Sob as Correntes do Silêncio.

Os corredores da guilda estavam mais silenciosos que o habitual naquela manhã. O cheiro de incenso usado por clérigos da capela de bênçãos ainda pairava no ar, junto a uma leve tensão que vinha se arrastando nos dias mais recentes. 

Desde o festival, o Grupo Trivana sentia que algo — mesmo invisível — os seguia.

Kaera os chamou à sala de missões. Seu semblante mantinha o de sempre, mas havia uma nota a mais em sua voz: urgência contida.

— A guilda está liberando uma nova expedição de investigação. Vocês vão acompanhar.

— Investigação? — perguntou Damian, já erguendo uma sobrancelha.

— Descemos para mapear o quarto nível da dungeon. A estrutura se expandiu recentemente. Os grupos prata estão relutantes por causa de... "instabilidade atmosférica" — ela fez aspas com os dedos, pouco convencida. — Vocês lidaram com essa coisa antes. Vão de novo.

— Então é uma promoção ou punição? — murmurou Johan.

— Se voltarem vivos, considerem promoção.

A entrada para o novo andar se abria através de um lance de escadas que antes terminava em rocha sólida. Agora, uma rachadura vertical havia cedido, revelando uma fenda profunda. Runas de estabilização haviam sido colocadas pela guilda, mas a pressão do Éter ali era quase palpável.

— Está denso... — comentou Greg. — Parece que o ar tá cheio de peso.

— O chão também está diferente — disse Johan, ajoelhado. — Pedra... misturada com metal? E essas marcas...

— São parecidas com as de Rinnwald — completou Damian.

A atmosfera era opressiva. Os sons ecoavam com atraso, como se o espaço estivesse dobrado. As paredes, antigas, estavam cobertas de líquen e inscrições quase apagadas. Em pontos específicos, pequenas rachaduras em zigue-zague cruzavam o teto — como veias. Era sutil, mas constante.

— Isso aqui foi... contido. Não construído — murmurou Johan.

O grupo se movia em formação. Jorn na frente, com a lança em mãos. Greg ao centro, como escudo. Damian e Johan nas laterais, prontos para reagir.

Não encontraram monstros nos primeiros corredores. Só silêncio, e o som ocasional de água pingando de algum lugar invisível.

Em uma das salas circulares, o chão estava riscado com traços em espiral. No centro, um anel metálico partido ao meio.

Damian se aproximou e estremeceu ao tocá-lo.

— Sente isso?

— Vibração — disse Johan. — Fraca... mas constante. Como se fosse um sinal antigo, repetido.

— Isso está bem abaixo do que esperávamos — murmurou Greg. — Isso aqui foi selado.

— E alguma coisa abriu de novo — completou Damian, em voz baixa.

Seguindo por um corredor lateral, o grupo entrou em uma sala hexagonal com colunas rachadas. O cheiro mudou. 

A podridão era familiar, mas diferente da corrupção comum que haviam enfrentado antes.

— Estão vindo — disse Jorn.

Dois corpos surgiram entre as sombras. Um deles, semelhante a um javali com a pele negra e ossos expostos. O outro, bípede, lembrava uma hiena magra, de olhos brancos e mandíbula deslocada.

— Formem posição! — gritou Damian.

A criatura semelhante a hiena foi a primeira a saltar. Jorn a interceptou com um golpe de lança, mas ela girou no ar e caiu nas costas de Greg, derrubando-o.

O segundo monstro avançou em linha reta, como se ignorasse dor. Johan disparou faíscas elétricas nos membros, retardando o avanço. Damian invocou uma muralha de vento, mas o impacto da criatura a rompeu parcialmente.

Greg se levantou, cambaleando, com um corte profundo no ombro. O sangue escorria pela armadura. Ainda assim, segurou a maça e bloqueou um novo ataque da hiena.

— Greg! — gritou Damian.

— Tô bem! — respondeu, cerrando os dentes.

Jorn ativou o fogo sob os pés, saltando por cima do grupo e cravando a lança em cima do javali corrompido. O impacto foi tão forte que rachou parte do chão.

Damian finalizou com uma flecha de luz no crânio da criatura menor.

Johan, com um último golpe de eletricidade e uma lâmina de metal conjurada, fez o sangue do segundo monstro evaporar.

O silêncio caiu de novo.

Greg sentou-se, pressionando o ferimento.

— Não é tão fundo quanto parece... — resmungou.

— Vai precisar de ponto mágico. E de descanso. — disse Johan.

Damian se ajoelhou ao lado dele, ativando magia de cura básica. A ferida começou a fechar, mas deixaria uma cicatriz.

— Bem-vindo ao clube — disse Johan, apontando para o próprio rosto.

Greg sorriu, fraco.

Na última sala visitada antes de recuar, o grupo encontrou algo que não esperava: um painel de pedra coberto por inscrições completas, ao contrário das runas fragmentadas anteriores.

No centro, um símbolo circular com três linhas entrelaçadas — o mesmo visto em Rinnwald e nas profundezas anteriores. Mas desta vez... completo.

Damian estendeu a mão.

E, por um segundo, uma imagem atravessou sua mente:

Correntes gigantes. 

Pedras flutuando no vazio. 

E algo colossal, envolto em escuridão, com olhos que pareciam estrelas presas em carne.

Ele recuou, ofegante.

— Você viu? — perguntou Johan.

— Não com os olhos.

— O que era?

Damian demorou a responder.

— Algo que... nunca deveria ter sido acordado.

Na saída do andar, o grupo caminhava em silêncio. Greg foi apoiado por Jorn. Johan carregava o fragmento que retiraram do painel. Damian andava por último, olhando para o teto escuro.

Do outro lado da dungeon, em um corredor vazio e não visitado, uma pequena runa brilhou — sozinha.

E as raízes que cobriam a pedra tremeram.