Henvyra era maior do que pareciam imaginar. A cidade pulsava com um ritmo próprio — o som constante das ferrarias, o burburinho dos mercados, os sinos dos templos. Pessoas de diferentes partes de Othrel cruzavam as ruas com mantos coloridos, armaduras gastas, roupas de linho, peles e escamas. Era uma confusão viva, uma dança entre fé, comércio e aventura.
E ali, no centro da cidade, o templo dos Primogênitos se erguia como um farol de pedra branca e azul, com suas torres alongadas e vitrais resplandecentes.
— Parece uma mistura de castelo e catedral — comentou Greg, olhando para o alto.
— E cheira a incenso barato e arrogância — respondeu Johan, com a voz baixa.
A escadaria de pedra era longa, ladeada por estátuas dos treze Primogênitos. Cada uma com uma inscrição em língua antiga e símbolos representando os elementos: uma chama dançante, uma folha entalhada, um cristal de gelo, uma gota de sangue esculpida em mármore escuro.
Ao centro, um espaço vazio — sem estátua, apenas um pedestal quebrado, coberto por um manto de linho escuro. Acima dele, esculpido em pedra:
“Aquele que viu além do Éter.”
— O Grande Pai
— Aquele ali sou eu quando acordo — murmurou Jorn, olhando para o pedestal vazio.
— Silêncio, por favor — disse uma voz firme.
Um homem alto, de túnica cinza clara com detalhes dourados, os esperava no topo da escadaria. Tinha cabelos brancos amarrados num coque baixo e olhos severos, porém tranquilos.
— Eu sou o sacerdote Maerion, responsável pelo rito de despertar desta cidade. Se estão aqui, é porque têm a idade e a coragem necessárias para encarar o Éter. Sigam-me.
Foram levados para dentro do templo. O ar ali dentro era mais frio, denso com cheiro de ervas queimadas e pedra antiga. Os vitrais filtravam a luz do sol em tons dourados, azulados e rubros.
— Cada um de vocês entrará sozinho na Câmara do Éter — explicou Maerion, enquanto caminhavam. — O Éter é a origem de tudo o que vive. Ao tocá-lo, ele revelará os caminhos que já existem dentro de vocês. Afinidades. Potenciais.
— Existe um limite? — perguntou Damian.
— Em teoria, uma pessoa pode despertar afinidade com qualquer número dos treze caminhos elementais — respondeu o sacerdote. — Mas o maior número já registrado foi seis. A maioria desperta com dois ou três.
— E como saberemos quantas afinidades temos? — perguntou Johan.
— A visão do Éter mostrará os caminhos. Mas o número exato... só pode ser medido com o Orbe de Reconhecimento. — Ele indicou um pequeno pedestal ao lado da entrada com uma esfera de cristal opaco. — Depois que saírem da câmara, cada um tocará essa esfera. Ela reagirá e mostrará a quantidade de afinidades. Mas o conteúdo de cada despertar... só vocês saberão.
Maerion os observou com atenção.
— O Éter não é bom ou mau. Ele apenas é. E ele mostrará não o que vocês querem ser, mas o que já são.
Ele pousou os olhos em Johan por um momento. Depois, em Damian. Algo em seu semblante se contraiu — um relance sutil, mas perceptível.
— Quem será o primeiro?
Johan respirou fundo. Avançou.
— Que seja rápido.
— Corajoso — disse Maerion, sem sorrir.
Johan cruzou a porta.
E tudo mudou.
A porta de pedra se fechou atrás de Johan com um baque surdo. O som abafado ecoou na câmara por alguns segundos, e então, o silêncio se instalou — um silêncio absoluto, vivo, incômodo.
A sala era circular, sem janelas, com paredes lisas de pedra negra e um círculo de símbolos entalhados no chão, feitos de metais diferentes. Cada um representava um elemento. No centro, uma pedra opaca, baixa como um altar, pulsava levemente com uma luz esbranquiçada.
Johan se aproximou devagar. Sentia o ar mudar à medida que seus pés avançavam pelo círculo. O coração, antes calmo, agora batia forte — não de medo, mas de uma tensão que vinha do corpo, como se seus ossos vibrassem.
Ele tocou a pedra.
E o mundo se apagou.
Não era como dormir.
Era como cair em si mesmo.
Johan abriu os olhos e estava flutuando em um vazio sem fim — um espaço negro pontuado por feixes de luz colorida. Era como estar dentro de um céu feito de fumaça e trovão, com formas elementais dançando ao redor dele.
Uma voz antiga — sem gênero, sem timbre — falou dentro de sua mente.
“O Éter reconhece tua alma.”
“Cinco caminhos se curvam diante de ti.”
Os símbolos surgiram à sua frente em chamas, relâmpagos e sombras líquidas. Johan sentiu o calor subir por seus braços, o cheiro metálico de sangue fresco encher o ar, e a eletricidade percorrer sua espinha como um chicote invisível.
Fogo. Metal. Raio. Escuridão. Veneno.
O Éter reagia a cada emoção. Quando sentiu medo, o fogo explodiu. Quando pensou, o raio respondeu. Quando desconfiou, a sombra se aproximou. Quando se irritou, o veneno gotejou do ar em forma de névoa esverdeada.
Mas então, houve algo mais.
Um segundo de silêncio dentro do silêncio. Algo observava.
Atrás dos símbolos, muito além do círculo de luz e cor, Johan viu uma forma. Sem contorno, sem nome. Era como uma ideia ainda não nascida. Aquilo não era um elemento. Não era um símbolo. Era... outra coisa.
A sensação era de estar sendo visto por algo que existia antes da linguagem. Johan tremeu.
E então a voz voltou:
“O Éter sussurra teu nome...”
“Mas não sabe a quem pertence.”
Ele caiu de joelhos. Estava de volta à câmara. A pedra do Éter tremia sob sua mão, ainda brilhando suavemente.
A porta se abriu, e a luz do corredor o cegou por um instante.
Maerion o observava com calma.
— E então? — perguntou.
— ...Nada que eu queira repetir — respondeu Johan, seco.
— Muito bem. Toque o Orbe.
Johan estendeu a mão até a esfera opaca. Ao contato, ela brilhou em um tom âmbar profundo, com cinco anéis luminosos que giravam lentamente em torno do núcleo.
Maerion observou sem dizer nada. Johan também.
— E então? — perguntou Jorn, quando o viu.
— Vão descobrir sozinhos — respondeu Johan, passando reto.
— Uuuuh... dramático — murmurou Greg.
Damian se levantou.
— Eu.
Ele caminhou até a porta, os olhos dourados fixos à frente, como se olhasse além.
— Seja o que for… eu aceito.
E então, desapareceu no interior da câmara.