.6. Ecos na Sombra

A mensagem anônima ainda brilhava na tela do tablet quando o sol começou a nascer em Cetus. Não consegui dormir depois daquilo. Virei de um lado para o outro, repassando cada detalhe dos últimos dias, tentando encontrar sentido nas peças soltas desse quebra-cabeça. “Confie nos seus instintos.” Mas como confiar, quando tudo à minha volta parecia mascarado?

Me levantei antes do alarme tocar, vesti o uniforme e prendi o cabelo ruivo em um coque apertado. O reflexo no espelho me mostrou olheiras fundas, mas também uma determinação que não via há tempos. Eu não ia recuar. Não agora.

No refeitório, Clara já estava sentada, mexendo distraída no tablet. Sentei ao lado dela sem dizer palavra. O silêncio entre nós era confortável, mas carregado de perguntas não ditas. Ela percebeu minha inquietação.

— Você tá bem? — ela perguntou, baixinho.

— Recebi uma mensagem estranha ontem à noite — confessei, num sussurro. — Alguém sabe mais do que deveria. E eu não faço ideia de quem confiar.

Ela apertou minha mão sob a mesa, mas não insistiu. O olhar dela me dizia que também estava cheia de segredos.

A manhã seguiu arrastada. Os burburinhos sobre mim e Theo continuavam, mas eu simplesmente ignorei. Minha mente estava em outro lugar. Durante o treino, forcei meu corpo até o limite, como se a dor física pudesse silenciar o caos mental. Lucian observava de longe, e por um momento, tive a impressão de que ele tentava se aproximar, mas algo o fazia recuar.

No fim da aula, Magnus apareceu no ginásio, chamando todos os Cavaleiros do Apocalipse para uma reunião urgente. O clima ficou tenso. Vi Dante e Theo trocarem olhares rápidos antes de saírem juntos, seguidos por Leo, Kai e Rafe. O restante dos alunos ficou especulando, mas ninguém ousou se aproximar.

Tentei não demonstrar interesse, mas cada fibra do meu corpo queria saber o que estava acontecendo. Aproveitei o tumulto para circular pelos corredores, atenta a qualquer movimento estranho. Passei pela sala de comando e, mesmo sem ouvir nada, senti que meu nome estava sendo discutido ali dentro.

Quando os Cavaleiros saíram, Dante e Theo pareciam ainda mais tensos. Leo, sempre o pacificador, fazia piada, mas não conseguia disfarçar o nervosismo. Notei que Kai trocou um olhar rápido com Clara, e ela desviou o olhar, corando levemente.

Resolvi confrontar Clara assim que tivemos um momento a sós.

— O que você e o Kai estão escondendo? — perguntei, direta.

Ela hesitou, mordendo o lábio.

— Luna, eu queria poder te contar tudo, mas não posso. Só posso dizer que estou envolvida numa missão importante. E… o Kai está me ajudando. Confia em mim, por favor.

— Você está em perigo? — insisti, sentindo o sangue gelar.

— Não mais do que qualquer um aqui — ela respondeu, tentando sorrir. — Mas se eu souber de algo que te envolva, eu prometo que vou te avisar.

O resto do dia passou em um ritmo estranho, como se todos estivessem esperando algo acontecer. No treino da tarde, Magnus anunciou que alguns alunos participariam de um exercício especial de campo. Meu nome estava na lista, junto com Theo, Dante, Kai, Leo e mais alguns veteranos.

O exercício era simples: simular uma missão de resgate em uma área isolada da academia. Mas o clima entre os Cavaleiros era tudo, menos simples. Theo e Dante mal se olhavam. Leo tentava aliviar a tensão com piadas, enquanto Kai parecia analisar tudo em silêncio, os olhos escuros atentos a cada movimento.

Durante a simulação, fui designada para trabalhar em dupla com Dante. O silêncio entre nós era quase palpável. Ele me guiou pela trilha do bosque, atento a qualquer sinal de perigo.

— Por que você não me contou sobre a missão de verdade? — perguntei, quebrando o silêncio.

Dante parou, me encarando com aqueles olhos verdes intensos.

— Porque não posso. Não ainda. Tem coisas que nem você está pronta para saber, Luna. Mas eu prometo que estou do seu lado.

— Mesmo? Porque às vezes parece que todo mundo aqui tem uma agenda própria — retruquei, sentindo a frustração crescer.

Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos curtos.

— Eu entendo como você se sente. Mas confie em mim: você vai entender tudo em breve.

Antes que eu pudesse responder, ouvimos um barulho vindo da mata. Dante imediatamente ficou em posição defensiva, e eu fiz o mesmo. Não era parte do exercício. Senti um calafrio percorrer minha espinha.

De repente, Theo apareceu, ofegante, com expressão preocupada.

— Vocês ouviram isso? — ele perguntou, olhando ao redor.

Dante lançou um olhar de advertência para o irmão, mas Theo ignorou.

— Luna, fica atrás de mim — Theo ordenou, mas eu não me movi.

— Eu sei me defender — respondi, firme.

O barulho aumentou. Leo e Kai surgiram logo depois, armas de treinamento em punho. Por um instante, todos ficaram em silêncio, atentos ao menor sinal de ameaça.

Foi então que uma sombra se moveu entre as árvores. Rafe apareceu, rindo alto.

— Relaxem, era só um teste extra do Magnus — ele anunciou, sacudindo a cabeça. — Vocês estão tensos demais.

O grupo relaxou, mas a tensão entre Dante e Theo não diminuiu. Eles trocaram palavras baixas, quase inaudíveis, mas dava para sentir o conflito. Leo, sempre atento, se colocou entre eles.

— Vocês dois precisam resolver isso logo. Se continuarem assim, a próxima missão de verdade vai dar ruim — disse, com um sorriso forçado.

Voltamos para a academia ao anoitecer. Eu estava exausta, mas minha mente não parava. Tomei um banho rápido e fui para o quarto, pronta para finalmente descansar.

Mas, ao entrar, encontrei um novo bilhete sobre a cama. Letras recortadas, como antes:

“Você está sendo observada. Não confie em ninguém, nem nos Cavaleiros.”

Meu sangue gelou. Senti um arrepio percorrer a espinha. Quem estava me vigiando? E por quê?

Antes que pudesse reagir, ouvi uma batida suave na porta. Abri devagar e dei de cara com Lucian. Ele parecia nervoso, olhando para os lados antes de falar.

— Luna, preciso falar com você. Agora.

O tom dele era urgente, quase desesperado. Senti meu coração disparar.

— Sobre o quê? — perguntei, tentando soar calma.

— Sobre o que realmente aconteceu com sua mãe e Mike. E sobre o que estão escondendo de você em Cetus.

Fiquei paralisada por um segundo, sentindo o peso de tudo aquilo.

— Então fale — sussurrei, abrindo a porta para ele entrar.

Ele entrou apressado, fechando a porta atrás de si. Antes que dissesse qualquer coisa, outro bilhete escorregou por baixo da porta, como se alguém soubesse exatamente o que estava acontecendo ali dentro.

Peguei o bilhete, as mãos trêmulas.

“Se você confiar na pessoa errada, será o seu fim.”

Olhei para Lucian, que me encarava com os olhos arregalados. Pela primeira vez, vi medo genuíno naquele homem.

O próximo passo era meu. E eu sabia que, a partir dali, nada mais seria seguro.