Kay terminou de se alongar, balançou os ombros, ajustou a postura e encarou os três capitães. Ele esboçou um leve sorriso enquanto Lena, Joana e Ryuji assumiam suas posições ao redor dele.
Mira, observando de fora, torcia para que ele não exagerasse, enquanto Fernanda segurava o celular, pronta para registrar cada segundo.
Yan jogou uma faquinha de plástico aos pés de Kay; os líderes também tinham facas do mesmo tipo, usadas no teste de recrutamento. Kay pegou a faca, e Joana deu o sinal com um gesto de mão. A luta começou.
— Pronto, estou indo embora! — disse Kay, jogando a faca no chão.
— Como assim? — exclamou Joana, confusa.
— Líder, seu pescoço! — avisou um dos soldados do primeiro esquadrão.
Os pescoços dos três líderes tinham manchas vermelhas de tinta.
— Impossível... Quando ele se moveu? — murmuravam os presentes, atônitos.
— Impressionante... Nem pareceu que ele havia se mexido! Será que a câmera captou isso? — pensou Fernanda, observando a gravação com fascínio.
— Cadê a chave para abrir a porta aqui? — perguntou Kay, segurando a garrafa e a xícara.
— Não, não, não. Pode esperar aí! Como vamos treinar se você acabar com a gente tão rápido? Assim não tem graça! — disse Lena, irritada.
"Treinar, né? Achei que eles só queriam lutar comigo. Não tenho interesse em lutar contra humanos, mas acho que vai ser bom lutar contra eles!" — pensou Kay, enquanto colocava novamente a garrafa e a xícara no chão.
— Tornem seus pensamentos em instinto! Os ghouls são movidos por instinto e, enquanto vocês pensam, ele já está atacando. Para entenderem como o ghoul dos seus trajes luta, seria difícil, já que não conseguem chegar até ele. Meu estilo é diversificado, maleável como a água. O estilo do meu ghoul é agressivo. Se eu me adaptar ao dele, isso aqui pode até acontecer! — disse Kay.
— Impossível... O traje está em 130%! — disse Fernanda, chocada.
— O limite não era 100? — exclamou Joana.
— É que o máximo que alguém já alcançou foi 100! — explicou Fernanda.
— Isso te surpreende? Afinal, o traje é por compatibilidade! — respondeu Kay.
— Tem algo acontecendo com ele... escuto um barulho! — disse San.
O traje de Kay estava crescendo caudas ou, melhor dizendo, tentáculos. Todos os presentes estavam surpresos, aterrorizados e tensos.
— Essa parte eu não controlo. É o próprio ghoul que está assumindo. Se vocês não tiverem controle sobre ele, podem acabar matando seus aliados e a si mesmos contra a própria vontade! — explicou Kay.
Ele respirou fundo, e os tentáculos se retraíram, fazendo o traje voltar ao normal.
Kay tirou o traje e o entregou a Fernanda.
— O ghoul enfraqueceu. Não sei como vocês reparam esses trajes, mas agora ele está precisando! — disse Kay. — Se isso foi explicativo para vocês, então posso ir embora?
Os líderes presentes, ou melhor, todos os presentes, estavam atônitos e não conseguiam responder, pois aquilo fazia Kay parecer um ghoul.
Kay foi até Ryuji e pegou a chave da mão dele. Em seguida, pegou a garrafa e a xícara e destrancou a porta.
— Por que estão com medo de mim? Vocês também podem fazer isso, se entenderem o ghoul de vocês! — disse Kay, antes de se retirar.
Fernanda, empolgada, saiu correndo da sala de treino e foi até o laboratório para avaliar o traje de Kay e revisar o vídeo com os outros cientistas.
— Kay parecia um ghoul com aqueles tentáculos... levei um susto, mas agora eu entendi! Se conseguirmos dominar esses trajes, vamos ficar mais fortes! — disse Mira.
Do lado de fora, Kay parou Fernanda.
— Aquele vídeo que você gravou... é melhor não deixar que saia daqui. Se algum soldado tentar fazer isso sem controle, ele pode morrer e levar outros junto! — alertou Kay, com o nariz sangrando.
— Pensei que você fosse compatível, mas sofreu danos? — exclamou Fernanda, preocupada.
— Eu só estava esperando essa oportunidade. Se o traje sofre com o ataque das nossas armas, o que acontece? — perguntou Kay.
— Como usa DNA de ghoul, ele será um pouco danificado, mas dá para reparar! — respondeu Fernanda.
Kay tirou uma faca do bolso.
— Isso é da Joana... Quando você pegou? — exclamou Fernanda.
— Eu tentei matar o ghoul daquela vez e achei que tinha conseguido. Mas, quando fui para a cidade e eliminei aquele ghoul, ao tocá-lo, o ghoul do meu traje reviveu ou melhor, se regenerou. Ele está se achando superior... só precisa entender que posso matá-lo facilmente! — disse Kay, cravando a faca no traje.
— O quê? — exclamou Fernanda, confusa.
Kay estava concentrado, com um olhar sério.
— A partir de agora, o que eu falar será para o ghoul. Então, não fique com medo! — disse Kay.
— Certo... — respondeu Fernanda, ainda confusa.
— "Está se contorcendo de dor, agora entende como posso te matar sem nenhum esforço? Na próxima vez que tentar esmagar meus ossos, eu te eliminarei sem hesitação" — pensou Kay, concentrado.
"Ele está falando com um ghoul?" — pensou Fernanda, intrigada.
— "Eu sei que você não entende minhas palavras, mas seu instinto faz você entender. Vamos fazer um acordo: me ajude a eliminar todos os ghouls, até que o último morra, e depois disso eu te deixo livre. Pode ir para onde quiser e não ficar preso nesse vazio, nesse mundo escuro e esquisito. Isso é um pacto. Se quer aceitar, então se ajoelhe!" — disse Kay.
"O que está acontecendo aqui?" — pensou Fernanda, preocupada.
O traje começou a tremer nas mãos dela. Kay retirou a faca e abriu os olhos.
— Repare esse traje, não quero ter que lidar com outro ghoul! — disse Kay.
— Você fez mesmo um acordo com seu traje? — exclamou Fernanda.
— Sim, ele vai me obedecer. O desejo dele por liberdade o fez aceitar, mas que tolo... ele não percebeu que já está morto. Ser livre para ele significa morrer de novo! — explicou Kay.
— Se destruir o traje! Já entendi. Vamos reparar ele! — disse Fernanda, saindo apressada.
Kay se serviu novamente de uma xícara de café.
"Será que ela vai guardar o vídeo?" — pensou ele. "É verdade que os outros soldados podem acabar matando outros sem querer, mas os olhares deles em mim eram iguais aos dos recrutas contra aquele ghoul. Manifestar esses tentáculos me fez parecer um ghoul? Se é o caso, eu não uso isso mais!"
— Parece irritado! — disse Takemichi, atrás dele.
— E estou! — respondeu Kay.
— Eu consegui três dias de folga, vou visitar minha esposa. Não deixe a Mira se meter em confusão enquanto eu estiver fora! — pediu Takemichi.
— Por que está pedindo isso para mim? — exclamou Kay.
— Porque aquela garota não parece escutar mais ninguém. Se algo acontecer com ela, eu te mato! — afirmou Takemichi, indo em direção à sala de treino.
— Eu não preciso proteger ela! Não sabe que ela é capaz de se proteger sozinha? Se algo for uma ameaça para ela, já é minha intenção eliminar! — disse Kay.
— Eliminar é isso? O que será que você ensinou para esse garoto, amor? — pensou Takemichi, entrando na sala de treino.
Na sala de treino, Takemichi se dirigiu aos soldados.
— Que cara de bunda é essa? — exclamou ele.
— Capitão? — disseram os soldados, se levantando e batendo continência.
— O rei me deu folga, estou indo para minha casa. Na minha ausência, os líderes de vocês vão tomar conta. Joana vai liderar vocês! — anunciou o capitão.
— Certo! — afirmaram os soldados.
— Faz tempo que não vejo essas expressões em vocês. Parece até o dia da sua primeira missão, quando viram um ghoul pela primeira vez! De toda forma, eu já estou de partida. Não causem problemas até eu voltar! — ordenou Takemichi aos líderes.
— Boa viagem! — gritaram os soldados.
Takemichi sorriu para Mira e depois se retirou.
"Ele parece feliz!" — pensou Mira, escondendo a alegria.
— Por que não relataram aquilo para o capitão? — exclamou Yan, se aproximando.
— O capitão vai tirar folga depois de anos. Acha que iríamos preocupar ele agora? — disse Lena.
— Já que isso não afeta negativamente o esquadrão, vamos relatar quando o capitão retornar! — decidiu Joana.
— Vamos criar outro esquadrão só com os recrutas. Ele vai ser o líder! — sugeriu Yan.
— Não pode decidir isso sem o capitão! — disse Joana.
— Vai ser temporário. Caso não dê certo, vamos voltar ele para vice-líder! — insistiu Yan.
— Tudo bem, com uma condição: eu quero entender meu traje e, para isso, vou treinar com ele! — afirmou Lena.
— Não acho que ele vai te treinar para virar líder. Ele nem mesmo quer isso! — retrucou Ryuji.
— Tem uma pessoa que pode convencer ele! — disse Lena, olhando para Mira.
A cena muda.
— Por que está parada na porta? Não vai entrar no quarto? — exclamou Kay, confuso.
— Sabe, Kay, é que você acabou de se tornar um líder de esquadrão e tem que ensinar os soldados a serem mais compatíveis com o traje. Caso contrário, eu não vou mais fazer café para a divisão e nem para você! — disse Mira, tremendo, mas com firmeza na voz.
— Quem te mandou falar isso? — perguntou Kay.
— Foram os líderes, mas eu também não quero mais fazer, já que não vai ajudar a divisão. Pode pensar nisso? — exclamou Mira.
— Foi o Yan? — exclamou Kay.
— Fo... foi os líderes e uma decisão minha! — respondeu Mira.
"Então foi o Yan que deu a ideia, aquele maldito!" — pensou Kay. — Vem cá, Mira! — chamou Kay.
Mira entrou no quarto. Kay pegou os travesseiros e os colocou no chão, sentando em um deles. Mira se sentou no outro.
— Eu vou te mostrar o caminho — disse Kay, segurando as mãos dela.
— Como? — exclamou Mira.
— Vamos meditar! O tempo que for preciso! — afirmou Kay.
— Como vou saber que é o suficiente? — perguntou Mira.
— É isso! Não pense, apenas sinta. Deixe sua mente em branco! — instruiu Kay.
— Vou tentar! — disse Mira.
Kay dobrou as pernas e Mira seguiu seu exemplo.
— Não pense em nada. Se sentir algo diferente, então foque nessa sensação! Feche os olhos! — disse Kay.
— Tá! — respondeu Mira, se concentrando.
— Quanto tempo vamos ficar aqui? — exclamou Ravena, irritada.
— É um treino obrigatório — disse Yan.
— Mas já faz trinta e cinco minutos que estamos esperando. Por que a demora? — insistiu Ravena, ainda irritada.
— Vão procurar eles! — ordenou Yan.
O grupo do Kay se retirou.
— Não vão também? — exclamou Yan.
— Não somos amigas deles, vamos esperar aqui! — respondeu uma das recrutas.
A cena muda. Fernanda estava deitada na cama do Kay, observando os dois enquanto segurava o tablet com as estatísticas da Mira aberto.
— Eu juro que, quando encontrar ele, eu vou matá-lo! — disse Ravena, irritada no corredor.
Fernanda saiu do quarto e ficou esperando na porta. Os recrutas se aproximaram, e Fernanda pediu que eles ficassem em silêncio para não atrapalhar.
Eles entraram no quarto.
"Não vai dar certo, a Mira não consegue entrar!" — pensou Kay, ainda concentrado.
— O que eles estão fazendo? — sussurrou Sky.
— Estão treinando! Façam silêncio! — sussurrou Fernanda.
Ela voltou e deitou na cama do Kay enquanto observava o tablet.
"Ela está tendo pequenas flutuações, nada significativo, mas está conseguindo enquanto está parada. Algo vai acontecer aqui!" — pensou Fernanda.
Kay colocou a mão de Mira em seu joelho e pegou a faca do bolso.
"O que ele está fazendo?" — pensavam todos, curiosos.
Kay fez um pequeno corte no traje de Mira.
"Para de destruir os trajes, seu maldito! Isso não é barato!" — pensou Fernanda, irritada.
Kay colocou a faca no chão e segurou novamente a mão de Mira.
"Seu nível de concentração está alto. Nem percebeu que eu tinha te soltado!" — pensou Kay.
Ele respirou fundo e focou no cheiro que vinha do traje.
"Foi o maior nível até agora. Isso deu certo?" — pensou Fernanda, empolgada.
"Aquele celular na mesa, ela está gravando eles de novo?" — pensou Kratos.
— Kay? — exclamava Mira, flutuando em um vazio escuro.
— É mais a fundo, Mira. Eu não posso te ajudar, vai ter que lidar com isso sozinha agora! — pensou Kay, enquanto desaparecia, deixando-a sozinha naquela escuridão.
Mira continuava chamando por ele enquanto caminhava em frente. Do lado de fora, Kay abriu os olhos e viu todos encarando-os. Ele soltou as mãos de Mira e, com cuidado, colocou-as apoiadas em suas pernas. Ela estava em posição completa de meditação.
Kay pegou a faca e se levantou, encarando Fernanda, sabendo o motivo dela ter chegado no quarto tão rápido. Fernanda apenas respondeu com um sorriso descontraído. Kay suspirou e saiu do quarto, chamando os recrutas.
Começando pelos garotos e, depois, as meninas o seguiram, deixando Mira e Fernanda no quarto.