O inverno arrastava-se como um cadáver sobre os vales de Eldenbourg. As neves antigas, agora corrompidas em lama pálida, formavam trilhas viscosas entre bosques mortos, onde as árvores, esqueléticas, erguiam seus galhos como mãos suplicantes ao céu indiferente. A lua cheia, translúcida e cruel, rasgava o manto opaco das nuvens, lançando uma luz espectral sobre um mundo sem cor, sem vida... sem esperança.
No coração daquele vale agonizante, erguia-se uma mansão de arquitetura barroca - severa, majestosa, de mármore branco tingido pelo tempo, adornada com janelas de madeira negra, cravejadas de detalhes dourados que reluziam como olhos de um ídolo esquecido. Era ali que habitava a família Schneider - burgueses prósperos, refinados, cuja existência transbordava cultura, disciplina e silêncio.
Armond Schneider era um monumento de carne e disciplina. Alto, ombros largos, olhar que impunha ordem antes mesmo de palavras serem proferidas. Seus cabelos, de um castanho escurecido, eram sempre presos à nuca com uma fita de cetim negra, denunciando discretos fios prateados nas têmporas - testemunhas da inexorável passagem do tempo. Seu rosto, talhado em linhas austeras - queixo sólido, nariz reto, sobrancelhas espessas - evocava mais a rigidez de uma estátua que a maleabilidade da carne. Na parede de seu escritório, uma coleção de espadas testemunhava sua fascinação pela arte da guerra: lâminas de prata germânica, aço francês, damasco oriental... Cada uma carregava não apenas histórias, mas dívidas de sangue.
Ao seu lado, Amélie Schneider. Um espectro de beleza e intelecto, cuja presença dominava a casa mais do que qualquer decreto ou fortuna. Seus cabelos dourados, meticulosamente trançados em espirais, caíam como cascatas de ouro pálido. Sua pele, alva como mármore veneziano, parecia incapaz de conhecer o desgaste da idade. Vestia-se com rigor francês: corsets sufocantes, rendas finíssimas, golas altas e punhos adornados de brocados. Seus olhos, de um azul abissal, pareciam espiar não o mundo - mas as engrenagens ocultas que o sustentavam. Sua voz, doce em tom, era dura em intenção; e sua palavra, lei absoluta sob aquele teto.
E então havia Sophia.
A pequena Sophia Schneider não era como as outras crianças. Havia nela uma gravidade incomum, uma estranheza sutil que se insinuava em cada gesto. Seu corpo miúdo carregava a postura de uma dama adulta; seus olhos - vastos, azuis, insondáveis - não apenas olhavam... trespassavam. Seu cabelo dourado, que descia em cachos até a cintura, era sempre adornado com fitas de seda, como se tentassem conter, em vão, algo indomável. Era uma criança que aprendia com fome. Absorvia línguas, números, música e filosofia com uma facilidade quase antinatural. No piano, suas mãos deslizavam como se já soubessem - como se apenas recordassem algo esquecido. Na poesia, sua voz parecia evocar lembranças que jamais lhe pertenceram.
Mas era nas histórias contadas por sua mãe que o véu da realidade começava a se desfazer. Não eram contos para adormecer crianças. Eram relíquias orais de uma linhagem que sussurrava segredos antigos: sobre sombras que vestem pele humana, sobre pactos selados no âmago da noite, sobre olhos que nunca se fecham... e bocas que nunca se saciam. E, embora Amélie própria não compreendesse por que essas histórias lhe fluíam tão naturalmente, em seu âmago algo lhe dizia: não eram invenções. Eram memórias.
Então, veio a doença.
Aos nove anos, Sophia foi tomada por uma febre indomável. Seu corpo, frágil como vidro soprado, começou a ceder. Médicos foram convocados de toda Eldenbourg, de Kravenwald, de Ulm, até de Viena. Sangrias, unguentos, rezas, amuletos - nada. A vida lhe escorria pelos poros como areia por dedos trêmulos. O tempo se desfazia.
No abismo do desespero, sussurros chegaram aos ouvidos dos Schneider: um médico estrangeiro, oculto nas florestas de Kravenwald. Um curandeiro... ou algo além. Diziam que seus métodos não obedeciam aos ditames de Deus. Nem dos homens.
Na última noite daquele inverno espectral, a família partiu. Subiram na carruagem mais resistente, adornada com brasões dourados, puxada por cavalos negros como breu. O cocheiro conduzia com olhos atentos; ao lado, um guarda armado empunhava uma espingarda de pederneira, atento ao silêncio que parecia murmurar perigos invisíveis.
A trilha se estreitava. Pinheiros cerrados formavam muralhas de sombra, como dentes prestes a se fechar sobre eles. A lua, que antes reinava soberana, agora se ocultava atrás de véus de neblina e trevas.
Dentro da carruagem, Amélie embalava Sophia no colo, acariciando seus cabelos febris, sussurrando cânticos que mais pareciam encantamentos do que acalantos. Armond, rígido, mantinha o olhar fixo na estrada, os dedos crispados no cabo de sua bengala de prata - atento, tenso, predador em pele de pai.
E então... o mundo quebrou.
Um relinchar agudo rasgou o silêncio. Os cavalos empinaram-se, olhos arregalados em terror. Estalos - ossos? Troncos? Não. Algo mais. O coche balançou violentamente. Gritos. Madeira estilhaçada. A lateral da carruagem se rompeu como papel, e das sombras emergiu uma criatura - ou uma ausência de luz moldada em carne. Braços longos, garras impossíveis.
Armond ergueu a bengala, mas nem teve tempo. Foi arrancado dali, tragado para a noite como uma marionete sem fios. O guarda disparou - um estampido seco - inútil. A criatura o partiu em dois com um golpe.
Amélie se lançou sobre Sophia, protegendo-a com seu corpo frágil, seus olhos suplicando aos céus um milagre que não viria.
Sophia, entre delírio e consciência, abriu os olhos apenas por um instante. E viu.
O rosto da mãe. Um sorriso triste, absoluto, definitivo. O sorriso de quem ama... e aceita morrer.
E então, o mundo apagou.
Silêncio.
Quando despertou, a noite tinha cheiro de sangue e ferro. O frio não existia mais. Seus pés nus estavam submersos em uma poça espessa, quente, pegajosa. O coche era uma ruína disforme. O cocheiro... não tinha mais cabeça. O guarda... espalhado em pedaços que a mente se recusava a nomear.
E ali... os corpos. Seus pais. Ou o que restava deles. Rasgados, despedaçados, irreconhecíveis.
O grito formou-se, mas não saiu. A boca se abriu, mas a garganta não obedeceu. O terror paralisou tudo, menos as pernas. E então, correu.
Correu sem pensar, sem saber. Correu como se pudesse fugir do próprio destino. Suas pernas, antes fracas, agora se moviam com uma força que não reconhecia. Seus olhos perfuravam a escuridão. Seus ouvidos captavam cada farfalhar, cada pulsar, cada respiração da floresta. Sua pele... sentia até o peso da própria lua.
Algo estava errado.
Algo estava profundamente... diferente.
E enquanto corria, tropeçando sobre raízes, desviando de galhos, arfando, com lágrimas e sangue no rosto, uma única pergunta reverberava em sua mente como um sino quebrado:
- O que... o que está acontecendo comigo...?
Tombou. Caiu de joelhos. Suas mãos, sujas de lama, folhas e sangue, apertaram a terra. E então, a dor da perda transbordou. Não em gritos. Não em palavras.
Mas em lágrimas tão densas que pareciam esculpir rachaduras no próprio tecido do mundo.
E o inverno... observava.