O Eco da Prisão
O ar dentro da Torre de Drenor era denso, impregnado por umidade, magia contida e gritos que jamais saíam pela garganta. Cada passo de Kaela e Riven ecoava entre as pedras negras do subsolo como se o próprio castigo sussurrasse pelas paredes.
Comandante Nyra os guiava em silêncio, seu manto prateado flutuando como uma sombra líquida. Guardas com lanças de obsidiana os escoltavam. As runas nas paredes se acendiam e apagavam conforme passavam, como se sondassem suas intenções.
Kaela mantinha o rosto impassível, mas seu coração martelava. Ela sentia. Lyra estava ali. Em algum ponto entre aquelas celas encantadas, sua irmã respirava — ou o que restava dela.
Chegaram ao Núcleo Baixo, onde os prisioneiros considerados perigosos demais para o mundo eram trancados. Nyra parou diante de uma porta de metal negro, marcada com o símbolo da Coroa partida.
— Esta cela abriga a prisioneira Lyra Viren. Segundo registros, está em estado de isolamento absoluto há quatro anos. Seus poderes foram selados. Sua voz, suprimida por encantamentos. Sua memória, alterada.
Kaela sentiu os joelhos vacilarem. Quatro anos? Acreditava que fazia apenas dois desde que Lyra desaparecera durante a Queda do Templo.
Riven segurou seu braço, firme.
— Aguente. Estamos aqui.
Nyra estendeu a mão e desenhou um selo no ar. A porta rangeu e se abriu lentamente.
A cela era fria, iluminada por um cristal pálido no teto. No centro, uma figura magra estava ajoelhada, envolta em correntes mágicas. Cabelos escuros caíam como véu sobre o rosto. A pele estava pálida como cinza. Mas os olhos, quando se ergueram...
Eram âmbar. Como os de Kaela.
— Lyra... — Kaela murmurou, a voz desmanchando-se.
A prisioneira não reagiu de imediato. Como se o nome tivesse atravessado o tempo e só agora chegasse aos seus ouvidos. Lentamente, ela ergueu a cabeça. Os olhos vacilaram. Reconheceram. Tremularam.
— Kaela?
Kaela caiu de joelhos à frente da irmã, tocando suas mãos presas. As correntes vibraram, como se recusassem o toque.
— Sou eu, Lyra. Vim te buscar. Eu achei você.
Lentamente, lágrimas desceram pelos olhos de Lyra. Ela tentou sorrir, mas a expressão se contorceu de dor.
Nyra cruzou os braços.
— A prisioneira está vinculada ao Núcleo. Retirá-la daqui pode ativar os lacres de contenção e destruir metade da torre.
Kaela se levantou.
— Então desative os lacres. Agora.
Nyra a observou com frieza.
— Só por ordem direta da Rainha ou de Varun. E vocês não têm esse poder.
Riven, até então calado, puxou a coroa cerimonial de dentro do manto e a ergueu.
— A marca está aqui. O sangue de Celenya correu sobre esse ouro. É o bastante.
Nyra hesitou. Pela primeira vez, o impassível cedeu lugar ao receio.
— Isso é uma violação direta da autoridade da Coroa.
Kaela avançou.
— Tudo bem. Chame isso do que quiser. Mas se você não abrir essas correntes, eu vou.
Ela puxou a Lâmina da Verdade. A espada reluziu com fúria, detectando a tensão, a mentira que pairava no ar.
Nyra recuou um passo. Observou Kaela. Observou a espada. Depois, soltou um suspiro.
— Se ela sair... tudo mudará.
— Já mudou — disse Kaela.
Com um gesto, Nyra fez as runas nas correntes piscarem. Uma a uma, elas se desfizeram em cinzas. Lyra caiu para frente, amparada pelos braços da irmã.
— Estou aqui. Não vou soltar você. Nunca mais.
Saíram da cela sob olhares desconfiados. Riven ia à frente, guiando o caminho. Kaela levava Lyra nos braços. A irmã mal conseguia manter-se de pé. A cada passo, mais lembranças pareciam voltar a ela: o templo em chamas, o som da voz de Kaela, a traição.
Subiram dois níveis, chegando ao corredor principal. Mas foi ali que encontraram o verdadeiro obstáculo.
Varun.
O conselheiro da Rainha estava à entrada da torre, acompanhado por seis guardas encapuzados e dois magos da Orla Sombria.
— Eu sabia que a chama traria os vermes para perto da luz — ele disse com voz serena. — Mas confesso que esperava mais resistência.
Kaela se pôs à frente de Lyra, espada em punho.
— Você a torturou. Você apagou a mente dela. Eu vi o que fez. Vi nos fragmentos. Vi nas piras.
Varun sorriu com desdém.
— Tudo em nome da estabilidade. Às vezes, a verdade precisa ser apagada para preservar a ordem.
Riven deu um passo à frente.
— Nós vamos sair daqui com ela. E você não vai nos impedir.
Varun ergueu as mãos, e os magos começaram a murmurar feitiços. Mas, naquele instante, algo mudou.
Nyra surgiu atrás deles. Ergueu uma das lanças cerimoniais e cravou-a no chão.
— Chega de mentiras.
Varun virou-se, surpreso.
— Nyra?
— Ela pertence à Chama. E vocês... são apenas sombras.
Um dos magos avançou contra Nyra. Ela o derrubou com um golpe seco. Kaela e Riven aproveitaram a abertura. Começou a batalha.
Luz contra sombra. Fogo contra sangue.
Kaela dançava com a espada em chamas, abrindo caminho entre os soldados. Riven protegia Lyra, usando correntes mágicas para desviar ataques. Nyra enfrentava Varun diretamente, segurando a lança com a fúria de uma comandante ferida.
O salão tremia.
Então, Kaela chegou até Varun. A lâmina encontrou a carne. O conselheiro caiu de joelhos, sangue escorrendo pela boca.
— Você nunca entendeu — ele sussurrou. — O fogo... o fogo destrói todos.
Kaela cravou a espada.
— Só os que mentem.
Varun caiu.
O silêncio voltou à torre.
Horas depois, do lado de fora, sob o céu alaranjado, Kaela, Riven e Lyra deixaram Drenor. Nyra os observava dos portões.
— E agora? — perguntou Riven.
Kaela apertou a mão da irmã.
— Agora, a Coroa vai nos caçar. Celenya não ficará calada. Mas temos a verdade. Temos Lyra. E temos a chama.
Lyra, com a voz ainda fraca, murmurou:
— Vamos fazê-la queimar por justiça.
Kaela olhou para o horizonte.
— Queime, então. Por todos nós.