A escolha é um sussurro

A confusão era uma névoa densa em minha mente, um turbilhão de medo e suspeita que tornava difícil respirar. A gentileza deles e o luxo do quarto pareciam apenas uma fachada, um conforto que escondia o perigo real. Tentei me acalmar, focando no toque suave do tapete sob meus dedos, mas o pânico era uma maré crescente em meu peito. Uma chave. Um espécime. Uma tempestade a ser navegada. As palavras deles ecoavam, retorcendo a preocupação que demonstravam em algo sinistro.

Nesse instante, a porta se abriu com um clique suave e Lyara entrou, carregando uma bandeja de prata. Ao me ver encolhido no canto mais distante do quarto, uma sombra de pânico e dor em seus olhos, ela parou. Com uma delicadeza deliberada, depositou a bandeja em uma mesa lateral e se aproximou, mas manteve uma distância respeitosa, como se eu fosse um animal assustado que poderia fugir ao menor movimento brusco.

— O que houve? — sua voz era um murmúrio aveludado. Antes que eu pudesse responder, ela continuou, a voz tingida de uma urgência tranquilizadora. — Vai ficar tudo bem, Kael. Nada vai acontecer com você. Nós vamos protegê-lo, vamos ajudá-lo.

As palavras, que deveriam ser um bálsamo, soaram ocas. — Eu ouvi — minha voz saiu rouca, um fiapo de som. — Ouvi a conversa no corredor.

Lyara entendeu imediatamente. Uma compreensão profunda suavizou suas feições. — Ah. Jhonny... ele só está preocupado. Alguém tão... especial como você, aparecendo de repente. Ele não o conhece. E Misuki... ele é quem comanda as coisas por aqui. Ele vai resolver tudo, você vai ver.

— O problema é como ele vai resolver — retruquei, a voz ganhando uma ponta de desespero contido. Eu não gritei, não discuti; estava confuso demais para sentir raiva, perdido em um mar de incertezas. — Eles não falavam de mim como uma pessoa. Era como se eu fosse um utensílio, algo a ser usado, estudado. Jhonny disse que sou um perigo para mim mesmo e para vocês. Ele disse que eu não posso saber o que eu sou. Que merda eu sou, Lyara?

Ela se aproximou um pouco mais, a calma em seus olhos vermelhos uma âncora em minha tempestade. — Ninguém vai te usar contra a sua vontade, Kael. Eu confio neles, e posso dizer que você também pode. Se quiser ir embora, eles vão deixar. Claro, não iriam recomendar. Pelo que fiquei sabendo... — ela hesitou, escolhendo as palavras com cuidado. — ...você deve ser um amaldiçoado. E maldições são como doenças malignas, podem tirar sua vida e a de outros a qualquer momento. Então, sim, eles preferem te estudar para entender. Já o Misuki... — um pequeno sorriso divertido brincou em seus lábios. — ...ele, na verdade, vai querer te treinar.

A palavra me pegou de surpresa. — Treinar? O que vocês são?

— Eu fui salva por Jhonny. Sou uma das pessoas que ele ajudou, e por isso, ajudo no que for preciso — ela explicou com simplicidade. — Misuki e Jhonny são como irmãos. Melhores amigos. Em geral, eles buscam ajudar o máximo de pessoas possível neste mundo corrompido. Mas me diga, Kael, você acredita no que não pode ser explicado? Em coisas que não são... naturais?

Bufei, um som baixo e amargo. — Eu só acreditava no que via, no que tinha certeza. Mas agora... eu não sei. O que aconteceu comigo não foi natural. E se Misuki disse que não tem como explicar, e agora você fala de maldições... Se fosse antes, eu chamaria de louco quem acreditasse nisso. Agora, não posso dizer a mesma coisa.

— Bom... existe muita coisa que não pode ser explicada — continuou Lyara, seu tom paciente, como uma professora. — E infinitas coisas que talvez nunca descubramos. O mundo é vasto. A questão é duvidar, mas não desacreditar completamente. Leve como uma opinião a ser considerada. Você já ouviu lendas de lobisomens, vampiros e outras coisas, certo?

Confirmei com um aceno de cabeça, a mente girando com a torrente de informações.

— Quase sempre, são todas verdade — ela disse, como se falasse do clima. — Esses seres existem. Nós os chamamos apenas de Seres. Entidades compreendidas, com uma lógica e uma razão para existir. E coisas como fantasmas? Você acredita? Já viu?

— Não — respondi, tentando manter o foco. — Mas se lobisomens existem, então eles devem existir também, certo?

— Não exatamente — corrigiu ela. — Mas sim, eles também são reais. Só que os categorizamos de forma diferente. Esses são Seres Incompreendidos, cujo contato pode fazer sua sanidade se esvair e, inevitavelmente, te arrastar para a morte. São criaturas com suas próprias lógicas, nós os chamamos de Inexplicáveis. Sua maldição se encaixa em algo parecido. Algo que não pode ser simplesmente explicado. E há outra coisa também. Chamamos de Oculto, para representar tudo que está além dos nossos cinco sentidos, do nosso entendimento. Por exemplo, a Energia Oculta. Existem várias, e quase nenhuma foi descoberta. A mais comum para nós é o Etherium, a energia responsável por feitiços e rituais. Acreditamos que ela também pode ser responsável pela sua maldição, e pela energia que você manipula. Como em contos de fantasia, você já leu? Magia?

Balancei a cabeça. — Nunca li livros assim. Na verdade, quase nenhum livro.

Lyara me repreendeu com um olhar cômico. — Um crime! Se você ficar aqui, farei questão de que leia. É uma promessa.

A pequena cena, a leveza em sua voz, foi exatamente o que eu precisava. A tensão em meus ombros diminuiu, e pela primeira vez desde que acordei, um pingo de alívio se instalou em meu peito. No exato momento em que voltávamos a conversar, Misuki entrou pela porta, uma expressão de puro prazer e excitação no rosto.

— Kael! — ele exclamou, sem nem notar o clima no quarto. — Você tem duas escolhas! Me servir e me ajudar, ou ser meu amigo e me ajudar! O que me diz? — sua voz era séria, mas ele mal continha a vontade de rir.

Então, seu olhar finalmente caiu sobre nós. Sua expressão de felicidade se desfez, substituída por uma de confusão. Ele nos viu, eu no chão e Lyara perto demais, em uma proximidade que poderia ser mal interpretada. Ele levou a mão à boca, a cara contorcida em um pedido de desculpas embaraçado.

— Oh! Mil perdões! Atrapalhei algo? Vou deixar vocês a sós.

Eu não tinha percebido até ele falar, mas quando Lyara tinha chegado tão perto? Um susto de pura vergonha me fez dar um pulo para trás, e minha cabeça bateu com força em um móvel. A dor e o constrangimento me fizeram gemer enquanto Misuki, com aquela expressão, caminhava para a porta. — Não é isso! — gritei, e os dois caíram na gargalhada.

Misuki se virou novamente, o sorriso sumindo e a seriedade retornando. — Olha, conversei e pensei um pouco. Não vou forçá-lo a nada. A escolha é sua. Ficar conosco ou ir embora. Nós já o salvamos, não precisa nos retribuir. É o que fazemos. Se ficar, vamos acolhê-lo como parte da família, ajudá-lo a entender sua maldição e apoiá-lo no que quiser fazer da vida. Em troca, pediremos que nos ajude com nosso... trabalho. Apenas no que você puder, sem forçar nada. Mas você também pode ir embora. Só que não poderemos garantir sua segurança. Não posso prometer que ficará tudo bem. Pelo que vimos, você está instável. Sua maldição precisa ser contida, ou pode fazer mal a você... e a qualquer um à sua volta.

A imagem de Elara, de seu corpo caindo, atravessou minha mente como uma lâmina de gelo.

— Você é livre para decidir — concluiu Misuki. — Mas, sinceramente, minha opinião é que você fique. Para descobrirmos juntos o que é isso e evitarmos mais... problemas.

Ele me deixou com essa escolha impossível. O silêncio no quarto era pesado, cheio de motivos válidos para qualquer uma das opções. Pouco depois, Misuki disse que me deixaria pensar e que eu precisava descansar. Todos saíram, mas antes de fechar a porta, Misuki me lançou um último olhar. Havia pena e preocupação em seu rosto.

Sozinho, me sentei na cama, a cabeça entre as mãos. Ir embora? Para onde? De volta para Oakhaven, para a cidade que era uma prisão a céu aberto? Para o Doutor Aris, colocando-o em perigo? Eu era uma bomba-relógio. Ficar? E me tornar uma "chave"? Um rato de laboratório para a curiosidade deles? Mas eles me ofereceram uma família, um propósito. A memória de Elara era uma faca de dois gumes. Ficar significava honrar seu sacrifício, usar esse poder para que ninguém mais morresse como ela. Mas e se a verdade sobre mim fosse algo que ela odiaria? E se ela morreu para proteger um monstro?

O conflito me rasgava por dentro. Pouco tempo depois, batidas calmas soaram na porta. — Posso entrar? — a voz grave e ríspida era de Jhonny.

Eu já estava perto de uma decisão. — Pode.

Jhonny entrou. Tinha cabelos castanhos escuros e ondulados, que caíam de forma despojada sobre a testa, com uma mecha mais longa que passava por cima de um dos olhos, movendo-se levemente quando ele se inclinava. Devia ter por volta dos 27 anos e usava roupas sociais de nobre, em tons de marrom. Seus olhos prateados eram penetrantes, de um tom que, por um instante, me lembrou os meus próprios. Ele usava brincos pretos sem nenhum desenho aparente. O rosto era bonito, definido, e ele emanava uma força contida. Ele caminhou em minha direção. — Você está bem?

Confirmei com um aceno. Ele parecia sem saber o que dizer. — Obrigado — falei baixo. — Por ter me salvado. — Gostaria de ter chegado antes — ele respondeu, a voz carregada de um peso não dito. — Fico feliz que esteja bem. Aqueles caras não vão mais incomodar ninguém por um bom tempo. E se havia alguém importante para você lá... essa pessoa estará segura.

As palavras dele me lembraram de novo de Elara, a única pessoa com quem eu realmente me importava. Mas então, lembrei do Doutor Aris, e um pequeno alívio me invadiu. Pelo menos ele estaria a salvo, ao menos daquelas pessoas. Torci para que sim.

Jhonny respirou fundo, parecendo sem jeito. — Você já se decidiu? — Antes que eu pudesse responder, ele me cortou. — Se ficar, vai aprender a usar isso para lutar. Para não deixar que pessoas como sua amiga morram. Não faça a morte dela ser apenas uma desculpa para você prolongar uma vida inútil. Faça valer a pena. Faça com que a única vida que ela salvou possa salvar centenas. Pense nisso. Eu mesmo vou te treinar. E o Misuki... ah, ele vai te usar, mas você releva. Não quero sua resposta agora. Na janta, você me diz.

Ele saiu, deixando suas palavras ecoando no quarto. O tempo passou. Mais tarde, Lyara apareceu novamente. Ela usava um vestido preto casual que a deixava ainda mais bonita, o que me deixou encantado por alguns instantes. Ela me chamou para jantar, dizendo que eu já deveria conseguir andar, mas que me ajudaria se precisasse. E de fato, eu me sentia um pouco melhor, as pernas mais firmes.

Ela me guiou por corredores luxuosos. — Você está bonita com esse vestido — comentei, e ela agradeceu com um sorriso.

Chegamos a uma sala de jantar magnífica. Misuki e Jhonny já estavam à mesa. Lyara também se sentou conosco. Começamos a comer, e eu devorei a comida como se não houvesse amanhã. Era a refeição mais deliciosa que eu já havia provado. Conversando, descobri que Jhonny a havia preparado. Ele parecia mais leve, quase feliz. — Que bom que gostou da minha comida. Se precisar ou quiser qualquer coisa, é só pedir. A mesa tinha comida suficiente para alimentar um exército.

O tempo passou em uma conversa surpreendentemente normal. Então, Misuki perguntou: — E então, Kael. Já se decidiu?

Respondi que sim. O drama e o suspense pairaram sobre a sala. — O que você escolheu, então? — ele insistiu.

Eu respirei fundo. — Perder a Elara... ela se protegeu para salvar um imprestável como eu. E eu fiquei para trás. Que tipo de amigo faz isso? Eu não entendo nada disso, e tenho medo do que posso descobrir. Tudo isso... é demais para mim. — Minhas palavras pareciam um prelúdio para uma recusa, a sala ficou em um silêncio tenso. — Mas... eu vou ficar.

O silêncio foi quebrado por um sorriso lento que se formou nos lábios de Misuki. Por um instante, pareceu maligno, e um calafrio percorreu minha espinha. E se eles tivessem mudado de ideia? Eu mal os conhecia.

— Eu não tenho para onde voltar — continuei, a voz mais firme. — Se essas coisas existem e vocês lutam contra elas... se vocês podem impedir que pessoas incríveis como Elara morram... eu vou ajudar. Se eu puder fazer algo, qualquer coisa, eu fico.

De repente, Misuki se levantou em um pulo que assustou a todos, quebrando o silêncio com uma comemoração ruidosa. — BEM-VINDO! BEM-VINDO À FAMÍLIA! EU VOU TE TREINAR E VAI SER INCRÍVEL!

Um alívio imenso me inundou. O rosto de Jhonny se abriu em um sorriso genuíno e leve. — Vou fazer mais comida, então.

Lyara também sorria, uma expressão calma e feliz. Naquele momento, com aquelas pessoas, eu senti como se tivesse encontrado uma família. O mesmo conforto que Elara costumava me dar.

Kael...

A voz dela cortou o ar. Tudo ficou surdo.

Socorro. Você é um monstro.

O sussurro foi só para mim. Fiquei paralisado, o garfo caindo da minha mão. Confusão e um terror gelado tomaram conta de mim. A voz era dela, mas as palavras... Como? Por quê? O que ela quis dizer com isso? Eu sou um monstro? Então por que ela pedia socorro?

O som voltou ao mundo de forma abrupta, mas eu não consegui falar nada, paralisado pela surpresa e pelo medo. Enquanto Jhonny se levantava para ir à cozinha, já alcançando a porta, o rosto de Misuki se fechou. A expressão de alegria se desfez, substituída por uma máscara de aço. Algo muito errado havia acontecido.

Eu não consegui dizer nada. Misuki se levantou de um salto, e o clima na sala de jantar tornou-se pesado, elétrico. Jhonny, no limiar da porta, também notou, seu corpo enrijecendo instantaneamente.

— Lyara — a voz de Misuki era um comando cortante. — Leve-o para o meu escritório. Agora. E não saiam de lá, nenhum dos dois, até que Jhonny apareça.

Sem pensar duas vezes, Lyara me chamou com um gesto urgente. Atordoado, eu a segui para fora da sala. Passamos pelos corredores luxuosos e começamos a subir uma escadaria em espiral. — O que... o que houve? — perguntei, a voz um fiapo. — Eu não sei — ela respondeu, e a preocupação em sua voz só aumentou a minha. — Mas se o Misuki pediu isso... algo sério aconteceu.

Naquele momento, enquanto corríamos, uma verdade absoluta se solidificou em minha mente. Não importa onde eu estivesse, não existia um lugar seguro. Mas algo havia mudado dentro de mim. Mesmo sabendo disso, eu agora entendia que, para que um lugar se tornasse minimamente seguro, precisávamos ser fortes. E eu faria tudo o que fosse possível para manter as pessoas ao meu redor seguras.

Ao chegarmos a uma porta de carvalho escuro, provavelmente o escritório, eu a segurei pelo braço. — Lyara, eu... eu escutei uma voz. Era da Elara.

A expressão dela mudou instantaneamente. A preocupação deu lugar a um alarme genuíno. Seus olhos se arregalaram e ela travou por alguns segundos, me encarando como se eu tivesse dito a coisa mais terrível do mundo. Ignorando a ordem direta de Misuki, ela me empurrou para dentro do escritório, mas em vez de entrar comigo, ela fechou a porta pesada por fora. Ouvi o som metálico e definitivo de uma tranca.

Fiquei sozinho, o coração martelando contra as costelas, a preocupação com ela se misturando ao meu próprio medo. E então, a voz de Elara retornou, e o som do mundo ao meu redor se abafou novamente, como se eu estivesse submerso.

Você não vai crescer, né?

A voz era lenta, com pausas cruéis. Tentei falar, gritar, mas não conseguia ouvir nem minha própria voz dentro da minha mente. Não importava o quanto eu tentasse, só havia o som dela.

Vai ficar sempre atrás das pessoas...

Não importa o que aconteça... você nunca vai crescer. Vai ser sempre o mesmo garoto assustado que apenas sonha.

Dei três passos para trás, hesitante, tremendo de medo. Fechei os olhos com força e corri em direção à porta trancada. Meu corpo se chocou contra a madeira maciça. Senti o peso da porta em meu ombro, a dor aguda da colisão, e ouvi apenas o som surdo da madeira se negando a ceder.

Eu tenho que tentar.