A Guilda de Aventureiros.

A sede da Guilda de Henvyra era muito mais agitada do que qualquer templo, vila ou mercado que os quatro amigos haviam conhecido até então.

Localizada em uma avenida larga, de paralelepípedos gastos, o prédio de três andares tinha as janelas abertas, de onde escapavam vozes, risadas e até alguns gritos. Na fachada, o símbolo da guilda era esculpido com orgulho: uma espada entrelaçada por correntes sobre um escudo dividido em três cores metálicas.

Ao entrarem, depararam-se com um salão amplo, repleto de mesas, estantes, quadros de avisos, corredores laterais e um bar funcional no canto esquerdo. Era um lugar de transição, onde aventureiros se cruzavam, fechavam contratos, relatavam resultados e descansavam antes da próxima missão.

— Isso parece uma mistura de universidade, taverna e sala de guerra — comentou Damian, fascinado.

— E provavelmente fede igual às três — respondeu Johan, franzindo o nariz.

Greg tropeçou de leve ao entrar, quase colidindo com um homem duas vezes mais largo do que ele, coberto de cicatrizes e segurando um javali morto nas costas.

— Desculpa, senhor... por tudo.

— Tá de boa, baixinho — disse o homem com um sorriso que mostrava mais dentes do que conforto.

Jorn, por outro lado, parecia em casa. — Isso aqui sim é o paraíso.

Na recepção, uma mulher de aparência experiente os observava com uma sobrancelha erguida. Vestia uma armadura leve de couro endurecido, com placas nos ombros, e seu cabelo ruivo estava amarrado em um coque prático. Um tapa-olho cobrindo o lado esquerdo dava à expressão uma mistura entre sarcasmo e autoridade.

— Novos? — perguntou, antes que qualquer um abrisse a boca.

— É. Chegamos ontem. — Damian tentou manter a polidez.

— Sem sotaque, mas com postura de quem acabou de sair de um celeiro. Isso ou vocês são bem treinados pra fingir que sabem o que tão fazendo.

— A segunda opção é mais precisa — respondeu Johan.

Ela não sorriu, mas entregou quatro formulários e penas mergulhadas em tinta.

— Kaera. Oficial de registro. Respondam tudo com honestidade. Se mentirem, o selo vai queimar o papel e vocês perdem a chance de se registrarem de novo.

— Ótimo sistema — comentou Greg. — Muito acolhedor.

— É a guilda, garoto. Não um abraço de vó.

O formulário pedia dados simples: nome, idade, raça, descrição breve da aparência e se pertenciam a algum grupo.

Quando chegaram à parte "afinidades mágicas", a pergunta estava clara: 

Deseja declarar publicamente suas afinidades elementares? (opcional)

Todos se entreolharam.

— Eu passo — disse Johan.

— Acho melhor mantermos em segredo por enquanto — concordou Damian.

— Se isso vira vantagem numa luta, prefiro que não saibam — murmurou Greg.

— Eu queria dizer fogo só pra parecer fodão, mas vou segurar — brincou Jorn.

Kaera recolheu os papéis e selou com um cristal azul. Quando o selo brilhou e não queimou, ela assentiu.

— Vocês são agora Aventureiros Rank Cobre. Bem-vindos à base da cadeia alimentar. Vão ganhar pouco, correr riscos idiotas e, com sorte, sobreviver o suficiente pra subir de nível.

Ela entregou a cada um:

- Um broche da guilda encantado, preso a um cordão de couro;

 

- Um livreto com as regras básicas e benefícios;

 

- Um vale de equipamento, que permitia retirar uma arma simples e um traje leve.

— Vocês podem formar um grupo registrado se quiserem. Garante estabilidade e contratos melhores no futuro.

— Podemos usar o mesmo nome da nossa guilda do mundo real? — perguntou Jorn.

— Você já fazia parte de uma guilda? — perguntou Kaera, com desconfiança.

— Sim, a “Irmãos da Sunga Flamejante”, no joguinho de navegador de três anos atrás.

—... Façam o que quiserem.

Eles riram. Mas acabaram registrando o grupo apenas como "Grupo Trivana", por enquanto.

Depois de pegar o equipamento — uma espada curta para Johan, um arco básico para Damian, uma maça curta para Greg e uma lança para Jorn —, se reuniram diante do quadro de missões.

— Essas verdes são simples demais — comentou Johan. — Carregar saco, cortar lenha…

— Mas seguras — retrucou Greg.

— Essas azuis envolvem vigiar celeiros ou acompanhar comerciantes — disse Damian.

— Essa aqui tem mais cara de aventura — apontou Jorn para uma missão laranja. — “Recaptura de criatura mágica doméstica. Classificação: risco leve. Recompensa: 4 moedas de prata. Criatura: grinzul.”

— Um grinzul? — perguntou Greg. — Não é aquele bicho pequeno que morde tudo?

— Exatamente — respondeu Kaera, que havia se aproximado. — Parece um furão com chifres e problemas de raiva. Fugiu de um criador perto da margem sul. Não é mortal, mas já destruiu uma barraca de frutas e mordeu dois guardas.

— Perfeito — disse Johan. — Algo simples com chance de caos. Ideal.

Damian suspirou.

— Vamos nessa.

Chegaram à margem sul de Henvyra no fim da tarde. A área era mais rural, com galpões de madeira, cercas e pastos. Um homem nervoso os aguardava na entrada de um viveiro de madeira.

— Vocês são da guilda? Graças aos céus. O desgraçado fugiu ontem e sumiu no mato. Disse que ia “explorar o mundo” como se fosse gente.

— Ele fala? — perguntou Damian.

— Não. Mas você sente no olhar.

A área de busca era pequena. Usaram rastros, pedaços de fruta e farelo de ração mágica.

Levaram uma hora até encontrarem o grinzul: peludo, cinza, com olhos vermelhos, dois pequenos chifres, e dentes afiados. Estava empoleirado num galho, devorando uma maça como se fosse um troféu de guerra.

— Greg, tenta se aproximar com calma — sugeriu Damian.

Greg estendeu a mão com cuidado.

— Vem, bichinho. Eu sou amigo...

O grinzul pulou no rosto dele.

— AAAAAARGH!

Começou uma perseguição caótica entre arbustos e árvores. Jorn tentou agarrá-lo e foi mordido no pulso. Johan mirou com a espada, mas quase cortou a mochila de Damian.

Por fim, Damian usou o arco — não para atacar, mas para fincar uma flecha na frente do bicho, que se assustou e correu para dentro de uma armadilha improvisada por Greg com a capa de Jorn.

— Pegamos. Vivemos. E só sangramos um pouco — disse Johan.

De volta à guilda, entregaram o grinzul enjaulado e assinaram o encerramento da missão. Receberam quatro moedas de prata divididas entre si.

Na sala comum, sentaram-se em silêncio, cansados, suados e... satisfeitos.

— É pouco dinheiro — disse Greg.

— Mas foi divertido — respondeu Jorn.

— E útil — completou Damian. — Cada passo... aproxima a gente de algo.

Johan olhou para o broche da guilda em sua mão.

— E também nos joga mais fundo nesse mundo.

Eles não sabiam o que viria a seguir. Mas sabiam que agora faziam parte dele.

E Othrel... começava a reconhecê-los.