A lua fria ainda brilhava intensamente lá fora, suas sombras esculpindo padrões dançantes no chão da cozinha enquanto Sophie se recostava na cadeira, os olhos bicolores fixos em Indra. O holograma do smartwatch havia se apagado, mas o Anel Dimensional reluzia em seu dedo como se chamasse pelo próximo passo.
"Certo." — disse Sophie, a voz baixa, mas carregada de empolgação. "Vamos testar o uso da sua Energia. Quero que retire os itens que coloquei no anel."
Indra arregalou os olhos, surpreso. "Como eu faço isso?"
Sophie sorriu, inclinando-se um pouco para frente, o roupão se abrindo levemente enquanto seus olhos, um azul acinzentado e outro verde esmeralda, brilhavam com interesse. "Concentre-se no anel." — explicou. "Sinta a Energia fluindo dentro de você. Tente direcioná-la para o anel e se conectar com o espaço dentro dele."
Indra respirou fundo e fechou os olhos, buscando a calma. O silêncio da casa parecia amplificar os batimentos do seu coração. Logo, uma leve sensação de calor começou a brotar em seu peito, como uma chama tênue. Ele percebeu que era sua Energia: branca, fraca, mas viva. Concentrou-se em conduzi-la pelo braço até o dedo do meio direito — onde o anel reluzia em resposta, como se reconhecesse seu toque.
Em poucos segundos, algo mudou em sua mente. Ele se sentia como se seus olhos se abrissem em outro lugar: estava olhando para dentro do espaço do Anel Dimensional. Era como se uma sala quadrada se estendesse diante dele, mas com uma sensação estranha de distorção espacial, um lugar que definitivamente não pertencia à realidade comum. Fazia total sentido chamá-lo de dimensão separada.
Indra começou a averiguar o que havia ali. O primeiro objeto que chamou sua atenção foi um brilho metálico: um revólver .38 cromado, seu próprio revólver — o mesmo que usara para matar a criatura que o atacou no acampamento. O coração dele disparou ao reencontrá-lo.
A segunda coisa que notou foi uma pequena pílula translúcida, esbranquiçada, que reconheceu imediatamente como a Pílula de Nutrição da Alma que Sophie comprara no Mercado da Noite.
E por fim, viu um pequeno monte de notas que pareciam dinheiro — talvez recursos para necessidades imediatas.
Quando abriu os olhos, retornando à realidade, Sophie ainda o observava fixamente com seus olhos hipnotizantes.
"Você conseguiu ver alguma coisa?" — perguntou ela, com expectativa evidente na voz.
Indra assentiu, empolgado. "Sim, vi tudo! O revólver, a pílula, o dinheiro…"
Sophie sorriu, satisfeita, e disse: "Agora quero que retire esses itens. Concentre-se de novo, visualize o que quer trazer para fora e puxe com sua Energia. Vai parecer estranho no começo, mas você vai pegar o jeito."
Indra respirou fundo novamente, fechou os olhos e voltou a mergulhar no espaço isolado do anel. Desta vez, demorou bem menos para se conectar — parecia que algo em seu instinto já havia compreendido o mecanismo. Ele focou no revólver primeiro, imaginando-o surgindo em sua mão.
As primeiras tentativas foram frustrantes: ele sentia a Energia se agitar, mas não conseguia estabilizá-la. Ainda assim, a vontade de acertar fazia com que insistisse. Após alguns minutos de tentativas, sentiu algo diferente: o revólver desapareceu do espaço da dimensão.
Indra abriu os olhos rapidamente e olhou para sua mão direita. Lá estava o revólver .38 cromado, pesado e real. Ele arregalou os olhos em puro fascínio e imediatamente olhou para Sophie, esperando que ela também estivesse orgulhosa de seu feito.
Mas Sophie não apenas parecia surpresa. Seus olhos bicolores estavam arregalados, a boca levemente aberta em puro choque. O silêncio durou alguns segundos, e então ela soltou, num tom baixo e incrédulo:
"Puta merda…"
Indra piscou, confuso. "Eu… fiz algo errado?"
A reação dela parecia tão fora de lugar que o deixou desnorteado. Sophie balançou a cabeça, voltando à realidade, e ajeitou o roupão que quase caíra de seus ombros, visivelmente constrangida.
"Não…" — disse ela, a voz retomando o tom sério, embora ainda um pouco trêmula. "É só que… eu não achei que você realmente fosse conseguir. Quer dizer, mesmo sendo um dispositivo fácil de usar, as crianças da Sociedade Esotérica recebem seus primeiros Anéis Dimensionais ainda pequenas, mas mesmo assim elas demoram um ou dois dias para conseguir acessar o espaço interno." — respirou fundo, o rosto corado. "Isso para os que são considerados talentosos. O comum é levar uma semana."
Ela se levantou e começou a andar de um lado para o outro, como se precisasse se convencer do que acabara de ver.
"Eu…" — continuou, olhando para ele com uma mistura de fascínio e incredulidade. "levei cinco horas, e fui chamada de gênio por isso. Você levou… o quê? Meia hora?" — Sophie passou a mão pelos cabelos pretos ainda levemente úmidos, respirando fundo. "Você é… um monstro." — Um sorriso surgiu em seus lábios, e apesar do termo, havia admiração em sua voz. "E digo isso no melhor sentido possível. Eu não consigo acreditar no que estou vendo."
Indra não sabia se ria ou ficava envergonhado, mas seu peito se encheu de excitação. A sensação de estar descobrindo algo incrível, algo que poderia definir toda a sua nova vida, era arrebatadora. O silêncio que se seguiu foi carregado de tensão elétrica — uma promessa de aventuras que apenas começavam a se desenrolar sob a lua fria que ainda brilhava lá fora, enquanto as sombras continuavam a se contorcer, como se observassem cada movimento deles.
Sophie se levantou ainda atônita, andando até a pia para pegar um copo de água. Bebeu em grandes goles, tentando conter a excitação que fazia suas mãos tremerem. Quando terminou, voltou para a mesa e se sentou em frente a Indra, cruzando as pernas sob o roupão preto que ainda teimava em se abrir em alguns pontos.
"Indra…" — disse, encarando-o com intensidade. "Quero que retire os outros itens do anel. Só pra ter certeza de que isso não foi um golpe de sorte."
Apesar de não entender completamente a dimensão do que acabara de fazer, Indra assentiu. Fechou os olhos mais uma vez e mergulhou na sensação familiar que já começava a se tornar parte dele: aquela corrente de Energia branca, suave e vibrante. Em menos de um minuto, ele visualizou novamente o espaço do anel — só que, dessa vez, a conexão parecia natural, quase instintiva. Ele direcionou seu foco primeiro para a Pílula de Nutrição da Alma, imaginando-a em sua mão.
Em um clarão suave, a pílula surgiu em seus dedos. Ele abriu os olhos e a ergueu para que Sophie visse. Os olhos bicolores dela se arregalaram ainda mais. "De novo…" — ela murmurou.
Sem hesitar, Indra voltou a se concentrar e puxou as notas de dinheiro. Assim que voltou à realidade, as cédulas estavam empilhadas em sua mão. Na terceira tentativa, tudo acontecera tão rápido que ele sentiu como se tivesse feito aquilo a vida toda — como se houvesse encontrado, enfim, algo que sempre buscara sem saber.
Sophie ficou tão surpresa que quase caiu da cadeira. Seu corpo tremia visivelmente enquanto dizia, num tom incrédulo e quase ofegante:
"Porra… Tá de sacanagem? Não é possível que isso seja sério… Na terceira vez você já…"
Ela interrompeu a frase no meio, soltando um suspiro pesado e balançando a cabeça como se lutasse contra a onda de choque que a dominava. Respirou fundo, a expressão tomada por uma mistura de fascínio e reverência. "Indra… eu não errei ao te salvar." — disse, a voz firme, mas ainda trêmula. "Decidir colocar você debaixo da minha asa foi a escolha certa. Você… você realmente pode abalar o equilíbrio da Sociedade Esotérica." — Seus olhos brilharam à luz da cozinha. "Não… do Outro Lado inteiro."
Indra corou. Ele estava acostumado a receber elogios pela sua calma e disciplina em situações difíceis, mas nunca algo tão grandioso. Ainda assim, não pôde negar que uma chama de orgulho se acendeu em seu peito.
Sophie fechou os olhos por alguns segundos, respirou fundo e quando os abriu, seu olhar já estava mais sóbrio. Endireitou a postura e apontou para as cédulas na mão de Indra.
"Vamos lá. Você precisa entender como funciona o dinheiro aqui." — Sua voz voltou ao tom de explicação, mas ainda havia um fio de emoção. "Isso que você tem aí são cédulas esotéricas. Na Sociedade Esotérica usamos três moedas principais."
Ela ergueu um dedo, começando a enumerar: "Primeiro, os Esocoins. São como criptomoedas, criadas pela Sociedade para transações grandes ou à distância. Você armazena eles no Banco Esotérico e acessa pelo smartwatch. Eles são muito úteis, mas você ainda não tem conta no banco, então não vai usá-los por enquanto."
Ergueu outro dedo: "Segundo, as cédulas esotéricas, que é o que você tem agora. Funcionam como o dinheiro do Plano Terreno, mas são numeradas com algarismos romanos. Podem ser armazenadas no banco fisicamente ou transformadas em Esocoins se você tiver conta." — Sophie apontou para o smartwatch dele. "Quando tiver sua conta, bastará colocar as cédulas sobre o relógio pra convertê-las."
E, por fim, levantou o terceiro dedo: "E as moedas arcanas. São moedas douradas, mais antigas, que você deve ter visto sendo usadas no Burgo Real. Elas foram muito comuns até algumas décadas atrás, mas ainda circulam, principalmente em negociações mais tradicionais ou em comunidades que não confiam em bancos."
Indra olhou para as notas em sua mão. Eram belíssimas: cédulas cinza com laterais brancas. No centro, havia a figura de um homem que parecia um rei ou governante, vestindo roupas que misturavam elementos de diferentes culturas e épocas. Atrás dele, três ramos de trigo em preto davam ao conjunto um ar quase cerimonial. O algarismo romano "M", pintado em vermelho sobre os ramos de trigo, indicava o valor de mil unidades. No canto inferior direito, um carimbo vermelho com a insígnia da Sociedade Esotérica comprovava a autenticidade monetária.
Ele passou os dedos sobre a textura do papel, admirando os detalhes. O toque das notas era suave, mas firme, com uma sensação estranhamente reconfortante.
Sophie o observava, ainda com um leve sorriso. "Vai se acostumar logo." — disse ela, a voz mais suave, embora os olhos bicolores ainda demonstrassem que sua mente fervilhava de pensamentos. "Você vai precisar saber lidar com dinheiro aqui. E, se continuar assim… vai precisar aprender a usá-lo bem rápido."
A cozinha permaneceu em silêncio por um momento, iluminada apenas pela luz suave da lua que entrava pela janela. Era como se a noite inteira estivesse segurando a respiração, aguardando os próximos passos daquele que poderia mudar o destino do Outro Lado.