Capítulo 16: Cicatrizes Digitais

O apartamento seguro exalava contrastes - café arábica fresco misturado ao odor metálico das armas desmontadas na mesa da cozinha. Leon observava sua própria mão direita tremer sobre o jornal matinal, onde a manchete "Lumenford Renasce das Cinzas" escondia a verdadeira notícia: seu retrato discreto na página 5, com a legenda "Herói ou Ameaça?".

Os dedos contraíram-se involuntariamente quando tocaram a xícara de porcelana, veias azuladas iluminando-se como fios sob a pele por um instante antes de desaparecerem.

*"Integridade biológica: 89.7%"*, o Fortuna 2.0 informara naquela manhã. Os 10.3% restantes eram uma caixa-preta até para os scanners médicos de última geração do esconderijo.

— *Você está fazendo isso de novo* — Isabella murmurou, emergindo do quarto envolta apenas na camisa social de Leon, seu perfume Chanel N°5 misturando-se ao cheiro de pólvora que sempre a acompanhava. Seus olhos verdes - mais escuros sob a luz do amanhecer - estudaram as marcas fugazes na pele dele. — Remoendo o que deixou para trás no sistema.

Leon fechou a mão com força, as juntas branqueando.

— Não é o que deixei. É o que *trouxe* de lá.

[*Ding!*]

**[ALERTA: TRANSMISSÃO ANÔMALA DETECTADA]**

[Fonte: Fragmentos do Satélite Prometeu]

[Coordenadas: 46°03'N 7°46'E - Alpes Suíços]

O holograma projetou imagens térmicas dos destroços orbitais, cada fragmento piscando em uníssono com um padrão de código que fez o peito de Leon latejar em resposta.

A porta do apartamento arrebentou quando Clarisse irrompeu como um furacão tecnológico, seu tablet mostrando feeds globais de notícias.

— *Porra!* Os fragmentos estão caindo feito chuva - ela tossiu, o cheiro de cigarro e circuitos queimados impregnando seu moletom -, mas só em três lugares:

1. **O bunker do Consórcio em Zurique** (já em chamas)

2. **Nosso velho laboratório em Lumenford** (cercado pela polícia)

3. **E esse chalé nos Alpes** - ela congelou ao ver Isabella pálida - que...

— *É a propriedade da família Whitford* - Isabella completou, seus dedos tremendo levemente sobre a foto do pai no tablet. — Onde ele... onde *eles* fizeram os primeiros testes.

Leon sentiu o sistema dentro dele *esticar-se* como um músculo adormecido - não em alerta, mas em *reconhecimento*. O sinal vindo dos Alpes não era um chamado do Consórcio.

Era algo muito mais antigo.

Algo que o Fortuna original fora criado para *conter*.

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**Hangar Secreto - 14:37 Horas**

A aeronave experimental X-21 zumbia como um enxame de abelhas metálicas enquanto Clarisse dava os retoques finais.

— Chamei ela de *Fênix* - a hacker deu um chute afetuoso no trem de pouso -, porque assim como a gente, deveria estar morta, mas insiste em viver.

Leon checava os dispositivos do Relojoeiro pela décima vez - cada um sintonizado para bloquear sinais do sistema. Sua pele formigava não de medo, mas de *ressonância*.

— *Você também sente?* - Isabella sussurrou, ajustando o coldre em sua coxa com movimentos precisos. Seus olhos refletiam a mesma inquietação ancestral.

Ele apenas assentiu. O Fortuna 2.0 em seu peito pulsava em contração harmoniosa com *aquilo* nos Alpes. Como se...

*Como se fossem partes separadas de um mesmo organismo.*

[*Ding!*]

**[MISSÃO PRIMORDIAL: "ADÃO"]**

[Objetivo: Localizar a Fonte Primária]

[Recompensa: Origem]

[Penalidade por Falha: Extinção]

O holograma então fez algo nunca visto antes - *autodestruiu-se* em mil partículas azuis.

E pela primeira vez desde seu retorno, Leon sentiu *medo genuíno*.

Nos escombros do laboratório em Lumenford, um fragmento do satélite pulsava ritmicamente. Quando o policial se aproximou, o metal derreteu como gelo, infiltrando-se em sua bota.

Seus olhos brilharam azuis por um instante antes de voltarem ao normal.

— Tudo limpo aqui - ele disse ao rádio, enquanto algo *muito antigo* aprendia a usar suas cordas vocais.