O símbolo na vidraça havia desaparecido, mas a presença dele permanecia na mente de Damian como uma impressão ardente. Mesmo após horas acordado, ainda sentia o frio nos ossos. O quarto estava vazio, mas o silêncio era espesso. Vivo.
Na manhã seguinte, Damian contou o que viu a Johan.
— Não foi só um sonho. Estava lá. Na janela. Traçado com o bafo… como se alguém tivesse respirado do lado de dentro.
Johan o encarou com gravidade.
— E você acha que foi um aviso?
— Acho que foi... um chamado. Ou uma marca. Não sei.
— Eu já ouvi isso antes — disse Johan. — Não com palavras, mas com intenções. Seliah sabe de algo. E não quer que a gente saiba.
Damian concordou em silêncio. Não havia mais espaço para dúvidas: estavam sendo arrastados para algo muito maior.
Na guilda, Seliah conversava com Kaera. A pesquisadora solicitava acesso a uma seção profunda da dungeon — uma passagem lateral, selada pelas autoridades locais há décadas por instabilidade mágica.
— A estrutura foi reforçada — argumentou ela. — Com os recursos da Igreja, é seguro abrir. Por pouco tempo.
Kaera a observou por um longo tempo, e então respondeu com a voz mais seca possível:
— Então você vai. Mas não sozinha.
Seliah não escondeu o desgosto ao ver o Grupo Trivana designado como sua escolta.
— Se houver perigo, são eles que vão salvar sua vida — concluiu Kaera. — Mesmo que você não mereça.
A descida foi silenciosa. O quarto nível da dungeon parecia diferente daquela vez. O Éter estava menos agitado, mas mais denso. Como se algo tivesse recuando… e observando.
— Essa sensação… é como respirar por trás de um vidro — murmurou Damian.
Seliah os guiou por uma rota desconhecida, até uma passagem lateral encoberta por escombros. Usou um selo da Igreja para destrancar a entrada, revelando uma sala circular afundada, com colunas rachadas e uma plataforma no centro.
As paredes eram cobertas de inscrições. Diferentes das runas conhecidas. Mais cruas. Mais velhas.
Damian sentiu a cabeça latejar. Johan percebeu.
— O que você está escondendo, Seliah?
Ela não respondeu de imediato. Apenas caminhou pelo centro da sala, observando uma linha circular no chão.
— Há coisas que não foram feitas para serem explicadas. Apenas contidas.
— Isso não é resposta — retrucou Johan.
— Não — disse ela, virando-se para ele. — É um aviso.
Enquanto a pesquisadora se concentrava em um artefato no centro da sala, o grupo investigava os arredores. Em uma das paredes laterais, sob fragmentos de pedra e musgo, encontraram um símbolo semelhante ao da vidraça. Mas distorcido. Incompleto.
Greg se arrepiou.
— Isso... não devia estar aqui.
— Foi colocado. Recentemente — disse Johan.
— Não pela gente — concluiu Damian.
Então, o chão tremeu.
Uma rachadura cruzou o centro da plataforma, e de dentro dela surgiu uma figura feita de pedra viva e runas pulsantes — uma criatura alta, com quatro braços e olhos ocos como cavernas.
Uma runídea.
— Formação defensiva! — gritou Johan.
Mas a criatura ignorou todos, exceto Damian.
Ela caminhava diretamente para ele, lenta, como se reconhecesse sua presença. Cada passo fazia o ar vibrar. As runas em seu corpo acendiam com símbolos que Damian já havia visto em seus sonhos.
— Ela não quer nos matar — disse Damian, paralisado. — Ela quer... falar.
— Vai falar com sua alma! Sai daí! — gritou Jorn, empurrando-o para trás.
O combate começou. A runídea era forte, mas lenta. Sua defesa era quase impenetrável. Greg bateu com sua maça e apenas trincou parte da pedra. Johan usou rajadas de eletricidade, e a criatura recuou. Jorn atraiu sua atenção, tentando empurrá-la de volta para o centro.
Damian não atacava. Apenas observava, olhos fixos.
Até que, por um momento, as runas no corpo da criatura formaram uma única palavra que só ele entendeu:
“Acorde.”
A criatura estremeceu, e então... parou.
Simplesmente desfez-se em poeira de pedra e luz fraca, deixando no centro da sala um fragmento de runa quebrada.
Damian caiu de joelhos. Suado. Em silêncio.
— O que foi aquilo? — perguntou Johan, enquanto saíam da dungeon.
— Eu acho que ela estava tentando impedir algo — disse Damian, por fim. — Ou... me avisar. Eu não sei.
— Sabe o que isso significa?
Damian assentiu.
— Estamos ficando sem tempo.
Naquela noite, enquanto todos dormiam, Johan permaneceu acordado, observando a rua pela janela da estalagem.
Seliah havia retornado à capela da Igreja. Ninguém sabia o que ela fazia quando sumia por horas.
Johan se levantou. Vestiu o manto escuro. Prendeu a faca curta ao lado da coxa.
Olhou uma última vez para os outros dormindo.
— Desculpem. Isso eu preciso fazer sozinho.
E então, desapareceu na noite.