A lua ainda brilhava intensamente sobre a clareira, as nuvens se aproximando devagar como uma cortina prestes a descer. Indra e Ben sabiam que cada segundo era precioso. Eles caminharam mancando até a borda iluminada, onde os pinheiros mais altos erguiam suas copas em direção ao céu.
Indra apoiou Ben contra o tronco mais grosso. Seu próprio braço latejava de dor, mas ele tentava ignorar a sensação de que o corte ardia até o osso. Com a lanterna pendurada no pescoço, ele avaliou os galhos acima: havia pontos onde poderiam subir, mas o risco era enorme — qualquer queda seria fatal, e eles estavam fracos.
"Ben, ouça."— Indra falou baixo, atento aos sons na floresta. "Você vai ter que me seguir de perto. Use suas pernas, não os braços. Eu subo primeiro e te ajudo."
Ben assentiu, respirando com dificuldade. Sua cabeça girava, a faixa de gaze já manchada de sangue. Eles começaram a escalada: Indra puxava o corpo para cima, fincando os pés em rachaduras da casca. A cada movimento, o corte em seu antebraço se reabria, pingando sangue nas raízes do pinheiro. Ben vinha logo atrás, gemendo baixo, os dedos escorregando pela seiva pegajosa do tronco.
Um rugido ecoou abaixo deles, tão próximo que fez os dois travarem no lugar. Entre as árvores, a criatura caminhava em círculos na escuridão. Eles a viram apenas como um vulto colossal, movendo-se com uma raiva contida. Mas sempre que se aproximava demais, o luar a impedia de entrar na clareira — como se uma barreira invisível a segurasse fora do círculo prateado.
"Ela está esperando…" sussurrou Ben, ofegante. "Esperando a lua desaparecer…"
"Então precisamos ser mais rápidos que as nuvens." rosnou Indra, a mandíbula tensa de dor.
A cada metro que ganhavam na árvore, o vento os balançava, ameaçando derrubá-los. O farfalhar das folhas parecia uma multidão sussurrando coisas horríveis. A luz da lua os envolvia, criando reflexos pálidos nas lágrimas de medo que escorriam dos olhos de Ben.
Quando alcançaram um galho grosso a uns cinco metros de altura, Indra ajudou Ben a se sentar, abraçado ao tronco. Ali de cima, podiam ver toda a clareira iluminada, as barracas destruídas, a bagagem espalhada como ossos de uma carcaça. Fora do círculo de luz, as sombras vibravam com a presença da criatura, que avançava e recuava como um predador contido apenas por uma coleira de luar.
Indra tirou o revólver do coldre improvisado preso à cintura. Sua mão tremia. Com a outra, segurou Ben pelos ombros.
"Você vai aguentar?"
Perguntou, encarando o amigo com intensidade.
Ben abriu um sorriso fraco, os olhos marejados.
"Só se você também aguentar."
Indra deu um sorriso breve, mas seus olhos não deixaram as sombras. A criatura, monstruosa e silenciosa, estava apenas esperando que a lua sumisse para invadir a clareira e terminar o que começara.
No alto do pinheiro, os dois respiravam rápido, o coração disparado, cada rajada de vento gelado trazendo o cheiro do sangue e da morte próxima. Sabiam que a lua não ficaria ali para sempre — mas enquanto brilhasse, ainda tinham uma chance.
E assim, presos entre galhos e medo, eles esperaram o próximo movimento da noite.
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O luar ainda iluminava a clareira como uma tábua de salvação, mas as nuvens se amontoavam no horizonte, avançando devagar como uma maré sombria. O vento ficou mais frio, carregando o cheiro metálico do sangue que escorria das feridas de Indra e Ben.
Ali, no alto do pinheiro, os dois já tremiam de fraqueza. A bandagem improvisada no braço de Indra estava encharcada de sangue. A cabeça de Ben latejava tanto que ele mal conseguia manter os olhos abertos. A fome começava a consumir suas forças; cada movimento doía como se seus corpos estivessem despedaçados.
Um rosnado ecoou pela floresta. Depois, outro som, diferente: algo como ossos sendo partidos, madeira quebrando. A criatura soltou um urro ensurdecedor, mas não estava sozinha — outro som, mais baixo e rouco, como o de algo igualmente monstruoso, reverberava entre as árvores.
Eles sentiram o pinheiro vibrar com os choques das feras lutando nas sombras. Galhos se quebraram no chão, e respingos de sangue escuro mancharam as folhas. A cada rugido, a floresta parecia estremecer, e até a lua, antes serena, parecia piscar sob o avanço das nuvens.
"Você… você está ouvindo isso, né?"
Ben sussurrou, a voz quase inaudível. Seus lábios estavam pálidos, e ele se agarrava ao tronco como se fosse a única âncora para não desmaiar.
Indra assentiu, forçando os olhos para enxergar entre as árvores. A criatura que os perseguia saiu mancando para dentro do círculo de luz por um breve momento: suas costas estavam rasgadas, a carne se abrindo em feridas profundas, e um dos chifres quebrado pendia de lado.
"É a nossa chance…" Indra murmurou, puxando o revólver com a última bala de prata. Seu braço tremia tanto que quase não conseguia segurar a arma.
"Se conseguirmos acertar o coração dela, acabamos com isso."
Ben inspirou com dificuldade, tentando ignorar a tontura que o fazia ver tudo girar.
"Mas as nuvens… estão vindo…" ele apontou para o céu: a lua começava a ser coberta em partes por véus cinzentos, cada vez mais grossos.
Indra olhou para cima, o suor misturado ao sangue escorrendo pelo rosto. O clarão da lua ainda banhava a clareira, mas sombras densas dançavam nas bordas conforme as nuvens avançavam, cobrindo lentamente a única proteção que tinham.
"Vou precisar que você me dê cobertura." Indra disse, tentando manter a voz firme. "Se ela perceber que vamos atacar, vai tentar fugir ou nos matar antes."
Ben apenas assentiu, respirando com dificuldade. Seus olhos brilhavam de medo, mas também de determinação.
A criatura rugiu de dor mais uma vez. Ela estava de joelhos, o peito arfando enquanto jorros de sangue negro pingavam no chão. Era agora ou nunca.
Indra se posicionou sobre o galho, mirando com cuidado. Seu braço queimava como fogo, a visão embaçava. A lua, ainda não completamente coberta, projetava a silhueta do monstro de forma nítida — mas as nuvens avançavam, ameaçando mergulhar tudo na escuridão a qualquer momento.
O som do vento engrossava, os galhos rangiam. Eles não sabiam quem ou o que havia ferido a criatura, mas se não agissem rápido, a única bala de prata seria inútil.
Indra engoliu em seco, respirou fundo e mirou no peito da criatura, exatamente onde sabia que ficava o coração.
A lua tremeluzia, lutando para brilhar através das nuvens.
Eles tinham segundos antes que a noite os engolisse por completo.
Indra segurava o revólver com as mãos trêmulas, o suor misturado ao sangue pingando do queixo. Ele tinha a criatura na mira, respirando com dificuldade à beira da clareira iluminada pela lua. Era a chance que tanto esperavam.
Mas então, num rompante animalesco, a criatura se ergueu sobre as patas traseiras e disparou para dentro da floresta, mancando mas veloz como um borrão nas sombras. O som dos galhos quebrando ecoou até desaparecer na noite.
"Não…"
Indra sussurrou, desesperado, abaixando a arma. O silêncio voltou a reinar, pesado, sufocante. O luar ainda resistia, mas as nuvens já lambiam as bordas da lua como predadores famintos.
Ben, pálido, tremendo, não aguentava mais. Seus braços escorregaram no tronco ensanguentado do pinheiro.
"Indra… eu… eu não consigo mais…" ele disse, a voz falhando. E então, num estalo, seus dedos se soltaram.
Indra esticou o braço machucado, mas era tarde demais.
"BEN!" gritou, enquanto via o amigo despencar.
O som da queda foi terrível: um estalo seco de ossos partindo ecoou pela clareira, seguido de um grito de dor tão agudo que fez o coração de Indra congelar. Ele assistiu, impotente, enquanto Ben se contorcia no chão, cada movimento provocando mais estalos horríveis.
O som das árvores se mexendo avisou que não estavam sozinhos. A criatura emergiu das sombras, o corpo coberto de sangue, mas os olhos brilhando com uma fome enlouquecida. Ela se arrastou até Ben, que gritava em agonia.
"NÃO!" Indra berrou, enquanto a criatura abocanhava o tronco de Ben e o puxava para a escuridão. O último som do amigo foi um urro dilacerante, que se apagou conforme a floresta engolia tudo.
Indra tremia, a respiração falhando. A dor da perda esmagava seu peito, quase o fazendo desmaiar ali mesmo. "Desculpa… Ben… " sussurrou.
"Eu… eu juro que vou matar essa coisa…"
Nesse momento, uma brisa estranha soprou sobre a clareira, fria mas também reconfortante. Uma luz branca, suave como o luar, começou a envolver Indra. Ele sentiu suas forças retornarem, os músculos se firmarem, a dor aliviar, como se algo — ou alguém — o revigorasse. A energia era fraca, mas pulsava com determinação, e envolvia cada centímetro de seu corpo exausto.
A energia não vinha de fora. Não era mágica lançada sobre ele, nem bênção de algum deus distante. Era algo que despertava dentro de Indra, como uma chama escondida em seu peito que finalmente se inflamava, transformando a exaustão em força, a dor em pura fúria.
Indra abriu os olhos, agora mais claros, ardendo com a fúria e a dor da perda. Ele levantou o revólver, carregado com a única bala de prata restante. Lá embaixo, o luar ainda brilhava, mas as nuvens avançavam implacáveis, cobrindo metade da lua. A criatura se mantinha nas sombras da borda da clareira, rondando como um abutre, esperando apenas que a última luz sumisse para atacá-lo.
"Vamos, desgraça…" Indra rosnou, a mão firme na empunhadura da arma. "Venha para que eu termine isso."
O vento ficou mais forte. A lua tremeluzia. A batalha final estava prestes a começar.
Ele pulou da árvore, rolando no chão para amortecer o impacto. Mesmo ferido, sentiu o corpo responder com precisão sobrenatural. No bolso de sua jaqueta, retirou o canivete militar que sempre carregava. Na outra mão, sacou o isqueiro de maçarico que usava para acender fogueiras — as chamas azuis dançaram em seu punho, iluminando seus olhos determinados.
A criatura avançou das sombras, rosnando com ódio, cada passo um estalo de galhos. Indra acendeu rapidamente uma tocha improvisada com gravetos embebidos em álcool de seu kit de primeiros socorros. A labareda iluminou a clareira, lançando sombras monstruosas.
A criatura hesitou — o fogo a fazia recuar. Aproveitando a abertura, Indra girou o canivete e fez um corte profundo no braço da besta, o sangue negro espirrando e queimando ao contato com as chamas. Um rugido ecoou pela noite, abalando o coração de Indra, mas ele se manteve firme.
Indra atacou novamente, usando a tocha como chicote flamejante para manter a criatura à distância. Em um momento crítico, a besta saltou sobre ele, mas Indra rolou para o lado, sentindo a energia branca pulsar de dentro dele, acelerando seus reflexos a níveis sobre-humanos.
"SEU DESGRAÇADO!" berrou, cravando o canivete nas costelas da criatura e girando a lâmina com força. Eles caíram juntos no chão, a criatura se debatendo, as garras cortando o ar a milímetros de seu rosto.
A criatura se levantou com dificuldade, sangrando em vários pontos, mas o olhar predador não havia sumido. Indra também estava em frangalhos: a jaqueta rasgada, o braço latejando, o corpo coberto de hematomas. Mas havia algo diferente em seus olhos — um brilho determinado, alimentado pela mesma energia que vibrava como um segundo coração dentro dele.
A lua ainda brilhava entre as nuvens que agora cobriam quase toda sua superfície. A luz prateada iluminava Indra e a criatura, ambos arfando, os dois cientes de que o fim estava próximo. O próximo movimento poderia selar o destino de um deles.
Eles se encararam, imóveis, cada um reunindo forças para o golpe final.
A lua vacilou atrás de um véu de nuvens, deixando apenas um filete de luz prateada iluminando a clareira. E naquele momento congelado no tempo, homem e monstro estavam igualmente à beira da morte — prontos para decidir quem sobreviveria até o nascer do sol.
O silêncio que pairava entre Indra e a criatura era mais ensurdecedor do que qualquer rugido. Cada respiração era uma faca cravada no peito. A lua estava a segundos de sumir completamente, sua luz já reduzida a um fio prateado. Indra sentiu as pernas vacilarem, a visão turva pelas dores e pela perda de sangue, mas a energia branca continuava queimando dentro dele, como uma centelha de pura determinação.
A criatura, mesmo dilacerada, reuniu suas últimas forças e avançou com um salto animalesco, garras erguidas para dilacerar Indra. Ele ergueu o braço tremendo e, no exato segundo em que a lua desapareceu atrás das nuvens, puxou o gatilho.
O clarão do disparo brilhou como um raio na escuridão.
A bala de prata atravessou o ar e acertou em cheio o coração da criatura. O monstro soltou um uivo lancinante que ecoou pela floresta inteira, reverberando como um trovão sombrio. Seu corpo estremeceu violentamente, antes de cair pesadamente no chão. No mesmo instante, as nuvens cobriram a lua por completo, mergulhando a clareira em trevas.
Indra caiu de joelhos, exausto. A energia que o sustentava se apagou como uma chama no vento. Ele respirava com dificuldade, o gosto de sangue na boca, e o calor do sol começava a colorir o horizonte em tons de dourado.
Aos poucos, passos ecoaram na floresta, firmes e decididos. Entre as árvores surgiu uma figura alta, usando roupas táticas negras que lembravam as forças especiais. Seu cabelo curto e preto balançava levemente com o vento da manhã. Um detalhe impossível de ignorar: uma longa cauda de demônio se movia atrás dela, com a mesma naturalidade de quem a possui desde sempre.
Os olhos dela, um azul-acizentado e outro verde esmeralda, brilharam com surpresa ao ver o corpo morto da criatura — e o jovem caído ao lado.
"Você... matou isso sozinho?" murmurou ela, mais para si mesma do que para ele.
Sua voz era firme, quase militar, mas havia nela um tom de… surpresa. De respeito.
Ela se ajoelhou ao lado de Indra. Ele tentava falar, mas só sangue saía.
"Você foi além do que qualquer um esperaria…"
"Mas ainda não é a hora de morrer."
Indra viu seu rosto por um último segundo. Aquele olhar inumano, frio e calculado, e ainda assim… protetor.
"Vou te levar para a Sociedade Esotérica."
E então tudo se afogou na escuridão.