Sol Escuro

A luz prateada do sol filtrada pelas nuvens escuras do Outro Lado banhava a sala de estar de Sophie, tingindo os móveis de madeira negra com reflexos metálicos. Indra estava sentado sobre o colchonete de meditação, as pernas cruzadas, as mãos repousadas nos joelhos. O Manual de Técnicas Básicas aberto à sua frente exibia o diagrama do Fluxo Espiritual Harmonioso — linhas sinuosas que descreviam o caminho do Qi pelo corpo, como rios serpenteando em um mapa antigo.

Sophie observava de frente, sua cauda vermelha imóvel, os olhos bicolores fixos nele.

"Está pronto?" — perguntou, a voz mais suave do que o habitual.

Indra assentiu, engolindo seco.

"Só siga as instruções. Suavize a respiração. Sinta o Qi movendo-se dentro de você, não como uma força, mas como uma maré."

Ele fechou os olhos.

E mergulhou.

No início, foi como sempre — o calor branco e familiar pulsando em seu núcleo, a energia circulando devagar, obedecendo à cadência de sua respiração. Mas então, algo mudou.

O sol prateado lá fora pareceu brilhar mais intensamente, suas luzes atravessando as cortinas como lâminas afiadas. O céu roxo, normalmente estático, ganhou vida, suas tonalidades vibrantes se aprofundando, como se o próprio ar estivesse impregnado de cor. As nuvens escuras, entremeadas por raios coloridos, agitaram-se como se um vento invisível as sacudisse.

Indra sentiu o Qi borbulhando dentro dele, não mais um riacho, mas um mar revolto. Sua energia expandia-se, fortalecia-se, inundava cada espaço vazio em seu corpo — mas havia uma estranheza. Uma ausência. Como se algo essencial estivesse faltando, como se ele estivesse dançando uma música da qual não conhecia todos os passos.

E então, ele parou.

Abriu os olhos.

Seu corpo estava envolto em Qi branco, a energia pairando sobre sua pele como uma névoa luminosa. Sophie o encarava, os olhos arregalados, a cauda agora eriçada.

"Eu... fiz algo errado?" — perguntou ele, a voz rouca.

Sophie hesitou.

"Não. Só que... sua energia está reagindo de forma violenta demais. Isso só deveria acontecer durante a formação das Veias Mágicas."

Indra franziu a testa.

"Mas eu nem comecei o processo direito, eu só—"

A dor chegou antes que ele pudesse terminar a frase.

Uma pontada afiada, como uma faca cravada sob seu esterno, rasgando-lhe a carne por dentro. Ele gritou, o som abafado pelos dentes cerrados, as mãos agarrando o peito como se pudesse arrancar a agonia dali.

"Indra!"

Sophie estava ajoelhada ao seu lado em um instante, as mãos firmes em seus ombros. Seus olhos não mostravam mais dúvida — apenas urgência.

"Concentre-se!" — ordenou, a voz cortante. "Seu Qi está formando as Veias Mágicas agora, e você precisa controlá-lo antes que ele destrua seu corpo por dentro!"

Indra engoliu o grito seguinte, os músculos tensos, a visão turva. Mas a dor o havia trazido de volta à lucidez. Ele fechou os olhos novamente, mergulhando no caos interno.

E então, viu.

Percursos de energia branca, finos como fios de seda, espalhavam-se descontroladamente por seu peito esquerdo, conectando-se diretamente ao coração. Eram como estradas construídas às pressas, sem planejamento, sem direção — mas eram suas. Suas Veias Mágicas, nascendo em carne viva.

Indra respirou fundo.

E começou a moldá-las.

Aos poucos, o Qi que antes se espalhava como fogo em palha seca começou a fluir em padrões definidos, seguindo os traços de suas veias físicas, entrelaçando-se a elas. A dor, antes insuportável, transformou-se em uma sensação estranhamente revigorante — como músculos sendo alongados após anos de rigidez.

Quando finalmente abriu os olhos, estava encharcado em suor, o coração batendo em um ritmo caótico e, ao mesmo tempo, profundamente calmo. O mundo ao seu redor parecia diferente. As cores mais vivas, os sons mais nítidos, o ar mais denso. Como se tivesse acordado de um sonho que não sabia estar tendo.

Indra tentou se levantar, mas as pernas falharam. O corpo doía como se tivesse sido esmagado por dentro, mas cada batimento cardíaco traza uma estranha clareza. As cores da sala estavam mais vivas: o vermelho da cauda de Sophie como sangue fresco, o preto dos móveis como breu recém-derramado.

"O que está acontecendo comigo?" — sua voz soou rouca, como se tivesse engolido brasas.

Sophie observava-o em silêncio, os lábios levemente entreabertos.

"Você... formou parte de suas Veias Mágicas" — murmurou, mais para si mesma do que para ele.

Indra olhou para as mãos, ainda tremulas. A energia branca já se dissipara, mas a sensação de poder permanecia, enraizada em seu peito como uma segunda pulsação.

"Isso é... bom?"

Ela não respondeu imediatamente. Seus olhos estavam distantes, como se vislumbrando algo muito à frente. Quando de repente:

Um tremor.

Sutil. Quase imperceptível.

A xícara de chá esquecida na mesa de centro tilintou. Os vitrais coloridos da sala vibraram levemente. E por uma fração de segundo, o sol prateado pareceu escurecer, como se uma nuvem impossível — negra e viscosa — tivesse cruzado sua superfície.

Indra sentiu um frio percorrer sua espinha.

E então, como se nada tivesse acontecido, o sol brilhou novamente em sua intensidade prateada. Mas o ar permaneceu pesado, carregado de algo que Indra só conseguiu descrever em seu íntimo:

Fome.

A casa inteira parecia conter a respiração. Até a cauda de Sophie ficara imóvel, como uma serpente petrificada.

"O que isso significa?" — perguntou ele.

Sophie sorriu, mas não chegou aos olhos.

"Significa que você não é mais um novato, Indra."

Em algum lugar distante — talvez no jardim, talvez além das nuvens — um corvo grasnou.

E pela primeira vez desde que chegara ao Outro Lado, Indra percebeu:

O sol também podia ser observado.

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A sala de estar permanecia mergulhada na penumbra suave do sol prateado. O ar estava mais calmo agora, mas carregava consigo a ressonância do que acabara de acontecer — como se as paredes tivessem memorizado a dor e a descoberta.

Indra permanecia sentado no colchonete, o corpo ainda dolorido, a mente inquieta. Sophie, agora mais próxima, se ajoelhava ao lado dele, observando-o com atenção.

"Respira fundo." — disse ela, tocando com leveza suas costas. "O Qi é mais sensível depois da formação das primeiras Veias Mágicas. Ele está tentando se adaptar ao seu corpo novo... e ao seu espírito."

Indra fechou os olhos, guiado pela voz de Sophie. Inspirou devagar, sentindo o ar frio preencher os pulmões. O Qi respondeu, fluindo com mais facilidade que antes — mas ainda assim... incompleto.

"Sinto como se estivesse usando uma roupa que não me serve direito." — murmurou.

Sophie inclinou a cabeça, curiosa.

"A técnica... o Fluxo Espiritual Harmonioso. É como se ela tentasse me guiar por caminhos que não foram feitos para mim. Eu consigo seguir, mas sempre tropeçando."

Sophie não respondeu de imediato. Havia algo diferente no olhar dela. Um respeito silencioso.

"Então experimente outra." — sugeriu por fim. "As técnicas de refinamento são bases. São úteis, mas não perfeitas. Talvez seu Qi esteja pedindo outra estrutura."

Indra assentiu, pegando o manual e folheando novamente suas páginas amareladas.

"Tem cinco técnicas básicas aqui." — murmurou, mais para si mesmo. "Vamos ver..."

Ele respirou fundo e começou pelo Pulso da Essência Interior.

Fechou os olhos e deixou o Qi pulsar, buscando o centro de seu ser. A técnica era rítmica, mais agressiva, feita para forçar o Qi a circular e expandir rapidamente. Sentiu a energia vibrar dentro do peito — intensa, poderosa — mas também desordenada. A dor voltou, como um eco do que sentira antes, mas ele conseguiu contê-la. Algumas novas Veias começaram a se formar, finos fios que se estendiam de seu esterno até os ombros. Mas ainda havia um vazio. Um buraco no meio da melodia.

Ele suspirou e passou à próxima: Ritmo do Núcleo Tranquilo.

Essa era mais introspectiva. Guiava o Qi para se recolher, repousar no centro, como um lago que se forma no interior da alma. Era reconfortante... mas passiva demais. O Qi se acumulava, mas não se integrava. Nenhuma nova veia surgiu.

Sophie observava em silêncio, sem interromper. Apenas acompanhava o fluxo, sentindo com seus próprios sentidos mágicos as reações do corpo de Indra.

Ele tentou a terceira: Sopro da Alma Latente.

Mais fluida, mais gentil. O Qi dançava como fumaça. Ele sentiu leveza, clareza... mas não firmeza. Era como uma conversa cheia de palavras bonitas, mas sem conteúdo real.

Depois, a última: Corrente Serpeante do Núcleo.

Imprevisível. O Qi se movia em espirais, serpenteando por caminhos não-lineares. Parecia instintiva, quase animal. Indra sentiu algo se agitar dentro dele, algo que reconhecia — uma selvageria contida. Algumas veias se formaram nas pernas, como galhos rasteiros, mas ainda assim... incompleto.

Ele abriu os olhos, ofegante, com o suor escorrendo pela nuca.

"Todas elas... têm algo certo. Mas nenhuma é certa o bastante."

Sophie se inclinou um pouco, os olhos estreitos como se o analisasse em profundidade.

"Isso é raro. A maioria das pessoas encontra uma que ressoa com sua energia. Você... parece estar buscando algo que ainda não existe."

Indra apoiou as mãos no chão, tentando manter a respiração sob controle.

"É como se meu Qi... não soubesse dançar com essas músicas. Como se ele conhecesse outra canção."

Sophie sorriu, levemente.

"Talvez você precise compor a sua."

O silêncio que se seguiu foi denso, mas não desconfortável. Indra olhou para o manual aberto, as linhas perfeitas das técnicas tradicionais traçadas com exatidão secular. Ele respeitava aquilo. Mas sentia, com cada fibra de sua alma, que seu caminho era outro.

"Ainda assim..." — disse ele. "...não foi um treino inútil. Eu formei mais algumas Veias. Só... não as suficientes."

Sophie assentiu.

"Isso significa que você está pronto para continuar. E talvez... para começar a quebrar algumas regras."

Indra riu, fraco.

"Mal comecei e já estou criando problemas."

"Bem-vindo ao Outro Lado."

Um trovão soou lá fora, abafado pelas paredes, mas reverberando como um aviso distante. Indra fechou os olhos por um momento e, quando os abriu, estavam mais firmes. Mais decididos.

"Eu vou descobrir qual é o meu fluxo."

Sophie se levantou.

"E eu vou estar aqui quando você encontrar."

Ela estendeu a mão. Indra a pegou, e se levantou cambaleante.

As Veias Mágicas ainda incompletas vibravam dentro dele, como raízes crescendo em direção à luz. Seu corpo ainda doía. Sua mente ainda estava em choque.

Mas sua alma estava desperta.