A luz da manhã parecia mais fraca do que o habitual quando o Grupo Trivana emergiu da dungeon. Nenhum deles dizia palavra. Havia algo nos olhos de todos — exaustão, sim, mas também um peso novo, como se estivessem carregando um segredo que nem sabiam nomear.
Greg mancava. A ferida no ombro, embora estabilizada por Damian, ainda doía. Cada passo era uma lembrança. E ele sentia que cada lembrança pesava mais do que os ossos suportavam.
Na entrada da guilda, foram recebidos por um clérigo de túnica azul e prata. Sem dizer uma palavra, ele conduziu Greg para a ala de cura. Os outros seguiram em silêncio para reportar a missão.
— Ferimentos profundos, Éter instável, criatura corrompida com comportamento coordenado, e uma inscrição completa — resumiu Kaera, lendo o relatório entregue por Johan.
— Não temos certeza se aquilo foi mesmo uma inscrição — disse Damian. — Mas o símbolo... era o mesmo. Só que inteiro.
Kaera ergueu os olhos pela primeira vez.
— Sabem o que isso significa?
— Que não foi coincidência — respondeu Johan.
Kaera assentiu. Depois de um longo silêncio, acrescentou:
— A guilda enviou uma requisição à Igreja. Pedimos uma especialista em selos de contenção.
— A Igreja? — perguntou Johan, num tom levemente ríspido.
— A maior fonte de estudos mágicos sobre runas e lacres antigos ainda pertence a eles — respondeu Kaera. — E, gostando ou não, estamos lidando com algo muito anterior aos Primogênitos.
Greg permaneceu em repouso por dois dias.
A cura mágica fechou a carne, mas não o impacto. Ele encarava a janela da estalagem por horas, mãos trêmulas quando segurava a caneca.
— Eu atrasei vocês — disse, certa noite.
— Você protegeu a retaguarda — respondeu Damian.
— Quase morri fazendo isso.
— Todos quase morremos, Greg. Isso não é fraqueza. É só… a vida aqui.
Greg apertou os olhos, como se lutasse contra alguma memória dolorosa.
— Lá, no outro mundo… eu nunca fui forte. Mas aqui… achei que seria diferente. Que eu finalmente poderia ser útil.
Damian sorriu de leve.
— Você é. Você está aqui, não está?
A especialista da Igreja chegou na manhã seguinte.
Seu nome era Seliah Var Antheron. Alta, de postura elegante e fria, vestia uma túnica branca bordada com símbolos prateados. Os olhos dourados pareciam julgar tudo ao redor.
— Seliah — disse ela, sem rodeios. — Pesquisadora do Quarto Pilar da Igreja. Fui enviada para verificar os relatos da guilda.
Ela não perdeu tempo. Quis ver os fragmentos, revisar os relatórios, e pedir depoimentos — começando por Damian e Johan.
— Vocês dois demonstraram maior sensibilidade ao Éter — comentou. — Isso é incomum, mesmo entre despertos recentes.
Damian desviou o olhar. Johan cruzou os braços.
— E o que isso significa, exatamente?
Seliah o encarou, impassível.
— Significa que talvez vocês estejam conectados a esse selo mais do que sabem.
— E a Igreja... costuma ser muito honesta com o que sabe? — rebateu Johan, o tom cortante.
— Honestidade é uma moeda rara. A Igreja prefere precisão.
A conversa terminou ali. Mas a tensão permaneceu.
Na tarde do segundo dia, Seliah desceu até o terceiro nível da dungeon com dois guardas e um escriba. O grupo Trivana a acompanhou, oficialmente como escolta. Extraoficialmente, como olhos atentos.
Jorn andava com as mãos nas costas, olhando para os corredores.
— Ela parece confiar demais na própria segurança — murmurou.
— Ela tem fé. Fé demais — respondeu Johan.
Durante a inspeção, Seliah passou por uma galeria lateral, olhou, examinou, e seguiu adiante.
Mais tarde, quando todos retornavam, Johan notou algo estranho.
— Essa parede… tem fluxo de Éter atrás dela.
Damian se aproximou. E então, viram: uma runa escondida, gravada nas pedras cobertas de musgo, ainda fraca, mas ativa.
— Ela passou por aqui e não mencionou — disse Damian.
— Ou escondeu de propósito — completou Johan.
A runa estava fresca. E algo nela parecia... recente. Como se alguém a tivesse tocado há pouco.
— A mesma sensação da primeira vez — murmurou Damian. — Como um eco...
— Ou uma presença — disse Johan.
De volta à superfície, Seliah fingiu não notar os olhares cruzados entre os membros do Trivana.
Enquanto ela organizava seus pergaminhos para análise e se retirava da guilda sob escolta leve, Damian permaneceu parado na entrada. O vento era frio. O sol já havia desaparecido, mas o céu ainda resistia em tons de azul escuro.
Johan se aproximou dele.
— Vai me contar o que viu naquela runa? — perguntou.
Damian demorou um tempo para responder.
— Não tudo. Porque nem eu entendi.
— Mas sentiu.
— Senti... como se aquilo estivesse esperando por mim. Não só me observando, mas me lembrando de algo. Como se já me conhecesse.
Johan encarou o horizonte.
— A Igreja está escondendo mais do que revela. E Seliah... ela não veio para entender. Veio para confirmar o que já sabia.
Damian assentiu. Mas não disse nada.
Naquela noite, Damian não sonhou com correntes ou monstros. Mas despertou com um arrepio.
O quarto estava escuro, a vela havia se apagado sozinha. Ele se sentou na cama — e, por um momento, teve certeza de que alguém o observava da escuridão do quarto.
Mas não havia ninguém ali.
Apenas um frio súbito no ar.
Ele levantou-se, cruzou o quarto, e viu que havia algo riscado na parte interna da vidraça da janela.
Um símbolo. O mesmo símbolo que viram na inscrição da dungeon. Feito com o vapor da própria respiração. E que desapareceu em segundos.
Damian ficou parado ali, em silêncio.
Mais do que nunca, ele sentia que alguma coisa estava tentando se comunicar com ele.
Ou chamá-lo.
Mas de onde... e por quê?