Os dias que seguiram a primeira missão oficial do Grupo Trivana passaram com uma rapidez desconcertante. Entre tarefas banais e combates curtos contra animais mágicos, os quatro começaram a entender o funcionamento da guilda e, mais importante, a se acostumar com a vida de aventureiros.
Dormiam em estalagens apertadas, dividindo colchões finos e cobertas ásperas. Tomavam banho quando conseguiam e comiam o que podiam pagar — o que quase sempre significava pão duro e carne seca. Ainda assim, havia algo ali, naquela rotina barulhenta e imprevisível, que os fazia sentir vivos.
Mas foi ao fim da terceira semana que o destino deu um salto inesperado.
Uma notícia espalhou-se como fogo por Henvyra: um camponês das terras ao oeste da cidade havia tropeçado na entrada de uma dungeon, um complexo subterrâneo desconhecido, enterrado sob uma encosta tomada por raízes e pedras cobertas de musgo.
A Guilda agiu rapidamente. Sondagens iniciais indicaram que a dungeon era real — e viva. Uma energia mágica densa fluía das profundezas, reativa ao Éter, mas instável. Algo ali despertara.
Foi convocada uma força-tarefa improvisada para explorar os níveis superiores.
Entre os escolhidos, estava o Grupo Trivana.
— Isso é sério mesmo? — perguntou Greg, segurando o papel da missão com as mãos suadas.
— Parece que sim — respondeu Damian, lendo a mesma nota pela terceira vez.
— Uma dungeon recém-descoberta, sem mapa, sem registro, e a gente vai entrar com... três semanas de experiência? — resmungou Johan.
— Relaxa. — Jorn girava a lança nova nos dedos. — Não é como se fôssemos sozinhos. Vai ter reforço.
E teria.
Além deles, iriam dois grupos de Rank Prata — Os Chifres de Kalbor e Alvorada Carmesim — e um grupo de Rank Ferro chamado Martelo Cinzento, formado por dois irmãos anões armados até os dentes.
A missão era clara: explorar os três primeiros níveis da dungeon, coletar informações, identificar perigos e recuar ao menor sinal de risco. Proibido ultrapassar o quarto nível. Proibido abrir caminhos desconhecidos. Proibido tocar em artefatos sem permissão da Guilda.
Ou seja: proibido tudo que tornava uma dungeon interessante.
Na manhã da partida, os grupos reuniram-se no portão oeste de Henvyra. As nuvens cinzentas pairavam como um véu espesso sobre o céu, e o vento trazia o cheiro úmido da floresta.
Kaera, a responsável pelo registro dos novatos, entregava os últimos selos e mapas rudimentares. Ao ver o Grupo Trivana, levantou uma sobrancelha.
— Vocês de novo?
— Ganhamos o prêmio “novatos sem amor à vida” — respondeu Johan.
— A dungeon foi avaliada como instável, mas os três primeiros andares parecem acessíveis. Isso não é brincadeira, moleques. Se entrarem, não se esqueçam de onde estão. Lá embaixo, o mundo tem regras próprias.
Ela lançou um selo mágico em cada broche do grupo. Um brilho verde apareceu, depois sumiu.
— Isso rastreia vocês. Se forem dados como mortos, o selo se rompe.
— Muito otimista da sua parte — murmurou Damian.
Kaera não sorriu.
— Dungeon não é taverna. Boa sorte.
A entrada era uma boca escura na encosta de uma colina. Duas colunas de pedra rachada ladeavam o arco de entrada, coberto de símbolos gastos pelo tempo.
Não havia porta. Apenas um túnel úmido descendo em espiral para a escuridão.
— Última chance de fugir — disse Johan.
— Bora — respondeu Jorn, já entrando.
O primeiro nível era frio e silencioso, com paredes de pedra crua e musgo escorrendo pelas juntas. Havia corredores estreitos e câmaras ocas, como se o lugar estivesse dormindo.
O grupo andava com cautela. Greg carregava uma tocha. Damian segurava o arco com flechas encantadas de energia básica. Johan usava uma espada curta de lâmina negra. Jorn liderava, os olhos atentos.
Por quase meia hora, tudo foi tranquilo. Até que encontraram a primeira criatura.
Uma forma humanoide, feita de terra e raízes retorcidas, movia-se com lentidão por um dos corredores. Não reagiu à presença deles — até que Jorn jogou uma pedra no chão por engano.
O monstro virou-se e rugiu. Seus olhos brilhavam com um tom esverdeado doentio.
— Isso não parece natural — disse Damian.
— Isso parece um golem da floresta... com raiva — respondeu Johan.
O combate foi rápido, mas intenso. A criatura atacava com força bruta, esmagando o chão com os punhos. Greg bloqueou com a maça, cambaleando. Damian usou o vento para empurrá-la, abrindo espaço para Jorn cravar a lança no peito da criatura. Johan finalizou com um golpe limpo na cabeça.
— Isso foi... demais — disse Jorn, arfando.
— Foi só o começo — respondeu Johan, limpando a lâmina.
Mais adiante, encontraram runas entalhadas em uma parede circular, protegida por um campo fraco de energia. Johan se aproximou.
— Alguém consegue entender isso?
— Nem ferrando — murmurou Greg.
Damian tocou a superfície. A parede tremeu, e por um segundo, ele viu — ou sentiu — algo se mover além da pedra. Não uma criatura. Algo como um eco de Éter.
— Não toquem mais — ele disse, recuando. — Isso... não é comum.
Johan ficou parado por um momento, depois olhou para o chão. Fragmentos de pedra continham traços de escrita Éterica — antiga, pré-Primogênitos.
Algo ali era muito velho.
E ainda ativo.
No segundo nível, a atmosfera mudou. O ar estava mais denso. As paredes mais largas. E os corredores... mais vivos.
Foi ali que encontraram as criaturas corrompidas.
Um bando de bestas felinas, de olhos vermelhos e presas tortas, surgiu de uma câmara lateral. Seus corpos pareciam ter crescido demais, como se algo dentro delas as forçasse a se expandir além do natural.
O combate foi caótico. Jorn e Johan se separaram do grupo ao segui-las para um salão escuro. Greg e Damian enfrentavam duas sozinhos.
Damian usou o vento para desviar de ataques e disparar flechas de energia. Greg, usando sua força e resistência, atraiu as investidas para si, permitindo que Damian as finalizasse.
Já Johan enfrentava uma das criaturas de frente quando uma das garras cruzou seu rosto — da bochecha até a sobrancelha.
Ele caiu para trás, sangue escorrendo, mas não gritou. Apenas se levantou de novo e cravou a espada no peito do monstro.
Quando tudo terminou, ele olhou para Damian, que o encarava assustado.
— Tá tudo bem. Só... me lembra de nunca mais subestimar um gato do inferno.
A cicatriz ficaria. Uma lembrança definitiva da primeira queda.
Ao retornarem ao nível superior, encontraram os outros grupos recuando. Um dos Rank Prata havia perdido dois membros em uma emboscada mais abaixo. O Rank Ferro fora dispensado após um dos irmãos se ferir gravemente.
Kaera já os esperava do lado de fora.
— Relatório?
— Monstros corrompidos. Runas antigas. Um eco do Éter que não devia estar ali — relatou Damian.
— E isso — disse Johan, apontando para o corte costurado com magia.
Kaera assentiu.
— Vocês têm algo. E vão ser úteis.
Ela não elogiou. Mas suas palavras diziam mais do que aplausos.
Nos dias seguintes, o Grupo Trivana voltou à dungeon outras vezes — com permissão e planejamento. Começaram a mapear os corredores, a documentar criaturas, a treinar com os desafios que o subterrâneo apresentava.
A dungeon deixara de ser apenas um perigo. Era agora um campo de treino e fonte de renda, onde enfrentavam perigos reais e entendiam o Éter não pelos livros, mas com o corpo e o sangue.
Johan manteve a cicatriz. Nunca quis escondê-la.
E cada vez que voltavam lá embaixo, sentiam algo mais... próximo. Como se o mundo começasse a responder à presença deles.
Othrel os reconhecia.
E a dungeon os esperava.