuzado.

— A Divergência é onde estão as magias estranhas… a necromancia, por exemplo. Magias que não se encaixam em nenhum elemento. E a Magia Ancestral... bem, ninguém sabe ao certo. Só que ela vem de seres antigos. Dragões. Criaturas esquecidas. E que… não é algo que humanos deveriam mexer.

— E os Lords Demônios? — perguntou Damian.

O olhar de Harnold escureceu.

— Dizem que os Lords Demônios foram os únicos que tocaram a Divergência com ambas as mãos. Que deixaram o caminho natural do Éter e mergulharam naquilo que não pode ser controlado. O Grande Pai, segundo algumas histórias... tentou impedi-los. Outros dizem que ele os criou.

— E você? O que acha?

Harnold sorriu, melancólico.

— Acho que lendas existem para lembrar o que esquecemos. E para esconder o que não queremos enfrentar.

Damian ficou em silêncio.

Naquela noite, os quatro amigos jantaram juntos na taverna improvisada da vila. Comeram carne de caça com raiz assada e um pão rústico escuro e firme. Tudo era simples, mas acolhedor.

— Não sinto tanta falta do miojo quanto imaginei — disse Johan, mastigando devagar.

— Eu ainda sonho com refrigerante — comentou Jorn.

Greg olhava para o povo. Eles não os evitavam como antes. Ainda havia olhares, sim, mas havia também acenos, palavras tímidas, reconhecimento.

— Será que… a gente pode viver aqui? — perguntou ele.

Damian respondeu com um olhar profundo.

— Talvez. Mas acho que esse mundo tem planos maiores.

Na manhã seguinte, um cavalo entrou na vila em disparada. Um homem vestindo manto branco com o símbolo dos Primogênitos desceu e entregou um pergaminho lacrado a Harnold.

Logo, os sinos do templo tocaram, e o povo se reuniu.

— Atenção! — bradou Harnold. — Recebemos a notícia: a cerimônia de despertar anual acontecerá dentro de sete dias, na cidade de Henvyra. Todos os interessados com 14 anos ou mais poderão participar. A Igreja os receberá e testará seus caminhos no Éter.

Os olhos de Johan, Damian, Greg e Jorn se encontraram ao mesmo tempo. Nenhum deles falou.

Mas todos sabiam: o próximo passo havia chegado.