A frase ecoou em minha mente, um mantra de desespero. Eu tenho que tentar. Mas a realidade me quebrou. Como? Por quê? Eu não consegui tentar. Tentei, e tentei de novo, e de novo, lançando meu corpo fraco contra a madeira maciça. O som surdo do meu ombro se chocando com a porta era a única resposta, uma recusa brutal. Eu sou fraco ou esta porta é feita de aço? Eu não sabia, não conseguia pensar. Como eu vou ajudar? Eu não sei lutar, apenas fugir e sobreviver. E me esconder...
Esse sentimento invadiu minha mente, uma maré de veneno que me afogava. Senti-me cada vez mais fraco, a adrenalina do medo se esvaindo e deixando para trás apenas a exaustão e a desesperança. Aos poucos, meus esforços diminuíram. Meus ombros doíam, meus pulmões ardiam, e a porta continuava impassível. O que eu posso fazer? Sou inútil...
No momento da desistência, quando estava prestes a deslizar para o chão em derrota, aquela sensação voltou. Como a onda de um mar escuro, o som do mundo foi abafado novamente, e a voz de Elara preencheu o vácuo.
Eu sei que você é fraco.
As palavras dela, lentas e cortantes, eram um bálsamo e uma maldição.
Sempre precisou se esconder, sobreviver. Vai ajudar no quê, lá fora? O mundo é grande e vasto como disseram, e você não vai poder fazer nada.
Essas palavras me desanimaram e tiraram mais forças de mim do que eu podia imaginar. Eu não sabia o que responder, não sabia o que deveria pensar, porque ela estava certa. Eu não podia fazer nada. E aquela força que disseram ser fruto de uma maldição? Eu não posso usá-la? O pensamento surgiu, uma faísca de esperança desesperada. Mas eu não sei como. Não sei controlá-la. E ela me feriu. A dor que senti... não sei se quero sentir aquilo de novo. Posso não conseguir usá-la. Posso acabar me matando e matando a eles também.
Eu estou com medo de viver.
Para que eu tenho que me esforçar tanto? Para que lutei tanto? Para sofrer com isso? Não sei o que está acontecendo comigo, muito menos o que está acontecendo lá fora. Se eu não posso ajudá-los, como posso me ajudar?
Olhei ao redor, o pânico dando lugar a uma resignação fria. Um escritório cheio de prateleiras com livros de lombadas de couro, móveis chiques demais para o meu entendimento, mas nenhuma janela. Uma prisão elegante. Uma mesa imponente ao centro, com alguns papéis e livros empilhados de forma organizada, e uma cadeira de encosto alto. Mas nada. Nada aqui poderia me ajudar. Eu ainda não escutava o som do mundo real, não sabia o que estava acontecendo do outro lado da porta.
A voz continuou, suave e persuasiva. Sabia? Eu posso te ajudar em algo. Deixe-me ser sua força, Kael, já que você não possui uma.
Tudo o que ela falava me fazia duvidar. Era mesmo a Elara? Tudo o que Lyara me contou sobre Seres e o Oculto me fez pensar em outra opção. Era ela quem estava falando comigo, ou era outra coisa, apenas usando a voz dela para me manipular?
Eu não pensei com palavras, mas parece que a entidade sentiu minha hesitação, minha suspeita. Ela me respondeu no instante em que a ideia surgiu, cortando meu próprio pensamento.
Kael, deixe-me ajudá-lo. Eu sei como controlar essa força. Posso te tirar daqui e afastar o perigo de perto de você.
Nesse momento, a dúvida se tornou uma tortura. Eu não sabia se devia escutar a voz ou as pessoas. As pessoas mentem. As pessoas são cruéis. São algo a se temer. E a voz? O que ela é? Eu não quero ter medo, não quero sofrer.
E então, a voz respondeu, como se lesse o desejo mais profundo da minha alma. Você não precisa sofrer. O medo é natural. Aprenda a controlá-lo, e assim você nunca vai sofrer.
Essas palavras... elas tinham um toque de razão. Por um instante, fizeram um sentido terrível e absoluto. Eu aceito. Seja a Elara, outra coisa, ou seja o próprio demônio. Seja lá o que for, eu não posso continuar assim.
No momento em que o "sim" silencioso se formou em minha mente, tudo ficou distorcido. A sensação foi idêntica à da caverna. O escritório girou, as prateleiras de livros se liquefazendo em borrões escuros, a mesa se contorcendo como se fosse feita de fumaça. Meu corpo perdeu o peso antes de eu desmaiar.
Mas desta vez, eu vi. Eu vi algo.
A lua vermelha no céu, um mau presságio em qualquer lugar. Mas ela estava rachando. Não como se a lua estivesse se partindo, mas como se dela surgisse uma fenda, uma cicatriz de luz negra que se abria na realidade. E então, a lua se quebrou. O cenário escuro mudou com a violência de um piscar de olhos. Eu vi estrelas, uma cidade de luzes que não eram tochas, árvores altas e retorcidas que pareciam garras contra o céu noturno, e a energia... uma energia visível, pulsando em volta de mim, em volta de tudo. Foi tão rápido que não deu para entender direito, mas foi como um sonho lúcido e febril.
E então, eu acordei.
Misuki estava diante de algo. Eu não conseguia compreender o que era. Era grande, disforme, uma massa de névoa escura que parecia absorver a luz ao seu redor. Lyara estava um pouco à frente, e parte da visão estava bloqueada por ela. Ela olhava para mim, o rosto uma máscara de puro terror, e aplicava algo em meu braço. Meu braço? Onde está meu braço?
Não tive tempo para processar. A dor ainda não havia chegado, apenas a confusão entorpecente. Lembro-me de não ver mais meu braço direito a partir do ombro. Lembro de ver Lyara enfaixando o coto com pressa, suas mãos tremendo, seu rosto pálido e seus olhos arregalados de medo. O lugar... onde estávamos? Não era o escritório. Era... algum outro lugar. Escuro. Aberto. O ar cheirava a ozônio e a algo mais, algo antigo e podre.
Novamente, apaguei. A escuridão me acolheu como uma velha amiga.
A escuridão se partiu com um solavanco. Um tranco violento da carroça me jogou contra uma caixa de madeira, e o impacto súbito me arrancou do nada. Por um instante, o pânico foi absoluto. A última coisa que minha mente lembrava era a dor fantasma de um braço sendo arrancado, o terror no rosto de Lyara, a névoa escura se contorcendo. A sensação daquele fim era tão real, tão presente, que o ar que encheu meus pulmões pareceu um erro, uma impossibilidade. Meus olhos se abriram, esperando ver a cena de horror, mas encontraram apenas a penumbra do interior de uma carroça. A primeira coisa que fiz, em um pânico cego, foi olhar para meu braço direito.
Ele estava lá.
Inteiro. Sem feridas, sem ataduras, a pele pálida, mas intacta. Levantei a mão, flexionei os dedos. Eles obedeceram. Um suspiro de puro medo e alívio escapou dos meus lábios. O que havia acontecido? Aquilo foi real? A memória era uma ferida aberta: a visão do meu próprio ombro desfeito, o pânico de Lyara, o cheiro de ozônio. Eu podia quase sentir a dor fantasma, uma agonia que não estava ali, mas que minha mente insistia em lembrar. Foi um sonho? Uma visão do que poderia ter acontecido? Ou pior, uma visão do que ainda vai acontecer? O terror não vinha da dor, mas da incerteza. Eu não sabia mais diferenciar entre o pesadelo e a vigília.
Fui olhando ao meu redor, tentando entender. Eu estava no fundo de uma carroça fechada, o cheiro de feno úmido e madeira velha preenchendo o ar. O balanço rítmico me dizia que estávamos em movimento. Algumas caixas e barris estavam empilhados perto de mim, deslizando levemente a cada solavanco. Mal conseguia me mexer no espaço apertado. De repente, ouvi o som do tecido da cobertura da carroça se mexendo. Alguém olhou para dentro, uma silhueta contra a luz fraca que se infiltrava. Não deu para ver o rosto, mas uma voz grave e abafada disse algo que não entendi.
Tudo aconteceu rápido demais. Os sentimentos, a verdade, a troca de cenário. Eu quase não tinha tempo para me acalmar, e quando conseguia, algo vinha e quebrava minha realidade em pedaços. Eu não estava entendendo mais nada. E, sinceramente, aos poucos, eu estava realmente desistindo, me tornando apático, um espectador vazio da minha própria tragédia.
A carroça parou de repente. A lona na parte de trás foi jogada para o lado, e a luz do dia me cegou por um instante. Lyara estava ali. Ela parecia bem, mas exausta, com olheiras escuras sob os olhos vermelhos. E havia alguém com ela, um homem parado logo atrás, cuja presença parecia absorver a luz ao seu redor. Tinha cabelos negros e longos, amarrados para trás em um rabo de cavalo apertado. Seus olhos eram de um laranja intenso, cor de mel, e perscrutavam tudo com uma calma predatória. Ele usava roupas pesadas, feitas de trapos e couro, em camadas que tornariam impossível ver qualquer arma que ele pudesse carregar. A intenção era clara. Ele parecia um contrabandista, ou talvez um assassino.
Lyara se aproximou e, sem uma palavra, me abraçou com força. Senti seu corpo tremer. — Você está bem? — ela sussurrou, a voz embargada. Ela se afastou, procurando meu rosto, a preocupação gravada em suas feições.
Eu não respondi. Apenas observei. O homem misterioso atrás dela bufou, impaciente. — Não temos tempo para ficar parando. Temos um caminho longo pela frente, e este lugar não é seguro.
Sua voz era como o raspar de pedras. — Estamos cruzando a Floresta das Sombras. É cheia de criaturas que podem nos matar num piscar de olhos. Não importa se é dia ou noite, este local existe apenas para aniquilar qualquer intruso.
A raiva brilhou nos olhos de Lyara. — Tempo? — ela cuspiu as palavras. — Misuki e Jhonny nos deram todo o tempo do mundo! Eles imploraram para que você nos tirasse de lá, não para nos tratar como carga! Se era para aparecer, por que não fez mais? Por que não os ajudou?
O homem permaneceu impassível, mas seus olhos cor de mel se estreitaram minimamente. — Meu trabalho era extrair o "pacote". Foi o que fiz. As ordens deles foram claras, e ordens são absolutas. A sobrevivência de vocês era a prioridade. Emoções são um luxo que o nosso caminho não permite.
— "Prioridade"... — a voz de Lyara quebrou. Ela olhou para mim, e o ódio em seu rosto se misturou com uma dor profunda. — Eles ficaram para trás... por ele. E você simplesmente obedeceu.
Eles se sacrificaram por mim? Pela minha vida e pela de Lyara? Não fazia sentido. A culpa, que eu pensava não poder ficar mais pesada, encontrou novas profundezas para me afundar.
O homem tirou um par de óculos escuros do bolso do casaco e os colocou. — Se quiser ficar para trás com ele, fique. Eu não vou perder mais tempo aqui.
Como dito, ele deu as costas e voltou para a frente da carroça. Segundos depois, senti o solavanco quando começamos a nos mover novamente. Lyara entrou, sentando-se à minha frente no espaço apertado.
— Como você está se sentindo? — ela perguntou, a voz mais suave agora. — Aconteceu de novo, não foi? Aquele poder... O que você viu? Kael, por favor, fale comigo.
Eu permaneci em silêncio. Não havia palavras. Não havia por que abrir a boca. O tempo passou enquanto a carroça balançava. Lyara começou a desabafar, as palavras saindo como um veneno lento.
— Eu pensei que a gente não ia sobreviver. O Jhonny... ele já estava sendo seguido quando te trouxe para casa. Eles não perceberam...
Novamente, o sentimento de culpa me atingiu. Se não fosse por mim, nada disso teria acontecido. Talvez fosse para eu ter morrido com a Elara, lá no começo.
— A pessoa que nos atacou... era um Cultista — ela continuou, a voz pesando a cada palavra. — Não se enfrenta aquele tipo de criatura de cara a cara. Elas precisam ser estudadas. O Misuki e o Jhonny... eles são fortes, mas não sei se vão sobreviver. E você... — ela olhou para o meu braço, depois para o meu rosto. — ...eu não esperava nada, muito menos que você continuasse vivo. É um alívio. Mas... — seu rosto se contorceu em frustração. — ...era para ter ficado naquele quarto, desgraçado!
O peso de suas palavras saiu como poucas lágrimas teimosas que ela disfarçou no canto do olho. Eu deveria sentir ódio de mim mesmo? Deveria dizer algo? Eu não sei. E, sinceramente, não quero saber.
A viagem na carroça se tornou um borrão de solavancos e silêncio. Dias se fundiram em uma monotonia cinzenta, pontuada apenas pelas paradas breves do guia de olhos laranja para caçar ou reabastecer a água. Ele nunca dizia seu nome, e nós nunca perguntamos. Lyara tentou conversar comigo nos primeiros dias, suas palavras eram suaves, cheias de perguntas que eu não tinha como responder. Vendo meu rosto vazio, ela também se rendeu ao silêncio, um luto compartilhado, mas terrivelmente solitário, que preenchia o espaço apertado entre nós.
Eu não sentia nada. A culpa era um oceano tão profundo que eu havia me afogado completamente, e agora flutuava em suas profundezas escuras, indiferente a tudo. Eu era um corpo, uma carga, o "pacote" que custou a vida de todos ao meu redor.
A jornada terminou de forma tão abrupta quanto começou. Após o que pareceu uma eternidade, a carroça parou em um pequeno vale escondido, aninhado entre colinas rochosas e uma floresta densa e antiga. O local não tinha nome, era apenas um punhado de casas de madeira e pedra construídas em torno de um poço central. Uma paliçada de madeira bruta cercava o pequeno assentamento, dando-lhe a aparência de um posto avançado esquecido pelo tempo. O ar era limpo, frio e cheirava a pinho e terra úmida. Era um lugar quieto. Seguro.
O guia, que descobri se chamar Félix, falou brevemente com um homem mais velho de barba grisalha que nos recebeu no portão. Houve uma troca de moedas. Félix não nos dirigiu um último olhar; ele simplesmente virou sua carroça e partiu, desaparecendo da mesma forma que surgiu, como uma sombra.
Fomos levados a uma pequena cabana nos limites do assentamento. Era simples, com apenas dois cômodos, uma lareira de pedra e móveis gastos, mas estava limpa e seca. Para mim, era apenas mais um lugar para existir.
As semanas seguintes passaram em um silêncio pesado. O tempo, que antes era um inimigo a ser vencido, agora era apenas um vazio a ser preenchido. Eu via a dor no rosto de Lyara, o luto por Misuki e Jhonny que ela tentava processar enquanto cuidava de um fantasma.
Em uma noite, talvez na segunda semana, a quietude foi quebrada. Eu não estava dormindo, apenas flutuava em um estado de dormência. O som que me alertou foi quase imperceptível: o ranger suave de uma tábua do assoalho ao lado da minha cama improvisada. Mantive minha respiração lenta e regular, os olhos fechados, mas cada fibra do meu ser estava em alerta máximo. Senti uma presença sobre mim, o calor de outro corpo no ar frio da noite. Senti o ódio. Era uma emanação tão densa e pura que era quase palpável, uma intenção que gelou meu sangue mesmo através da minha apatia. Então, ouvi o som metálico e suave de uma lâmina sendo puxada de uma bainha.
Meu coração martelava contra minhas costelas, um tambor frenético em meu corpo silencioso. Era isso. O fim. Trazido pela mão de uma das poucas pessoas que restavam. Por um instante eterno, ela ficou ali, a lâmina pairando sobre mim. Eu não entendia o porquê do ódio, mas não havia como negar sua presença. Então, ouvi um soluço contido, um som de agonia que quebrou a intenção assassina. O sentimento de ódio vacilou, desmoronando em desespero. Ouvi o baque surdo da faca caindo no chão, seguido pelo som de passos apressados e a porta da cabana se abrindo e fechando. Ela se foi. Eu continuei fingindo, deitado na escuridão, com o conhecimento de que ela havia tentado me matar e, por algum motivo, desistiu. O vazio dentro de mim ficou um pouco mais frio.
Nos dias que se seguiram, eu fingi não saber de nada. Ela também não tocou no assunto. Mas algo havia mudado. Eu a via olhar para mim às vezes, e em seus olhos não havia apenas tristeza, mas uma nova camada de dor e autoaversão.
Eu passava os dias sentado em uma cadeira, olhando para a parede de madeira. A entidade em minha mente também estava quieta. Eu não pensava. Não sentia. Eu apenas era. Um monumento vivo ao fracasso e, agora, um segredo perigoso.
Até que, em uma noite particularmente fria, algo se quebrou de vez.
Lyara colocou um prato com um pedaço de pão e uma tigela de ensopado fumegante na pequena mesa à minha frente. Sentei-me, imóvel como sempre. Ela ficou parada por um momento, observando-me. Sua respiração estava trêmula.
— Kael... — sua voz era um sussurro frágil. — Por favor. Coma alguma coisa.
Silêncio. Meus olhos não se moveram da parede.
Eu a ouvi dar um passo à frente. Suas mãos se fecharam em punhos.
— Você vai ficar aí para sempre? — A fragilidade em sua voz desapareceu, substituída por uma borda de aço enferrujado. — Vai ficar sentado aí até apodrecer?
O tom me fez piscar, mas não me virei.
— RESPONDA! — ela gritou, e o som fez as chamas da lareira dançarem. Ela contornou a mesa e agarrou a frente da minha camisa, me forçando a olhá-la. Seus olhos vermelhos, que sempre foram calmos, agora ardiam com uma fúria desesperada. Lágrimas de raiva escorriam por seu rosto. Enquanto ela me sacudia, meus olhos, contra a minha vontade, focaram em seu antebraço. Havia uma faixa de linho branco ali, enrolada de forma grosseira, e uma mancha escura e avermelhada vazava pelo tecido. Um corte. Recente. A imagem da noite em que ela ficou sobre mim com a faca invadiu minha mente.
— Misuki... Jhonny... — ela cuspiu os nomes como se fossem veneno. — Eles ficaram para trás. Eles podem estar mortos! E por quê? Para que você pudesse ficar sentado aqui, em segurança, sentindo pena de si mesmo?!
As palavras eram como golpes físicos, mas a visão do corte em seu braço era uma pontada de confusão que me perfurou. O ódio dela... era tão grande que se voltou contra ela mesma?
— Elara... — o nome dela saiu dos lábios de Lyara, e meu mundo parou. — "Não deixe que te apaguem", não foi isso que ela disse? Não foram as últimas palavras dela para você? E o que você está fazendo? — Ela me sacudiu com mais força, o rosto a centímetros do meu. — Você se apagou! Você deixou!
A dor foi tão súbita, tão aguda, que me roubou o fôlego. A apatia se estilhaçou como vidro.
— Eu preferia que você gritasse! — ela soluçou, a raiva se quebrando em pura agonia. — Preferia que você me odiasse, que quebrasse cada móvel desta cabana! Pelo menos seria alguma coisa! Esse vazio... esse nada que você se tornou... é um insulto. A eles. A ela. A si mesmo! Se você não ia viver, então por que eles se deram ao trabalho de morrer?!
Ela me soltou, tropeçando para trás como se minhas roupas a tivessem queimado. Seu corpo tremia com soluços violentos, e ela cobriu o rosto com as mãos, finalmente desabando sob o peso de tudo.
Eu fiquei ali, paralisado. Mas não pelo vazio. Pela dor. A verdade nas palavras dela, misturada com o segredo terrível daquela noite e a visão do seu ferimento... era um turbilhão. Eu me apaguei. Eu fiz exatamente o que Elara me pediu para não fazer. Eu fiz o sacrifício dela e o deles serem em vão.
Lentamente, como um homem velho se movendo pela primeira vez em anos, baixei a cabeça. Olhei para minhas mãos, que tremiam. E então, senti algo quente em minha bochecha. Uma única lágrima. Depois outra.
Não era um choro de desespero. Era o degelo. A dor lancinante de sentir de novo.
Minha mão trêmula se estendeu e pegou o pedaço de pão. Levei-o à boca e dei uma mordida. O gosto era de cinzas e sal, mas era um gosto. Era real.
Lyara, ao ouvir o som da mastigação, espiou por entre os dedos. Ela viu meu rosto molhado, a expressão de agonia, o pão em minha mão. O ódio em seu rosto se desfez, substituído por um alívio exausto e trêmulo. Sem dizer mais nada, ela se virou e saiu da cabana, me deixando sozinho com o som da minha própria dor e o gosto amargo do primeiro passo de volta à vida.