(Narrado por Lyrianne)
Eu sempre achei que as manhãs mais felizes vinham com cheiro de pão quente e orvalho.
O sol ainda nem tinha passado pela crista das montanhas quando os primeiros raios dourados atravessaram as cortinas finas do meu quarto. As madeiras da casa estalavam com o calor retornando, e lá embaixo, eu já ouvia o tilintar de louças e a voz da minha mãe adotiva cantando baixinho uma canção antiga sobre campos de cevada.
Nossa casa era feita de pedra e madeira escura, construída ao pé de uma colina coberta por samambaias e flores silvestres. Tinha dois andares: em cima, os quartos; embaixo, a cozinha e a sala de estar com uma lareira de pedra sempre acesa nas manhãs frias. Pelas janelas arredondadas, pendiam sinos de barro e vidrinhos com ervas secas. A casa tinha cheiro de pão assado, fumaça de lenha e algo mais — um perfume familiar, como lembrança de outra vida que eu não sabia nomear.
Acordei envolta em cobertas de lã tecida por Maerlin, minha mãe adotiva, e desci com passos leves, ouvindo o ranger confortável das tábuas sob meus pés descalços.
"Bom dia, minha estrela," disse ela assim que entrei na cozinha. Seu rosto era sereno, sulcado por rugas amáveis. Vestia um avental de linho branco por cima de sua túnica azul-clara, e as mãos estavam cobertas de farinha.
"Bom dia, mãe," murmurei, beijando sua bochecha. Meu pai, Edron, já estava sentado à mesa, afiando a adaga que ele insistia em carregar mesmo aposentado da guarda da vila.
"Hoje vai à floresta cedo?", perguntou ele, sem tirar os olhos da lâmina.
"Sim. A trilha de cervos estava cheia ontem. Quero ver se consigo algo antes que o sol suba demais."
A mesa estava posta com cuidado. Comemos juntos — pão com manteiga e mel, mingau de cevada com canela, e um gole de chá de raízes. Tudo era simples. Mas era meu mundo.
Ou… pelo menos, havia sido até agora.
Nossa vila se chamava Canto do Carvalho.
Um lugar escondido entre vales, onde o tempo parecia andar mais devagar. Eram cerca de trinta casas feitas de pedra clara e madeira viva, algumas cobertas com musgo, outras com telhados vermelhos como frutos de outono. As ruas eram de terra batida, ladeadas por arbustos floridos. Não havia muralhas, apenas árvores antigas guardando os limites.
Pessoas se conheciam pelo nome, e os sorrisos eram tão comuns quanto o cheiro de pão saindo das chaminés. Havia um ferreiro, duas curandeiras, um mercador viajante que aparecia a cada duas luas, e uma praça pequena onde as crianças jogavam pedras encantadas e os anciãos contavam histórias ao redor de uma fonte seca.
Eu cresci nesse lugar com a impressão de que o mundo lá fora era um eco distante. Às vezes, sonhava com coisas que não existiam ali — torres douradas, canções em línguas esquecidas, espadas que cantavam. Mas sempre acordava com o som das galinhas de dona Mirna ou o toque do sino da padaria.
Na floresta, o som dos meus passos se perdia entre folhas secas. O arco repousava leve nas minhas costas, os olhos atentos a qualquer sinal. O vento estava diferente — mais úmido, mais carregado.
Foi quando vi. Um brilho carmesim, súbito, riscando o ar diante de mim, como se um raio tivesse sido derramado horizontalmente. Meu coração disparou. Instintivamente, levei a mão à marca de nascença em meu ombro — e ela… queimava.
Literalmente.
Engasguei com o ar, tropecei para trás. A dor era viva, pulsante, como se algo tentasse sair da minha pele.
Das sombras entre as árvores, uma criatura surgiu.
Pele cinzenta como casca de árvore morta, olhos verdes luminescentes, e braços longos demais para qualquer animal natural. Suas garras pareciam gotejar uma fumaça escura. Um espírito corrompido? Uma fera das histórias antigas?
Tentei correr, mas minhas pernas falharam. A criatura rugiu com uma voz que parecia feita de farpas e ossos quebrando.
Foi então que a flecha veio.
Cortou o ar e atingiu o monstro no flanco. Outra flecha seguiu, certeira, cravando-se no pescoço. A criatura urrou, tropeçou… e caiu.
De entre as árvores, um rapaz apareceu. Roupas de couro escuro, olhos intensos, respiração pesada. Cabelos castanhos bagunçados. Olhou para mim com uma mistura de alívio e preocupação.
"Você está ferida?"
Balancei a cabeça, ainda sentindo a pele arder.
"Não… eu acho que não. O que era aquilo?"
"Não sei," ele disse, puxando outra flecha da aljava. "Mas não era natural."
Ficamos nos encarando por um momento. Havia algo nele — uma presença silenciosa, firme. Quando estendeu a mão para me ajudar a levantar, o toque foi quente e estranho. Familiar de uma forma que não soube explicar.
"Meu nome é Arlen," disse ele. "E você?"
"Lyrianne."
Quando ele repetiu meu nome, soou como se conhecesse uma versão antiga dele.
Nas colinas ao longe, oculto pelas nuvens, Tharion observava.
Seus olhos dourados se estreitaram ao ver Lyrianne ser salva por outro. As chamas que corriam sob sua pele dracônica pulsaram, inquietas. Ele deveria ter sido o primeiro. Aquele que a protegia. Aquele que ela olharia com admiração. Mas ali estava… um outro.
Um erro que eu não cometerei novamente, pensou.