O primeiro clarão do sol prateado iluminava a mansão de Sophie Ledger, espalhando reflexos frios pelas paredes de pedra negra com colunas brancas e vitrais coloridos. Indra despertou ainda meio perdido, mas a sensação de acolhimento naquela cama macia contrastava com as noites geladas do hospital. Ao seu lado, Sophie dormia profundamente, o cabelo negro caindo em ondas pelo travesseiro. Ele sorriu de leve — a calma dela era contagiante.
Decidindo não ficar preso ao quarto, Indra se levantou e vestiu-se. Quando ele se aproximava da porta, Sophie abriu os olhos devagar e, ao ver que ele estava acordado, ergueu uma sobrancelha com humor. "Vai fugir sem café da manhã?" — brincou, a voz rouca, mas com um sorriso preguiçoso.
"E perder a chance de ver você cozinhando? Nunca." — devolveu Indra, o tom mais leve do que nos últimos dias.
Eles desceram juntos até a cozinha, que era ampla e iluminada por lâmpadas mágicas flutuantes que emitiam um tom suave de luz azul. Havia armários entalhados com símbolos arcanos e um fogão reluzente de metal negro. Sophie amarrou um avental por cima do roupão, e começou a separar ingredientes enquanto Indra se acomodava num banco alto, perto do balcão.
"Gosta de omelete?" — perguntou ela, mexendo ovos com maestria.
"Se for você que faz, gosto de qualquer coisa." — respondeu ele, rindo levemente. Sophie revirou os olhos, mas o canto de sua boca se ergueu num sorriso contido.
O cheiro de temperos exóticos se espalhou pelo ambiente, misturado ao aroma de café fresco. Enquanto comiam, conversaram de forma descontraída. Sophie contava histórias do Outro Lado: dos treinamentos insanos da Sociedade Esotérica, de alguns de seus colegas da Décima Legião, e até de fiascos em missões que terminaram em correria e explosões. Indra ouvia tudo com interesse genuíno, rindo alto em alguns momentos.
Ele também contou sobre sua vida: como adorava esportes e passava horas assistindo jogos com amigos, como amava maratonar séries e animes, e sua paixão quase obsessiva por histórias em quadrinhos, mangás e webtoons. Falou sobre sua curta carreira na prefeitura de sua cidade, sobre como sempre fora comunicativo — qualidade que o ajudara a conquistar um bom emprego ainda jovem. Sophie ouvia tudo com atenção genuína, seus olhos de cores desiguais fixos nele, absorvendo cada palavra.
"Então… você realmente é o tipo que fala até cansar, né?" — disse ela, divertida.
"Melhor do que ser um poste." — rebateu ele, com naturalidade. Sophie gargalhou de verdade dessa vez, e por alguns segundos, a mansão pareceu pequena demais para conter a energia leve que pairava entre eles.
Depois de terminarem o café, Sophie pegou dois copos de suco e se sentou de frente para Indra. Seu semblante ficou mais sério. "Já matriculei você na Academia Esotérica." — anunciou, apoiando o cotovelo no balcão e brincando com o canudo do próprio copo. "Você vai começar hoje à tarde. Vou te acompanhar até lá, mas depois disso, vai ser por sua conta."
Indra sentiu o coração acelerar — não de nervosismo, mas de excitação. "Então vai mesmo começar, hein?" — murmurou, quase para si mesmo.
"Vai. E tem mais." — continuou Sophie. "O professor Carl Bennington… bem, ele não suporta jovens “moderninhos”. Ele odeia quem fala gírias, quem usa o celular em aula, quem parece preguiçoso. Você vai ter que ganhar o respeito dele se quiser ter aulas de Estudos do Reino dos Fenômenos e Sobrevivência."
"Gosto de desafios." — disse Indra, com um sorriso confiante. "E… obrigado por tudo isso, Sophie."
Ela balançou a cabeça, o olhar suavizado. "Não me agradeça ainda. Você vai suar muito antes de pensar em me agradecer."
Saíram da casa juntos. Do lado de fora, a cidade já fervilhava com veículos que flutuavam sobre ruas escuras, placas brilhantes com runas piscavam em lojas que vendiam desde armas mágicas a trajes de batalha reforçados. A noite havia cedido por completo ao dia prateado, mas as ruas do Burgo Real ainda exalavam a atmosfera misteriosa e elegante que era única no Outro Lado.
Caminharam lado a lado, cruzando pontes de pedra negra sobre canais onde águas púrpuras corriam lentamente, subindo escadas que levavam a grandes avenidas onde carros arcanos passavam em silêncio.
Finalmente, pararam diante de um portão colossal com quase vinte metros de altura, feito de um metal escuro que parecia absorver a luz ao redor. Acima do portão, em letras arcanas, estava escrito: Academia Esotérica.
Ao redor, jardins sombrios se estendiam até onde a vista alcançava, cheios de estátuas de criaturas híbridas e árvores de folhas negras como carvão. Ao fundo, prédios imensos e góticos tocavam o céu, cada um exalando poder e mistério.
Sophie virou-se para Indra, colocando a mão no ombro dele. "Bem-vindo à sua nova vida, Indra Shuemesch. Não decepcione a mim… nem a si mesmo."
Indra respirou fundo, fitando a entrada da Academia como quem encara o portão de um destino inescapável. "Eu não vou." — prometeu, a voz firme.
O portão rangeu ao se abrir, liberando um corredor de sombras e luzes pálidas, como se convidasse Indra para atravessar — e assim ele o fez, marcando oficialmente o início de seu novo começo.
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O som grave do sino ecoou pelas colunas de obsidiana da Academia Esotérica, reverberando pelos jardins sombrios e corredores cobertos por vitrais que distorciam a luz prateada do sol. Indra estava entre centenas de jovens reunidos em um gigantesco salão de teto abobadado, iluminado por enormes lustres de cristal negro que pendiam como presas de uma besta adormecida.
No palco, atrás de um púlpito feito de pedra branca entalhada com símbolos arcanos, estava o diretor. Ele era um homem de meia-idade, de aparência robusta, rosto marcado por rugas que pareciam mais cicatrizes de batalhas do que sinais da idade. Seu cabelo grisalho estava penteado para trás, e sua voz, quando se ergueu, ecoou com autoridade absoluta:
"Bem-vindos à Academia Esotérica." — começou, a voz ressoando com tal firmeza que o silêncio se tornou absoluto. "Vocês são o futuro da Sociedade Esotérica, a lâmina que irá perfurar a garganta do caos ou o escudo que protegerá o mundo do Outro Lado. Cada um de vocês carrega mais do que o destino de si mesmo: carrega o destino de nossos Clãs, de nossas Legiões… e da própria humanidade!"
Seu olhar varreu o salão como se marcasse cada um dos presentes com um selo invisível.
"Estejam cientes: aqui, apenas talento, determinação e poder significam algo. E apenas aqueles que dominarem a si mesmos poderão dominar as trevas que rastejam neste mundo. A Sociedade Esotérica não precisa de fracos ou indecisos. Ela precisa de guerreiros!" — As últimas palavras ecoaram como trovões contidos.
Indra respirava com dificuldade, absorvendo cada palavra. Seu olhar correu pelo salão, estudando os outros jovens, tentando medir o peso de quem seriam seus futuros rivais — ou aliados.
Primeiro, seus olhos pousaram em uma garota deslumbrante de cabelos dourados como raios de sol e olhos azuis tão profundos quanto gemas lapidadas. Seu corpo era escultural, como se a própria perfeição a moldasse, e mesmo parada, exalava uma confiança quase arrogante.
Logo adiante, ele notou outra garota, com cabelos cor de prata pura que reluziam como metal vivo sob a luz dos lustres. Seus olhos dourados lembravam moedas antigas, e seu corpo, tão desenvolvido quanto o da primeira, emanava uma aura fria e inatingível.
Indra virou-se e encontrou um homem vestindo trajes típicos de cultivadores de contos Xianxia: roupas longas de seda escura, bordadas com dragões dourados, com mangas largas que balançavam suavemente a cada movimento. Seu porte era digno e misterioso, como se cada respiração carregasse séculos de tradição.
Ao lado dele, um garoto de músculos magros, cabelos castanhos escuros e olhos verdes intensos, usava um conjunto branco com detalhes azuis. Seu casaco se estendia até quase o chão, dando-lhe um ar refinado, mas pronto para a batalha.
Indra se surpreendeu com a figura de uma garota de cabelos brancos com pontas tingidas de vermelho vivo. Orelhas e uma cauda de raposa surgiam de seu corpo, e sua beleza sedutora era potencializada por um vestido branco de seda que delineava suas curvas com elegância perigosa.
Por último, seus olhos pararam em um jovem de pele tão pálida quanto mármore, cabelos negros como tinta e olhos verdes esmeralda que pareciam perfurar qualquer defesa. Suas roupas pretas, adornadas com detalhes prateados e diversas fivelas, lembravam o uniforme de alguma força espacial, transbordando uma aura de mistério e frieza.
Esses seis se destacavam como tochas acesas em meio à multidão, cada um exalando poder, orgulho e a certeza de que pertenciam a um mundo que Indra mal começava a entender.
A voz do diretor voltou a soar, encerrando a cerimônia:
"Hoje, vocês cruzam o limiar. Amanhã, começam as aulas que decidirão se merecem viver neste mundo. Sejam fortes… ou pereçam!"
Quando o eco da última palavra morreu, a tensão no salão pareceu se dissolver. Alunos começaram a conversar em pequenos grupos, mas Indra apenas ficou parado, o olhar fixo no enorme brasão da Sociedade Esotérica pendurado acima do palco — uma serpente que engolia sua própria cauda, símbolo do ciclo de vida e morte.
“ _Então é aqui que tudo começa…_ ”, pensou, sentindo o peso e a excitação do momento. Cada rosto ao redor poderia ser um rival ou um aliado. Cada dia a partir de agora poderia decidir se ele se ergueria ou cairia. Ele fechou os punhos, o coração batendo forte.
No fundo de sua mente, apenas uma certeza queimava com força: ele não voltaria atrás.
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O corredor onde se localizava a sala do Professor Carl parecia ainda mais silencioso do que o resto da Academia Esotérica. As paredes eram cobertas por tapeçarias antigas com cenas de batalhas entre homens e monstros do Outro Lado, iluminadas por archotes que queimavam com chamas azuladas. A porta da sala estava entreaberta, deixando escapar uma brisa fria que carregava o cheiro de pergaminhos antigos e giz.
Indra respirou fundo e empurrou a porta, entrando em um amplo salão de teto alto, paredes cobertas por estantes abarrotadas de livros tão antigos que alguns estavam presos por correntes para não se desfazerem. Mapas do Outro Lado pendiam em grandes painéis, mostrando geografia, zonas de instabilidade e territórios de criaturas. No centro, uma grande mesa de madeira escura estava vazia, exceto por um homem que arrumava alguns papéis.
Professor Carl Bennington levantou os olhos quando Indra entrou. Ele tinha cabelos grisalhos bem penteados para trás, óculos de aros finos apoiados no nariz e vestia um terno escuro alinhado. Sua postura ereta e o olhar atento denunciavam alguém que não aceitava mediocridade. Quando seus olhos passaram pelo visual de Indra — roupas escuras, cabelos bagunçados, algumas correntes — sua expressão se contraiu levemente, como se não soubesse se estava diante de um aluno ou de um integrante de uma banda de rock dos anos 2000.
"Então você é o protegido da Capitã Ledger." — disse Carl com um tom contido, como quem confirmava algo que não o agradava muito. "Pensei que ao menos teria o cuidado de vestir-se de forma apropriada para uma aula séria."
Indra abriu a boca para responder, mas Carl ergueu a mão, interrompendo-o antes mesmo que falasse.
"Não importa." — continuou Carl, voltando a mexer em alguns papéis. "Sophie me pediu para ensinar-lhe o básico do Reino dos Fenômenos e técnicas de Sobrevivência. Não vou negar um pedido dela… mas vou ser claro: não espero muito de você."
Indra mordeu o lábio, mas manteve o olhar firme. Quando Carl indicou uma cadeira, ele se sentou sem hesitar.
Carl começou a aula sem mais cerimônias, sua voz ecoando grave no salão silencioso. Ele abriu um grande mapa que cobria toda a superfície do Outro Lado e apontou para as vastas regiões fora do território controlado pela Sociedade Esotérica.
"O Reino dos Fenômenos." — começou ele. "é o nome que damos a todo o terreno do Outro Lado que está fora das zonas seguras controladas pela Sociedade. São as áreas selvagens, inóspitas, governadas por leis distorcidas, onde criaturas inimagináveis e fenômenos caóticos se manifestam."
Carl então explicou que a Sociedade Esotérica classifica as regiões do Outro Lado em zonas de acordo com o nível de perigo:
Zona Verde e Zona Azul, totalmente seguras para Graduados, onde a presença de criaturas é baixa ou inexistente;
Zona Amarela, onde já existe risco considerável;
Zona Laranja, extremamente perigosa;
Zona Vermelha, quase suicida;
e, finalmente, Zona Preta, lugares tão mortais que nem mesmo Supremos ousariam entrar sem planejamento e reforços.
"O Reino dos Fenômenos, em sua totalidade, corresponde a tudo aquilo que nem se encaixa em Zonas Verdes ou Azuis." — enfatizou Carl, batendo levemente no mapa com a ponta de uma régua de metal. "São regiões instáveis, mutáveis, onde qualquer Graduado inexperiente seria destruído em minutos."
Indra ouvia cada palavra com atenção máxima, anotando tudo em um caderno de capa preta. Seu olhar estava cravado no professor, mas a mente absorvia cada detalhe com avidez. Após a primeira hora de explicações, ele começou a fazer perguntas precisas e complexas:
"Professor, se o Reino dos Fenômenos é instável, como se estabelecem as fronteiras entre zonas?" — indagou, inclinando-se para frente, a curiosidade brilhando nos olhos.
Carl se surpreendeu. Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso de aprovação — a primeira mudança em sua expressão desde que Indra entrara. "Excelente pergunta. As fronteiras das zonas mudam conforme a movimentação das correntes de Energia residual que cruzam o Véu, estabilizando ou desestabilizando regiões. É por isso que mapas precisam ser atualizados constantemente."
A aula prosseguiu em ritmo intenso. Carl abordava os padrões de comportamento de criaturas do Outro Lado, a história das maiores rupturas do Véu, a função das Veias Mágicas e os riscos das zonas mais profundas. Indra não apenas ouvia, mas questionava, completava e refletia.
"Você demonstra um interesse genuíno." — disse Carl, em tom mais brando do que antes. "Sabe, quando vi você entrar aqui com esse visual… imaginei que fosse só mais um rebelde moderno. Mas estou começando a ver que talvez eu tenha me enganado."
Indra ergueu os olhos do caderno, um leve sorriso em seu rosto. "Sempre gostei de linguística e história. Antes de tudo isso, estava na faculdade de linguística. Talvez eu só não pareça o que sou."
Carl ficou em silêncio por um momento, depois retirou os óculos e os apoiou cuidadosamente sobre a mesa. "A Sociedade precisa de pessoas como você." — Ele respirou fundo, como quem tomava uma decisão. "A partir de hoje, eu serei seu mestre. E vou fazer o possível para prepará-lo para o Exame Paranormal."
Indra levantou-se e estendeu a mão, que Carl apertou com firmeza. Ali, não havia mais desconfiança — apenas o respeito mútuo entre mestre e aluno.
A aula terminou com os dois curvados sobre mapas, discutindo zonas limítrofes e estratégias de sobrevivência. Quando Indra saiu da sala, o céu do Outro Lado ainda estava encoberto pela noite eterna, mas em seu coração, havia uma chama de esperança. Ele sabia que, com Carl ao seu lado, talvez tivesse uma chance de não apenas sobreviver, mas também de encontrar seu lugar na Sociedade Esotérica.