Ignoro a mensagem de Theo. Não é hora para conversas, nem para alimentar rumores que só servem para me distrair do que realmente importa. O Sentinela em Foco continua fervendo com comentários sobre mim e Theo, mas eu passo pelos corredores da academia com o queixo erguido, olhos fixos no próximo objetivo. Não vim para Cetus para ser celebridade, muito menos para ser alvo de fofoca. Vim para buscar respostas, e, se possível, justiça.
A academia está elétrica. Os olhares se voltam para mim a cada passo, sussurros se espalham como fumaça. Não dou atenção. Minha mente está em outra frequência — nos rostos que perdi, nas perguntas que me assombram desde o dia em que minha vida virou pó. Minha mãe e Mike. O vazio que deixaram não será preenchido com distrações. Os culpados precisam pagar, e eu vou descobrir quem são.
O treino do dia é brutal, exatamente como eu queria. Repito cada movimento até os músculos arderem, até a exaustão me forçar a parar. O suor escorre pelo rosto, mas não limpo. Quero sentir cada gota, lembrar que estou viva, que ainda posso lutar. Lucian observa de longe, atento, mas não se aproxima. Sinto que há algo estranho no ar — uma tensão que não é só minha.
No meio da tarde, a movimentação na academia muda de tom. Murmúrios aumentam, alunos se agrupam em cantos, olhos atentos à entrada principal. Magnus, o comandante, entra acompanhado de dois seguranças. A presença dele é impossível de ignorar: alto, imponente, olhar frio e calculista. Ele não vem à academia sem motivo, e todos sabem disso.
Os Cavaleiros do Apocalipse são chamados para uma reunião na sala de comando. Tento não demonstrar interesse, mas minha curiosidade é maior. Aproveito a confusão e me posiciono perto da porta entreaberta, onde consigo ouvir parte da conversa.
— Quero que fiquem atentos a qualquer movimentação suspeita — diz Magnus, a voz baixa e firme. — Principalmente em relação ao professor Lucian. E fiquem de olho na Luna. Ela é mais importante do que imagina.
Meu coração dispara. Por que Magnus está preocupado comigo? O que sabem sobre mim que eu não sei? Sinto um frio na espinha, mas me obrigo a não sair dali até ouvir mais.
— Se alguém tentar se aproximar dela sem autorização, quero saber imediatamente — continua Magnus. — E lembrem-se, qualquer deslize pode comprometer toda a missão.
A conversa se dissolve em sussurros, e eu me afasto antes que percebam minha presença. Volto para o treino, mas agora cada olhar, cada gesto, parece carregado de segredos.
No final da aula, enquanto recolho meus equipamentos, percebo uma tensão no ar. Dante e Theo estão juntos no canto da arena, conversando em voz baixa, mas a linguagem corporal é clara: estão discutindo. Os dois são como forças opostas prestes a colidir. Theo gesticula, Dante mantém o olhar duro, os maxilares travados. Não consigo ouvir o que dizem, mas a atmosfera é densa, quase elétrica.
Alguns alunos percebem o clima e param para observar. Antes que a situação escale, Leo Voss aparece, seu jeito descontraído contrastando com a tensão dos dois. Alto, musculoso, pele oliva e cabelos escuros presos num coque estiloso, Leo é impossível de ignorar. Ele sorri, se coloca entre os dois e fala alto o suficiente para todos ouvirem:
— Ei, ei, calma aí, líderes! Se continuarem assim, vão acabar assustando as crianças. Que tal um pouco de paz e amor, hein?
A tensão se dissolve em risadas nervosas dos alunos ao redor. Theo revira os olhos, Dante resmunga algo inaudível, mas ambos se afastam, cada um para um lado. Leo pisca para mim, como se dissesse “deixa comigo”, e segue para o vestiário.
Ainda processando tudo, sigo para meu quarto. Mal fecho a porta, ouço batidas firmes. Abro e dou de cara com Dante, o olhar mais sério do que nunca.
— Posso entrar? — ele pergunta, a voz grave.
Assinto, surpresa. Ele entra, fecha a porta e fica em silêncio por alguns segundos, como se buscasse as palavras certas.
— Luna, eu sei que você não confia em ninguém aqui. Talvez tenha razão. Mas preciso te contar uma parte da verdade — ele começa, encarando o chão antes de me olhar nos olhos. — Tem muita coisa acontecendo em Cetus que você não faz ideia. E você está no centro disso, mesmo sem saber.
— Por quê? O que eu tenho a ver com tudo isso? — pergunto, sem esconder a irritação.
— Não posso contar tudo agora. Só quero que saiba que… nem todo mundo aqui é quem parece ser. E que você precisa tomar cuidado, principalmente com quem diz estar do seu lado.
Ele hesita, como se quisesse dizer mais, mas se cala. Antes de sair, lança um último olhar — um misto de preocupação e respeito — e fecha a porta atrás de si, me deixando com a cabeça fervendo de perguntas.
Decido procurar Clara. Preciso de respostas, nem que seja à força. Encontro minha amiga no jardim da academia, conversando com Kai. Eles estão próximos demais, rindo de algo que não entendo. Quando me aproximo, Clara se afasta rapidamente, mas já vi o suficiente.
— Clara, o que está acontecendo entre você e o Kai? — pergunto, direta.
Ela cora, hesita, mas não foge.
— Tá bom, vou ser sincera. A gente está… saindo junto, sim. Mas não é só isso. Estamos trabalhando juntos numa missão. Foi assim que ficamos próximos.
— Missão? Você nunca falou nada disso — rebato, sentindo a desconfiança crescer.
— Não posso contar muito, Luna. É confidencial. Mas posso dizer que tem relação com segurança da academia. E que o Kai é confiável, mesmo que pareça misterioso.
— Você confia mesmo nele? — insisto, olhando dos olhos dela para os de Kai, que apenas sorri, enigmático.
— Confio. E você precisa confiar em mim também.
Fico em silêncio por um momento, digerindo tudo. Minha amiga está envolvida em algo maior do que eu imaginava. E, de repente, percebo que estou cercada de segredos por todos os lados.
O resto do dia passa devagar, cada informação nova pesando na minha mente. As peças não se encaixam, mas sei que estou mais perto da verdade do que nunca. Quando finalmente me deito, o sono custa a vir. Fico olhando para o teto, pensando em Dante, Theo, Magnus, Lucian, Kai… e em tudo que ainda está oculto.
Na madrugada, acordo com uma notificação no tablet. Uma mensagem anônima, sem remetente, apenas uma frase:
“Nem tudo é o que parece em Cetus. Confie nos seus instintos.”
Meu coração dispara. Sinto que estou no centro de algo muito maior — e que a próxima escolha pode mudar tudo.