CAPITULO 4 - ESSÊNCIA DA LEMBRANÇA

Era uma manhã nublada em São Paulo, mas na cabeça de Rafaela Kravett, o céu já havia fechado há dias.

Sozinha na varanda de sua cobertura , ela segura um envelope lacrado - o mesmo que, seis meses antes, havia mudado tudo. O contrato.

Aquele casamento com Laura não havia nascido do amor, e sim da estrátégia.

- Como eu vim parar nisso?, murmurou, com o café esfriando ao lado.

Voltemos no tempo.

Na época, o Império da família Kravett passava por uma transição delicada. O pai, Alberto Kravett

Estava prestes a anunciar publicamente sua saída do comando, e o conselho - formado por homens da velha guarda - ainda relutava em aceitar Rafaela como sucessora absoluta.

Eles queriam mais que competência. Queriam imagem. Estabilidade. Uma mulher de negócios casada, centrada, com aparente vida afetiva estável.

Foi nesse vazio que surgiu Laura.

Linda carismática, influente no meio agroecológico euroupeu, Laura conhecia as regras do jogo social. E mais: Estava envolvida num projeto internacional de sustentabilidade que renderia ` a Kravett o selo de Empresa Verde Global, abrindo portas para contratos bilionários.

O casamento foi oferecido como aliança: seis meses de convivência pública, eventos aparições. Em troca, a empresa dela seria absorvida pelo grupo Kravett com valorização tripla. E Rafaela receberia o apoio completo do conselho.

Era frio. Era lógico. Era Kravett.

- A gente simula uma paixão, sela um acordo, Se funcionar, quem sabe virar amor de verdade?

disse Laura com um sorriso enigmático.

E Rafaela. pela primeira vez em anos, hesitou. Ela nunca teve tempo de viver o amor como o povo comum. Suas paixões eram cifras, planilhas, leilões. Achou que talvez fosse suficiente.

Mas o amor não se compra.

- Você é bilionária, Rafa... mas não manda no seu proprio coração, ela ouviu da mãe uma vez, quando tudo ainda parecia seguro.

Agora ali, sentada sozinha, Rafaela folheava uma cópia daquele contrato. O prazo estava vencendo. 

O conselho já era dela. A empresa estava nos trilhos. Laura? Continuava encantadora... mas havia algo ausente. Algo que surgiria, meses depois, no sorriso tímido de Leticia, no brilho honesto da mulher que jamais exigiu contrato para amar.

Rafela rasgou o papel em três pedaçõs exatos. Um por cada erro:

Ter achado que amor pode ser planejado.

Ter ignorado os sinais de alerta no olhar de Laura.

Ter demorado demais para entender que o amor de verdade nunca viria com cláusulas.

Era o fim - e o início de um novo começo. Letícia nem imaginava, mas naquele exato momento, Rafaela já havia escolhido.