O Plano e a Promessa
A alvorada surgiu pálida sobre a floresta do norte, onde Kaela e Riven traçavam o esboço de uma guerra. O plano que crescia entre eles não era apenas ousado — era suicida. Se tivessem sucesso, poderiam libertar Lyra e expor os podres da Coroa. Se falhassem, seriam apagados da história como traidores e fantasmas.
Kaela estava agachada diante do mapa desenhado na terra com um graveto. Riven observava, calado, deixando que ela organizasse as ideias. O destino era a Torre de Drenor, a prisão mágica mais protegida do reino. Para entrar, precisavam da Marca de Celenya. E para isso, precisavam dela. Ou de algo que lhe pertencesse.
— A coroa. — Kaela falou de repente. — Não a verdadeira, mas a usada nas cerimônias da Fogueira Branca. Ela sempre toca nela com as mãos nuas. O sangue real fica impregnado.
Riven ergueu as sobrancelhas.
— E onde está essa coroa agora?
— No Santuário da Luz. Guardada por acólitos e protegida por encantamentos de fogo. Eu já estive lá. Conheço os turnos. Conheço os rituais.
Ele sorriu com pesar.
— Vai ser um furto, então. Contra tudo que você jurou proteger.
Kaela enrijeceu o maxilar.
— Eu jurei proteger a verdade. A verdadeira verdade.
Três dias depois, vestindo trajes de peregrinos e disfarces de poeira e humildade, Kaela e Riven chegaram aos portões do Santuário da Luz. As muralhas douradas refletiam o sol com força quase divina. Guardiões com lanças incandescentes faziam a ronda, olhos treinados para reconhecer mentiras e mentes fracas.
Mas Kaela era filha do fogo. E Riven, mestre da sombra.
Foram autorizados a entrar. Atravessaram os salões sagrados, ladeados por estátuas das antigas rainhas. A coroa estava numa redoma no centro do altar principal, sob um feixe constante de luz dourada. Kaela sabia que aquele brilho era um encantamento que derretia qualquer mão não autorizada.
— Precisamos desativar o selo. — Ela sussurrou enquanto fingia rezar ajoelhada.
Riven fez o mesmo ao lado dela.
— Isso é com você. Eu só sou bom em abrir portas. Você entende a linguagem da chama.
Kaela fechou os olhos e, em silêncio, murmurou a prece invertida. Uma das poucas que aprendera com Lyra antes da queda. Palavras esquecidas, proibidas. A língua da centelha.
O selo vibrou. A luz enfraqueceu.
Riven se moveu rápido como um sussurro e retirou a coroa da redoma com luvas encantadas. Esconderam-na sob o manto e levantaram-se.
Mas ao virarem para sair, deram de cara com um acólito. Jovem. Inexperiente. Mas com os olhos arregalados.
— Você...
Antes que ele falasse mais, Kaela o imobilizou com um toque preciso na base da nuca. O rapaz desmaiou.
— Não o machuquei. — Disse ela, vendo o olhar de Riven.
— Mesmo assim, o tempo correu contra nós.
E correram. Por corredores, escadarias secretas, passagens que Kaela conhecia de sua juventude como escudeira da Rainha. Quando alcançaram os portões traseiros, os sinos do santuário começaram a tocar. Tinham minutos, talvez segundos.
Montaram os cavalos e galoparam rumo às colinas do sul. Atrás deles, os guardiões gritavam ordens. Flechas cruzavam o ar. Riven foi atingido de raspão no ombro, mas não parou. Kaela o cobriu com o escudo que ainda carregava.
Quando finalmente alcançaram uma gruta segura, já estavam ofegantes, cobertos de suor, sangue e poeira.
Kaela examinou o ferimento dele.
— Vai ficar bem.
Riven fez uma careta, mas sorriu.
— Sempre fico. Você é quem preocupa. Quando você luta, parece querer morrer junto com o inimigo.
Ela não respondeu de imediato. Enfaixou o ombro dele com tiras de pano limpas e só então falou:
— Eu não luto pra morrer. Luto porque não sei mais quem sou se parar.
Riven encostou a testa na dela.
— Você é Kaela Viren. A mulher que vai atravessar o inferno por amor. E eu... estou atravessando com você.
Na noite seguinte, acamparam às margens do rio Vulmar. A coroa repousava sobre uma pedra, e Kaela derramava gotas de seu sangue sobre o metal.
— A Marca da Rainha precisa de um elo com a chama — ela explicou. — Meu sangue carrega resquícios da linhagem real por causa do juramento. A ligação entre mim e Celenya ainda não foi quebrada.
Riven observava, cauteloso.
— Isso pode matá-la.
Ela assentiu.
— Pode.
Mas não morreu. O sangue absorvido pelo ouro brilhou, e o selo da rainha brilhou sobre a coroa, como se reconhecesse Kaela. Um caminho fora aberto.
Riven sorriu, aliviado.
— Então agora, vamos à Torre de Drenor?
Kaela olhou para o horizonte, onde torres sombrias se erguiam sob nuvens vermelhas.
— Sim. Mas não como invasores. Vamos entrar como arautos da Rainha. E com a verdade queimando no bolso.
Na borda do deserto que circundava a Torre de Drenor, Kaela e Riven mudaram de vestes. Ela trajava novamente sua armadura escarlate — agora manchada, mas imponente. Riven vestia-se como um emissário da guarda interna, com emblemas falsos, mas convincentes.
O portão se abriu sob a autoridade da coroa cerimonial. A guarda não questionou. Não ousava. Eles eram esperados.
Não sabiam por quem.
No salão principal, foram recebidos por uma mulher de olhos de prata e pele marcada com linhas brancas: Comandante Nyra, a senhora da Torre.
— Vocês trazem o selo. Mas também carregam o cheiro da floresta. E da fuga. — Ela falou com uma voz sem pressa.
Kaela inclinou a cabeça.
— Viemos investigar uma prisioneira que pode conter segredos perigosos. Por ordem de Celenya.
Nyra os fitou com olhos que pareciam atravessar a carne.
— Então entrem. Mas lembrem-se: aqui, a verdade queima mais do que fora.
E as portas do subsolo se abriram.