O Peso do Silêncio

O silêncio foi a primeira coisa que notei. Um silêncio denso, pesado, que pressionava meus tímpanos, mais opressor do que qualquer som. Não era o silêncio da noite em Oakhaven, pontuado por gritos distantes e o ranger de carroças, mas um vácuo absoluto que parecia sugar o ar dos meus pulmões, deixando-me tonto e desorientado. Era o oposto do caos que ecoava em minha memória. O cheiro de cobre e vísceras que impregnava o beco havia sido substituído por um aroma suave de lavanda e madeira polida, um perfume tão limpo que parecia estranho, quase ofensivo. Meus sentidos, um por um, estavam sendo apagados e reescritos. O último som que eu lembrava era o meu próprio grito de horror, mas agora, na beira da consciência, eu podia ouvir algo mais. Uma voz distante, abafada, gritando em desespero. "Não... Fique longe! O que é você?!" A voz do guarda. E então, nada.

Abri os olhos. O teto acima de mim era de um branco imaculado, com entalhes de gesso formando espirais complexas que meus olhos lutavam para focar. Eu estava deitado em uma cama, sob o peso de um edredom de seda que parecia mais macio do que qualquer coisa que eu já tivesse tocado. O toque era tão suave que me causava uma estranha repulsa, um conforto que eu não sentia merecer, quase uma traição à miséria que eu conhecia. O quarto era vasto, decorado com móveis escuros e elegantes de madeira escura polida, com detalhes em prata que brilhavam sutilmente. Uma tapeçaria intrincada cobria uma das paredes, retratando uma floresta serena em tons de verde e prateado, e um lustre de cristal pendia do centro do teto, suas facetas capturando a pouca luz que filtrava pelas cortinas pesadas. Cada peça de mobília – a escrivaninha ornamentada, as cadeiras estofadas em veludo, os armários de mogno – exalava uma riqueza que parecia valer mais do que tudo que eu já possuíra em minha vida em Oakhaven, onde a sujeira e o desespero eram a única moeda. Uma desconfiança imediata se instalou: qual era o preço de tanto luxo? Quem me traria para um lugar assim?

Onde estou?

O pânico começou como uma faísca fria em meu estômago. Sentei-me abruptamente, o mundo girando violentamente. Por um instante, o conforto da seda e o cheiro de lavanda lutaram contra as sombras da minha mente, uma batalha perdida. O quarto luxuoso vacilou, as paredes parecendo se curvar e os entalhes do teto se retorcerem, e então, flashes brutais tomaram conta. O beco. O sorriso de Valerius. O som úmido e doentio do porrete.

Elara.

O nome dela explodiu em minha mente, e a realidade me atingiu com a força de um aríete. O sangue na calçada. Seus olhos vazios. Minhas mãos. A luz vermelha. A luz... ela não tinha som, mas uma vibração, um zumbido que parecia ecoar em meus próprios ossos, quente e frio ao mesmo tempo. Era uma força que eu não entendia, que eu não queria. Tentei, em desespero, recriar a sensação, controlá-la, mas ela era um fantasma, uma memória aterrorizante que me assombrava. Eu a feri? Atingi-a com aquela coisa? A incerteza era um tormento.

Um grito rasgou minha garganta, um som cru, animal, que não parecia meu. Era o som de um mundo se partindo. Eu me agarrei aos lençóis de seda, o tecido fino parecendo queimar minha pele. "Não, não, não, não..." A palavra se tornou uma ladainha sem sentido, um mantra contra a verdade que me sufocava. Eu a vi cair de novo e de novo, cada repetição mais nítida, mais insuportável. Eu a matei? O capanga a atingiu, mas aquela luz... ela veio de mim. Será que eu também a feri? O horror de ter criado aquilo... a incerteza era um tormento. A dor era uma coisa física, uma garra de gelo apertando meu coração, quebrando minhas costelas. Eu era um monstro? O que eu havia me tornado? O pânico de ter matado o capanga era real, mas o terror de ter ferido Elara, de ter causado sua queda com aquela luz, era uma agonia muito mais profunda, um buraco negro em minha alma. Meus dedos roçaram meus braços, sentindo as ataduras que cobriam queimaduras e arranhões, um lembrete físico do que havia acontecido. Apenas uma exaustão profunda, como se cada fibra do meu ser tivesse sido drenada.

Eu estava no meio de um berro, o rosto molhado de lágrimas e suor, quando percebi um movimento periférico. Na porta entreaberta, uma figura feminina me observava. Por um instante, vi orelhas pontudas se contorcendo sobre longos cabelos escuros e uma cauda longa e fina se movendo lentamente. Mas meus pensamentos eram um redemoinho de agonia, um turbilhão que não me permitia focar. A figura hesitou, seus olhos expressando um lampejo de surpresa e uma profunda preocupação enquanto observava meu surto incontrolável. Ela recuou silenciosamente, o corpo tenso em um gesto de respeito à minha dor, antes de fechar a porta com um clique suave.

O som do clique me trouxe de volta, por um instante. O grito morreu em minha garganta, substituído por soluços secos e ofegantes. Elara. Eu precisava voltar. Precisava vê-la. Talvez ela estivesse bem. Talvez fosse tudo um pesadelo.

De forma irracional, joguei o edredom para o lado e tentei sair da cama. Minhas pernas cederam no mesmo instante. Eram fracas, inúteis, como se os músculos tivessem se dissolvido. Caí no tapete macio, a fraqueza me humilhando. Rastejando, chorando, eu me arrastei em direção à porta. Eu tenho que voltar. Tenho que ter certeza.

Mal consegui me apoiar na maçaneta quando a porta se abriu para dentro.

A figura que apareceu era a antítese do meu caos. Um jovem, talvez não muito mais velho que eu, com cabelos prateados que pareciam captar a pouca luz do quarto. Seus olhos eram de um azul celeste magnífico. Ele usava roupas que eu só tinha visto nos nobres mais ricos: uma camisa impecável, um colete de brocado e um sobretudo escuro que caía perfeitamente sobre seus ombros. Uma cartola e luvas brancas em uma das mãos completavam o conjunto. Ele exalava uma elegância que não pertencia ao meu mundo.

Ele me viu ali, uma bagunça patética no chão, e seus olhos azuis se encheram não de desprezo, mas de uma compaixão calculada. No momento em que tentei me levantar, minhas forças me abandonaram por completo. Eu caí para frente.

Mãos fortes, cobertas por luvas, me seguraram antes que eu atingisse o chão. Ele me amparou com uma facilidade surpreendente, seu toque firme, mas gentil.

— Cuidado — sua voz era suave, melódica. — Você não está em condições de se levantar.

— Fique longe de mim! — gritei, a voz rouca. Tentei empurrá-lo, mas meus braços não tinham força. — Onde ela está? ONDE ESTÁ A ELARA?

— Por favor, acalme-se. Você está seguro aqui — ele disse, ignorando minha hostilidade e me ajudando a me ajoelhar, já que ficar de pé era impossível. Ele manteve uma mão em meu ombro, me estabilizando. — Respire. Tente respirar.

— Respirar? — Eu ri, um som que se partiu em um soluço. — Ela não está respirando! Eu a vi! Eu a vi cair! Onde ela está? Me diga!

Ele me observou por um longo momento, seu rosto uma máscara de polidez e pesar. A forma como ele hesitou, a maneira como seus olhos azuis se desviaram por uma fração de segundo, me disse tudo antes que ele abrisse a boca.

— Kael... — ele começou, a voz ainda suave, mas com um peso de granito. — O que quer que tenha acontecido naquele beco... o que quer que você tenha feito... deu um fim oficial a ela.

As palavras dele não foram cruéis, mas foram cirúrgicas. Elas cortaram através da minha negação e atingiram o cerne do meu terror. O que você fez. Ele não disse que os guardas a mataram. Ele não disse que o poder a matou. Ele disse que eu dei um fim a ela. A ambiguidade era uma tortura. A luz vermelha... ela estava perto de mim. Será que a atingiu também?

A força me deixou completamente. Desabei, o rosto contra o tapete, e a dor finalmente me consumiu. — Fui eu — sussurrei para as fibras do tapete. — Eu a vi... nós estávamos correndo... ela me disse para não deixar que me apagassem... e então... a luz... — As palavras saíam de mim, uma torrente de agonia e culpa, mas uma parte de mim, um instinto de sobrevivência nascido nas ruas de Oakhaven, gritava para que eu me calasse. Falei da risada dela, de como ela sempre sabia quando eu estava mentindo, da sensação doentia daquele poder explodindo de mim. Mas sobre a caverna, sobre o sussurro... um cadeado de gelo se formou em minha garganta. Eu não conhecia aquele homem. Não sabia o que ele queria. Minha dor era real, mas meus segredos ainda eram meus.

O homem de cabelos prateados esperou pacientemente. Quando meus soluços se acalmaram, ele falou novamente, a voz um bálsamo inesperado. — O luto é um veneno, Kael. Deixe-o sair. Não o guarde dentro de si.

Levantei a cabeça, os olhos inchados, a desconfiança a lutar contra a exaustão. — Quem é você?

— Meu nome é Misuki.

A imagem do beco voltou à minha mente. A figura alta, observando das sombras. — Foi você... no beco?

Misuki balançou a cabeça, um sorriso fraco e autodepreciativo tocando seus lábios. — Não. Aquele era meu amigo. Acredite em mim, se fosse eu ali, com minha notável falta de aptidão para o combate, nós dois estaríamos mortos. Eu sou útil em outras coisas. Meu amigo, Jhonny, o viu... a situação... e o trouxe para cá.

— Jhonny... — repeti, o nome estranho em minha língua. — O que aconteceu? O que era aquilo... que saiu de mim?

Misuki suspirou, a leveza desaparecendo de seu rosto. — Eu adoraria lhe dar uma resposta clara, com um floreio dramático e uma sabedoria ancestral. — Ele fez uma pausa, e por um segundo, um brilho irônico dançou em seus olhos. — Mas a verdade é que... eu não faço a menor ideia.

O tom sério retornou. — No entanto, eu tenho uma teoria. O que você descreve não soa como um feitiço ou um ritual. Isso exige anos de estudo, componentes, foco. Você é jovem demais. O que aconteceu com você foi... primal. Violento. Incontrolável. Isso, Kael, se assemelha a uma maldição. Uma força adormecida que foi despertada por algo.

Uma maldição. A palavra ecoou em minha mente. Lembrei-me dos contos sussurrados em Oakhaven, histórias de velhas que se transformavam em feras à noite, ou de homens que faziam pactos com entidades sombrias para obter poder, apenas para serem consumidos por ele. Eu era um desses? Uma criatura amaldiçoada, destinada a destruir tudo o que tocava? O pensamento me gelou até os ossos. E a culpa... se eu não tivesse insistido em ir àquela caverna, nada disso teria acontecido.

Nesse momento, ouvimos duas batidas suaves na porta. Ela se abriu e a mesma mulher que eu tinha visto antes entrou. De perto, seus traços felinos eram mais distintos. Orelhas de gato pretas e aveludadas se moviam sutilmente sobre seus cabelos escuros, e uma cauda longa e elegante balançava atrás dela com uma graciosidade quase felina. Ela estava vestida com um uniforme simples, mas impecável, de uma empregada. Apesar da roupa, ela se movia com a graça de uma rainha, cada passo silencioso e deliberado.

— Misuki — sua voz era como veludo, calma e firme. — Perdão pela interrupção. O senhor Jhonny solicita sua presença. Houve um problema.

Misuki assentiu. — Entendido. — Ele se virou para mim. — Descanse, Kael. Você está na casa de um amigo. Não precisa se preocupar com nada. Lyara cuidará de você.

— Lyara? — olhei para a mulher-gato. Uma bestial. Na cidade, eles eram párias, escravos, coisas a serem temidas ou exploradas. Mas ela... ela era diferente. Havia uma dignidade nela que eu nunca tinha visto em sua espécie, uma serenidade que contrastava com a brutalidade que eu associava à sua raça.

Misuki saiu, e Lyara se aproximou. Seus olhos vermelhos me avaliaram com uma calma que me deixou sem jeito, mas sem julgamento.

— Você precisa de algo? Água? — ela perguntou, sua voz suave como a seda.

— Não... eu... — gaguejei, subitamente consciente da minha sujeira, do meu desespero. A beleza dela, a forma como era bem cuidada, me deixou constrangido. Mas a imagem de Elara, ensanguentada no chão, rapidamente apagou qualquer outro sentimento, substituindo a vergonha por uma dor lancinante que me roubou o fôlego.

Ela pareceu entender, um leve aceno de cabeça. — A perda é uma ferida que não se fecha facilmente. Permita-se sentir. Não há vergonha no luto.

Conversamos um pouco, ou melhor, ela falou com uma sabedoria tranquila e eu murmurei respostas, ainda preso em minha própria névoa de dor. Sua presença era estranhamente reconfortante, mas a gentileza dela era um luxo que me fazia sentir ainda mais culpado. Cada palavra calma dela era um contraste com o último grito de Elara.

— Você está com fome? — ela perguntou por fim, a voz gentil.

A pergunta me pegou de surpresa. — Comida? Vocês... vocês vão gastar comida comigo? O inverno está chegando...

— Não se preocupe com isso — disse ela, um sorriso sutil em seus lábios. — Temos mais do que o suficiente. Você é um convidado. — Com um movimento fluido, ela se virou para uma pequena mesa lateral. Antes de pegar a jarra, seu olhar se fixou num copo de cristal por alguns segundos. Suas orelhas se moveram sutilmente e a cauda abanou um pouco, como se um instinto momentâneo a fizesse hesitar, mas ela logo se recompôs. Pegando a jarra e o copo, serviu-me a água com gestos delicados. Era fresca, e o cristal, fino como eu nunca havia tocado. — Espere aqui, vou lhe trazer algo leve.

Ela se retirou. Fiquei sozinho com meus pensamentos, um mar de luto e confusão. A janela estava coberta por cortinas pesadas. Onde diabos eu estava?

Um impulso me dominou. Precisava saber mais. Trêmulo, me levantei, usando a cama como apoio, e manquei até a porta. Girei a maçaneta lentamente, abrindo apenas uma fresta. O som de vozes veio do corredor. A de Misuki, e outra, mais grave e ríspida, que presumi ser a de Jhonny.

— ...instável. O poder que ele liberou... não é natural, Misuki — disse a voz ríspida de Jhonny. — Ele é um perigo para si mesmo e para nós. Trazê-lo para cá foi um risco que você nos fez correr.

— Um risco calculado, Jhonny — respondeu Misuki, a voz calma, mas com um tom de aço. — O que ele possui é algo que não vemos há séculos. Ele não é um perigo, é uma oportunidade. Uma chave.

— Uma chave que pode explodir na nossa cara! — retrucou Jhonny. — Ele não pode saber a verdade sobre o que ele é. Seria perigoso demais. Ele precisa ser contido, estudado à distância.

— Contido? — A voz de Misuki tinha um toque de desdém. — Não se contém uma tempestade, Jhonny. Aprende-se a navegar nela. E eu pretendo ser o capitão deste navio.

Meu coração gelou. A porta se fechou com um clique em minha mão trêmula, e eu recuei para a escuridão do quarto. Eles não estavam a discutir a minha segurança; estavam a discutir a minha utilidade. Um espécime. Uma chave. Uma tempestade. A dor da perda de Elara, que já era um oceano, foi subitamente invadida por um novo tipo de pavor. O medo de que a verdade sobre o que eu sou seja algo que Elara teria odiado. E se ela morreu para proteger um monstro? A gentileza deles, o quarto luxuoso, tudo parecia agora uma jaula dourada. E a memória dela, a minha única âncora, ameaçava tornar-se o peso que me afogaria.