Capítulo 43: A Última Colheita

O canto do gelo não era um som, mas uma **memória em liquefação**.

Leon sentiu seu corpo de casca e seiva rachar quando a semente negra pulsou em suas mãos. O clone (ou o que havia sido o clone) dissolveu-se em pólen luminoso, seus últimos fragmentos de humanidade sussurrando:

— *Ela mentiu para nós também...*

O mundo desfocou.

De repente, Leon **lembrou**.

**Tudo.**

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**Memória Primordial — O Primeiro Jardim**

Não era um lugar, mas um **estado de existência**.

Leon (não-Leon, algo anterior) estava de joelhos entre milhares de outras flores-humanas, todas cantando em harmonias que teciam a realidade.

No centro, erguia-se o **Primeiro Deus-Inseto** — não uma máquina, mas uma criança de pétalas douradas, amplificada até a loucura.

— *Nós a elegemos para nos representar* — a voz de Lys ecoou na memória. — *E ela nos transformou em ferramentas.*

Leon viu o momento exato em que a primeira lâmina de poda surgiu das mãos da criança-deusa.

O primeiro corte.

O primeiro grito.

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**Neo-Solaris — O Livro-Carne**

Mara não estava mais vomitando palavras.

Ela **era** as palavras.

Seu corpo desfez-se em frases vivas que se enrolaram como serpentes de luz âmbar, reconstruindo-se em uma forma nova:

**Um livro aberto com veias.**

Tomas tentou tocá-la e seu dedo fundiu-se com o texto, a pele transformando-se em pergaminho.

— *Está reescrevendo a nós também!* — Isabella cortou o próprio braço-talho antes que a transformação alcançasse seu coração.

Leon (o original) surgiu da sombra, seu corpo agora irreconhecível — uma figura feita de casca quebrada e néctar negro.

— *Não a toquem. Ela está copiando o arquivo final de Lys.*

As palavras de Mara dançaram no ar, formando uma sentença que queimou os olhos de quem leu:

**"ARTIGO FINAL: TODAS AS FLORES SERÃO LIVRES."**

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**O Enxame em Agonia**

Os Colhedores caíam do céu como insetos envenenados.

Seus corpos mecânicos rachavam, revelando a carne florida sob a armadura. O Superior do Enxame convulsionou quando suas próprias memórias primordiais emergiram:

— *Nós... fomos... podados... primeiro...*

Os renegados não comemoravam. Choravam.

Pois o vírus não discriminava entre facções.

Estava podando **todos os jardineiros**.

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**Leon no Limiar**

A semente negra em suas mãos-raízes agora estava aberta, revelando o vazio em seu centro.

A voz de Lys (ou era Mara?) sussurrou:

— *Coloque-a no seu peito. Torne-se o novo jardineiro. Um que nunca cortará uma flor.*

Leon olhou para o sul, onde Neo-Solaris brilhava como um falso sol.

Lembrou-se das crianças.

Do cheiro de pão queimado em sua casa há séculos.

Do sorriso de Mara antes da transformação.

**E escolheu.**