Entre Festejos e Sombras.

As semanas após o retorno de Rinnwald passaram com uma estranha sensação de pausa. O grupo havia completado sua primeira missão externa, retornado vivo — e diferente. A tensão que antes acompanhava cada pequena tarefa começava a se dissolver. Othrel ainda era um mundo perigoso, mas agora, de alguma forma, era também um mundo habitável.

A Guilda estava mais movimentada que o habitual. Preparativos ocupavam os salões, e até Kaera parecia falar mais do que três frases por dia.

— Vai ter festival na cidade? — perguntou Greg, curioso, enquanto observava uma fileira de bandeiras coloridas sendo presas na fachada da guilda.

— "Festival das Três Chamas" — respondeu Kaera, sem levantar os olhos do grimório. — Tradição antiga. Três noites. Três luas. Três fogueiras. Música, bebida, brigas e maldições, nessa ordem.

— Parece... incrível — disse Jorn, já sorrindo.

Naquela tarde, a praça central de Henvyra estava irreconhecível. Bandeirolas cruzavam os telhados, barracas foram montadas com comidas estranhas, e um palco improvisado anunciava combates amistosos, duelos mágicos e desafios de resistência. Crianças corriam entre os adultos, carregando lanternas em forma de animais.

— Isso é muito mais animado do que pensei que esse mundo teria — murmurou Damian.

— Festival medieval com potencial de magia descontrolada? Eu aprovo — respondeu Johan.

— Tem até competição de quedas de braço — comentou Greg, animado.

— E adivinha quem se inscreveu pro torneio de combate físico? — disse Jorn, cruzando os braços.

— Me diga que não — murmurou Johan.

— Me diga que sim! — gritou Jorn, pulando de empolgação.

A arena era circular, feita de pedra e madeira, e cercada por uma multidão barulhenta. Os competidores se enfrentavam desarmados, com proteções mínimas e regras claras: nada letal, nada mágico, e nada de covardia.

Jorn subiu ao ringue com o corpo coberto por faixas nos antebraços, peito nu e sorriso nos lábios. Seu adversário era um meio-anão musculoso e mal-humorado.

A luta foi explosiva. O meio-orc bloqueou golpes com os antebraços, desviou com o mínimo de movimento e, com um giro, derrubou o adversário com um impacto que rachou o chão de madeira.

O público gritou. Jorn ergueu os braços.

— ISSO! EU NASCI PRA ISSO!

Mais tarde, ainda suado e rindo, ele foi até Johan, que observava o palco com os braços cruzados.

— Foi demais, né?

— Foi barulhento — respondeu Johan. — Mas... você mandou bem.

— Eu gosto disso — disse Jorn, mais calmo. — Lutar. Viver aqui. Gritar. Correr risco e sentir que vale a pena.

Johan o encarou.

— Não sente saudade?

— Sinto. Mas lá... eu me escondia. Aqui, eu me sinto forte. Como se... eu pertencesse.

O silêncio ficou entre os dois por um tempo. Johan assentiu, quase imperceptivelmente.

— Então continue lutando.

Dois dias depois, retornaram à dungeon.

Com o festival encerrado, o clima voltava à tensão habitual.

Kaera os autorizou a explorar novamente o terceiro nível. A guilda começava a planejar futuras expedições mais profundas, mas por ora, o Trivana ainda não podia descer além.

Dessa vez, entraram com cuidado. Cada um carregava seu broche mágico, lanterna encantada e as armas reforçadas com cristais de Éter básico.

Avançaram por uma nova rota mapeada por um grupo Prata dias antes. O chão estava parcialmente desmoronado, e as paredes, cobertas por lodo e inscrições antigas.

— Aqui — disse Johan, apontando.

Na pedra, quase apagada pelo tempo, uma inscrição semelhante à da runa de Rinnwald.

— Mesma curvatura. Mesmo padrão lateral. Isso é parte da mesma linguagem.

— Está se repetindo — murmurou Damian.

— Não. Está nos cercando.

A atmosfera ficou pesada. O ar parecia vibrar.

Foi então que uma sombra saltou da lateral do túnel.

A criatura era ágil, menor que as anteriores, mas muito mais inteligente. Os olhos não brilhavam como os dos monstros corrompidos. Eram escuros, focados.

Ela atacava com garras e dentes, mas recuava com estratégia, testando o grupo.

— Isso não é aleatório — gritou Greg.

Damian lançou uma rajada de vento que foi desviada. Johan tentou cercar com magia de metal, mas a criatura escapou pela lateral.

Foi Jorn quem assumiu a linha de frente. Em vez de atacar com força bruta, usou o vento para desacelerar o inimigo, e, em seguida, uma pequena explosão de fogo no chão para desestabilizar o salto da criatura.

Greg aproveitou a abertura e a acertou com a maça.

A criatura caiu, respirando com dificuldade. Antes que pudesse reagir, Johan a finalizou com um corte preciso.

O silêncio voltou.

— Jorn... isso foi brilhante — disse Damian, ofegante.

— Eu tô tentando pensar antes de bater — respondeu ele, sorrindo.

Mais adiante, encontraram um fragmento de pedra com o mesmo símbolo da runa em Rinnwald. Era uma peça quebrada, de borda irregular.

Johan o segurou por um momento.

— Estamos juntando peças. Literalmente.

— Isso é só o começo — murmurou Damian.

De volta à cidade, o grupo entregou o relatório.

Kaera, como sempre, os encarou com expressão neutra.

— Continuem assim e vão acabar se metendo em problemas maiores.

— Isso foi um elogio? — perguntou Greg.

— Isso foi um aviso.

Ela fez a anotação e os dispensou.

Naquela noite, o grupo jantou junto no salão da estalagem. Nada de festa, nem de exagero. Apenas quatro amigos, compartilhando pão, carne e memórias recentes.

Jorn olhou para os outros.

— Obrigado.

— Pelo quê? — perguntou Johan.

— Por me deixar ser eu mesmo.

Ninguém respondeu.

Mas todos entenderam.