(Narrado por Lyrianne)
Naquela noite, a floresta não saiu de mim.
Mesmo depois do banho quente, dos lençóis macios e da voz suave de Maerlin cantando uma canção antiga enquanto me penteava os cabelos com os dedos, o cheiro de fumaça e medo ainda me assombrava. A marca no meu ombro — uma curva em espiral feita de linhas finas como brasas — continuava latejando, mesmo que eu dissesse a mim mesma que era imaginação.
Arlen ficou na vila, hospedado na estalagem de pedra perto da praça, sob os cuidados da velha Yra. Dissera que queria investigar o que era aquela criatura, que estava de passagem, que não sabia muito — mas havia algo em seu jeito que me incomodava. Ele evitava me olhar por muito tempo. E quando olhava… havia reconhecimento demais.
Naquela noite, dormi mal.
Sonhei com fogo.
Não um fogo comum, mas chamas que sussurravam meu nome em vozes entrelaçadas. Elas se espalhavam por corredores de pedra branca, por jardins que eu nunca havia visto e por escadarias que levavam a um céu vermelho como sangue.
Havia um trono de chamas quebrado. Uma coroa caída. Uma figura encapuzada segurando uma lâmina viva, forjada de luz e sombra.
E minha mãe... minha verdadeira mãe. Seu rosto era neblina, mas sua voz era nítida como cristal:
"Você precisa lembrar. A Chama te conhece. E ela está acordando."
Acordei suando, o corpo tremendo.
A marca em meu ombro brilhava. Um brilho real, dourado-avermelhado, como carvão aceso. Corri até a bacia de água, molhei um pano, pressionei a pele. A dor não passava.
No café da manhã, tudo parecia… normal.
Maerlin cantarolava. Edron lia um livro de contos rúnicos. A lareira crepitava. Mas os olhos da minha mãe estavam um pouco inchados, como se tivesse chorado. E quando me viu entrar, sua canção parou abruptamente.
"Teve pesadelos de novo, filha?" perguntou, suavemente.
Assenti, esfregando os braços.
"Sonhos com fogo… e com uma mulher que me chamava de filha. Não era você."
O silêncio caiu como pedra em poço.
Edron fechou o livro. Maerlin abaixou a colher dentro do mingau.
"Lyrianne," começou ela, com a voz embargada, "há coisas que não te contamos. Por amor. Por medo."
Sentei-me à mesa, o coração acelerado. A colher na minha mão tremia.
"Por que minha marca brilha? O que era aquela criatura na floresta? Quem sou eu?"
Maerlin se aproximou, ajoelhando-se ao meu lado como fazia quando eu era pequena.
"Você chegou até nós numa noite de estrelas vermelhas. Trazida por um homem… ou talvez algo mais. Deixada aos nossos cuidados. Havia um bilhete com seu nome e estas palavras: ‘Protejam a herdeira. Quando a chama se erguer, deixem-na ir.’"
"Herdeira? De quê?!", gritei, levantando da cadeira. O mingau caiu. Edron se levantou, indo até uma arca escondida atrás da lareira.
De lá, tirou um embrulho de couro antigo. Entregou-o com mãos trêmulas.
"Está na hora."
Abri o embrulho.
Dentro, havia uma pedra polida, negra como obsidiana, com veios incandescentes que se moviam como lava sob a superfície. Ao tocá-la, minha marca queimou intensamente, e a pedra brilhou como se me reconhecesse.
Minhas pernas falharam. Caí de joelhos.
Uma visão me atingiu como flecha:
Um templo dourado em ruínas. Um trono vazio. Chamas sendo rasgadas ao meio. E minha voz… minha própria voz… gritando em uma língua que eu nunca aprendi.
"Isso estava com você quando chegou. A pedra te responde. Sempre respondeu", disse Edron, com tristeza no olhar.
Maerlin me envolveu num abraço apertado, com os olhos marejados.
"Você sempre será nossa filha. Mas não podemos mais esconder o que está vindo."
Naquela noite, fugi de casa.
Não por raiva. Mas por necessidade.
Voltei à floresta.
As árvores sussurravam. Meus passos pareciam guiados por algo maior do que eu. A pedra vibrava no meu bolso, quente. A marca pulsava.
No meio da clareira, onde havia sido atacada, a relva estava queimada, o ar mais denso. E ali, sobre uma pedra, alguém me esperava.
Um homem alto, de cabelos prateados e olhos dourados. Pele clara como cinza quente, vestido com roupas negras de linho fino. E um olhar que parecia conter séculos.
"Lyrianne."
Sua voz era calma. E profunda como trovão distante.
"Você… quem é você?", perguntei, recuando instintivamente.
Ele se aproximou um passo. Não com ameaça, mas com uma solenidade quase triste.
"Sou Tharion Vellarys. E por vinte e um anos, estive vigiando você. Porque você carrega o sangue da Casa Valoryn. Porque é herdeira de um poder antigo. E porque o mundo está prestes a queimar — e você é a única que pode impedir isso."