As Três Provas
A passagem aberta pelo Guardião revelava uma escadaria estreita e irregular, esculpida diretamente nas entranhas da terra. A escuridão era quase absoluta, mas havia um fio de luz alaranjada no fundo, pulsando com a mesma frequência do fragmento que Kaela carregava.
— Esse lugar foi feito para provar não a força, mas a essência — disse Lyra, enquanto conjurava esferas de luz para iluminar o caminho.
— Estamos sendo observados — murmurou Riven. — Há magia antiga nas paredes. Sinto como se o próprio templo nos pesasse com os olhos.
A escadaria terminou numa plataforma circular suspensa sobre um abismo. À frente, três portais de pedra se erguiam. Acima deles, inscrições em línguas esquecidas que Lyra traduziu em voz baixa:
— “Prova da Chama Interior.” “Prova da Memória Velada.” “Prova da Escolha Final.”
Sira se aproximou de Kaela.
— O Guardião disse que só você pode atravessar as três. Mas talvez possamos acompanhá-la em parte do caminho.
Kaela assentiu. Respirou fundo. E atravessou o primeiro portal.
A Prova da Chama Interior
Kaela se viu sozinha em uma sala vazia, onde a luz vinha de chamas flutuantes, e nenhuma sombra era lançada. No centro, uma versão de si mesma aguardava — idêntica em tudo, exceto no olhar. Aquela Kaela tinha olhos como carvão, sem brilho.
— Você queima por vingança — disse a duplicata. — Mas e quando a vingança acabar? O que restará?
Kaela ergueu a espada Condutora.
— Restará a escolha de ser melhor do que aquilo que enfrentei.
— Ou restará cinza.
A outra Kaela atacou. Cada golpe era espelhado, cada movimento familiar demais. Kaela percebeu que não bastava vencer: precisava aceitar. Deixou cair a espada. Estendeu a mão.
— Não somos inimigas. Somos cicatrizes da mesma chama. Mas eu não serei definida por ela.
A duplicata hesitou. E sorriu, antes de se dissolver em fumaça dourada. A sala desapareceu.
A Prova da Memória Velada
Agora, Kaela estava em sua antiga casa, ainda criança. O cheiro de pão no ar, a risada da mãe, Lyra correndo no jardim. Mas tudo estava enevoado, frágil como vidro prestes a rachar.
No centro da sala, sua mãe a esperava.
— Por que me deixou, Kaela? — perguntou ela, com lágrimas nos olhos. — Por que escolheu a guerra e não a vida?
Kaela sentiu o peso da culpa. Sentiu a dor de tudo o que perdeu.
— Porque se eu não lutar agora, ninguém mais terá a chance de viver como vivemos. Nem de rir, nem de sonhar.
Ela tocou a imagem da mãe. A névoa se ergueu, levando a memória com ela.
— E eu nunca te esqueci — sussurrou.
A porta se abriu. Um novo caminho surgia.
A Prova da Escolha Final
O último corredor era frio e sem cor. No fim dele, havia duas plataformas flutuando sobre o vazio. Em uma, Riven. Na outra, Lyra. Entre eles, o Orun — um cristal pulsante, irradiando poder ancestral.
Uma voz ecoou, sem origem:
— Uma vida pelo Coração. Escolha. Um viverá. O outro cairá.
Kaela caiu de joelhos. Chorou. Gritou. Mas a voz não cedeu. A prova exigia sacrifício.
— Não vou escolher — ela gritou. — Não sacrificarei quem amo para salvar o mundo.
Ela ergueu a espada e a fincou no chão. Canalizou o fragmento.
— Se é vida que o Orun exige, então tome a minha.
A energia explodiu.
Mas, ao invés de morte, houve luz. As plataformas se fundiram. Riven e Lyra correram até ela. O Orun pairou no ar e desceu lentamente, pousando em suas mãos.
Uma nova inscrição surgiu nas pedras ao redor:
— “Aquele que se oferece por todos... é o escolhido de todos.”
Kaela caiu de joelhos, exausta, mas o Orun agora estava com ela. A terceira prova havia terminado.
— Conseguimos — disse Riven, segurando-a.
— Agora, precisamos sair daqui antes que o Lacrante nos alcance — disse Lyra, já escutando ecos de passos acima.
O templo começava a tremer. O verdadeiro desafio estava por vir.