A Canção do Vazio
O grupo viajava em silêncio pelas Trilhas do Sal, uma extensão desértica onde o chão era branco como cinza e os ventos assobiavam como lamentos. A cada passo, Kaela sentia o peso do fragmento pulsando com mais intensidade, como se se aproximassem de algo poderoso — ou perigoso.
Sira cavalgava à frente, guiando com firmeza. Elenn mantinha as mãos sobre os olhos, murmurando cânticos de rastreamento. Atrás, Lyra permanecia quieta, mas seus olhos estavam mais vivos. Riven não se afastava de Kaela.
— Esse lugar me dá calafrios — ele disse.
— Porque aqui dormem os ecos dos antigos — respondeu Elenn. — E alguns ainda sussurram.
Kaela não soube se aquilo era uma metáfora ou uma advertência literal. No mundo em que viviam, ambas as coisas se confundiam com facilidade.
Ao cair da noite, encontraram abrigo entre formações de sal cristalizado que se erguia como colunas. Elenn acendeu pequenas chamas azuis, silenciosas e sem fumaça. Sira se aproximou de Kaela com um pergaminho antigo.
— Encontramos isso nos arquivos de Virinth antes de fugirmos. Fala de um templo perdido no centro do deserto, onde dizem que o Coração de Orun repousa desde a Primeira Era.
Kaela analisou o mapa. Os símbolos antigos se alinhavam com os relatos de Lyra e com as visões que ela própria começava a ter em sonhos.
— Estamos no caminho certo.
Riven se aproximou.
— Mas se nós sabemos disso, Celenya também pode saber.
— Ela sabe — disse Lyra, se aproximando. — E se estivermos certos, ela mandou alguém mais poderoso do que Varun. Alguém que comanda os Lacrantes.
Kaela franziu a testa.
— Eles são apenas lenda.
— Não são — respondeu Lyra. — E um deles está vindo.
Na manhã seguinte, o grupo retomou a marcha. Ao meio-dia, alcançaram o que restava de um antigo altar cravado nas areias. Uma escadaria parcialmente soterrada descia até o interior da terra. Estava selada por um círculo de runas adormecidas.
Kaela colocou a mão sobre elas. O fragmento reagiu. As runas se acenderam. Um som grave ecoou.
— O templo está vivo — sussurrou Elenn.
Descenderam.
Lá dentro, o tempo parecia suspenso. Chamas flutuantes iluminavam corredores cobertos de inscrições. No centro de uma câmara circular, havia um pedestal com uma chama suspensa. Ela não queimava o ar — mas sim o tempo.
— Esse não é o Coração — disse Sira. — Mas é o Guardião dele.
Kaela se aproximou, sentindo o fragmento pulsar como louco. A chama flutuante sussurrou palavras em uma língua esquecida. Lyra murmurou a tradução:
— “Só aquele que arde sem consumir pode despertar o Orun.”
Kaela ergueu a espada Condutora. A chama a envolveu. Por um instante, ela foi levada a outro plano: viu-se caminhando por entre estrelas, ouvindo vozes ancestrais, sentindo o toque de milhares de vidas passadas.
— Kaela! — a voz de Riven a chamou de volta.
Ela caiu de joelhos. Sangue escorria de seus ouvidos. Mas em sua mente, uma certeza permanecia.
— O Coração está abaixo. Mas não está sozinho.
Riven a ajudou a se levantar. Lyra a examinou com cuidado. Estava exausta, mas viva.
— Precisamos decidir — disse Sira. — Se formos mais fundo, corremos o risco de ativar armadilhas ancestrais. Se voltarmos, podemos perder a chance de impedir Celenya.
Kaela se ergueu, ainda trêmula.
— Nós seguimos. Vi o que está em jogo. E se Celenya alcançar o Orun antes de nós... será o fim de tudo.
— Então preparem-se — disse Riven. — Porque o que quer que esteja lá... já nos sente chegando.