Vozes no Escuro
O combate em Brann havia acendido um sinal. Não apenas para a Rainha Celenya, mas para todos que ainda resistiam nas sombras. Varyn limpava o sangue dos degraus da antiga câmara subterrânea quando um novo visitante surgiu: uma jovem encapuzada, com um colar de pedra âmbar semelhante ao de Lyra.
— Sou filha do Arco do Norte — ela disse, com voz firme. — Meu nome é Sira. Fui enviada por Kaelen dos Lumes para encontrar a herdeira da Chama.
Kaela trocou um olhar com Lyra. Riven manteve a mão próxima da corrente presa ao cinto.
— Você tem provas dessa lealdade? — perguntou Lyra.
Sira ergueu o colar. A pedra brilhou intensamente diante do fragmento que Kaela carregava, ressoando com a mesma frequência.
— Somos do mesmo sangue — disse ela. — E o Norte está se erguendo.
Com Sira, vieram notícias. Tropas da Rainha estavam marchando sobre as Montanhas de Virinth, destruindo vilarejos que antes acolhiam antigos membros da Ordem do Fogo. O Conselho dos Lumes — antes disperso — começava a reunir forças, movido pelo rumor de que Kaela portava o fragmento e a espada Condutora.
— Eles querem te ver — disse Sira. — Querem te seguir. Mas também temem o que você carrega.
Kaela ponderou por longos minutos.
— Então irei até eles. Mas não como rainha. Nem como guerreira. Irei como filha da verdade.
A jornada até Virinth foi silenciosa. O grupo agora contava com mais três aliados trazidos por Sira: dois arqueiros e uma mestra em leitura de vestígios, que se chamava Elenn. A cada vilarejo que cruzavam, rostos surpresos se erguiam. Crianças apontavam. Velhos murmuravam bênçãos. A chama estava acendendo esperanças adormecidas.
Certa noite, acamparam junto às margens do Lago Prateado. Kaela se afastou e caminhou até as pedras negras que margeavam a água. Ali, a lua se refletia sem medo.
Riven a seguiu. Sentou ao lado dela.
— Está fugindo ou se preparando?
Kaela sorriu.
— Talvez os dois. A cada passo, me aproximo de algo que não pedi. Uma guerra, um símbolo, uma história que já parecia escrita. E tudo que eu queria era encontrar minha irmã.
— E encontrou. Mas agora você é mais do que isso.
Ela virou o rosto.
— Não quero ser mártir. Quero viver. E fazer com que ela também viva.
— Então lute por isso. Mas lute com todo o seu fogo, Kaela.
Os olhos dela se encontraram. Havia algo ali. Algo que queimava devagar.
— Riven... — ela começou, mas o som de galhos quebrando os interrompeu.
Sira apareceu, ofegante.
— Encontramos rastros. Espiões da Orla Sombria nos seguem desde ontem. Estão perto.
Kaela se levantou de imediato.
— Quantos?
— Ao menos seis. Magos. Estão usando véus de ocultação. Mas Elenn já está desfazendo os encantamentos.
A floresta ao redor se fechava como um santuário sombrio. Riven e Sira avançaram em silêncio, guiados por Elenn. Kaela permaneceu ao lado de Lyra, protegendo-a. As sombras começaram a se mover. Sussurros. Sibilos. Magia antiga roçando as folhas.
De repente, uma rajada atingiu Riven, jogando-o contra uma árvore. Três magos surgiram ao seu redor, conjurando correntes de sombra.
Kaela correu, a espada Condutora em punho. A lâmina brilhou, afastando o primeiro ataque. Sira disparou duas flechas encantadas, derrubando outro inimigo. Lyra, de mãos erguidas, convocou um círculo de calor que desfez a escuridão.
Foi um confronto rápido, mas intenso. Um a um, os espiões foram vencidos. O último deles, ao cair, murmurou:
— Vocês não sabem... a chave... não é única... há mais...
Kaela se ajoelhou ao lado dele.
— Fale. Que chave?
— A Rainha... quer o Coração de Orun. E só a linhagem certa pode despertá-lo...
Ele morreu antes de completar.
Riven se aproximou, ainda se recuperando.
— Coração de Orun?
Lyra franziu a testa.
— É um artefato perdido. Dizem que foi o receptáculo da primeira chama. Um artefato capaz de destruir — ou recriar — o mundo.
Kaela fechou a mão em torno do fragmento.
— E Celenya está atrás dele.
Sira assentiu.
— E nós precisamos achá-lo primeiro.
Kaela olhou para o céu.
— Então vamos correr contra o tempo. Que a chama nos guie pela escuridão.