Para se ser feliz até
um certo ponto
é preciso ter-se sofrido
até esse mesmo ponto.
(Edgar Allan Poe)
Carine ajustou a gola da blusa enquanto ela e Laura caminhavam em direção ao auditório do Comitê da Mulher de Borubo. As luzes da cidade brilhavam suavemente à medida que o sol se punha no horizonte. Elas estavam indo para uma palestra sobre mulheres empreendedoras, um evento que, para ser sincera, nenhuma das duas estava com vontade de participar. O programa de proteção às mulheres em vulnerabilidade que faziam parte as obrigava a estar lá, e aquilo tinha gosto de mais uma formalidade cansativa.
— Eu ainda não acredito que a gente foi obrigada a vir de novo— Laura reclamou, revirando os olhos. — Já pensou? "Vão assistir uma palestra sobre como ser a mulher empreendedora dos seus sonhos". Eu mal consegui sair do trabalho hoje viva hoje, sabe?
Carine soltou uma risada cansada, concordando. — Pois é, quase um castigo, né? Não que eu ache ruim ouvir essas histórias de sucesso, mas parece que nunca é algo para a gente, sabe? Sempre é aquele papo de networking e investimento inicial.
— Exatamente! — Laura exclamou, abrindo a porta do auditório para Carine passar. — Tipo, onde que eu, filha de ninguém, vou conseguir capital para abrir um negócio de verdade? Falam como se fosse fácil. Vem essas patricinhas filha de político aí palestrar para gente, mas nunca passaram por uma dificuldade na vida…
As duas riram juntas e entraram na sala onde a palestra já estava começando. Sentaram-se nas cadeiras acolchoadas e ficaram ouvindo, mais por educação do que por interesse, enquanto a palestrante contava sua jornada de sucesso. Era uma mulher bem vestida, com aquele ar de autossuficiência que às vezes podia ser inspirador, mas também podia soar inalcançável.
— A gente devia criar nossa própria marca de roupas, sabia? — Laura disse, baixinho, inclinando-se na direção de Carine. O brilho travesso nos olhos dela fazia parecer que estava falando sério, mas com a leveza de quem joga uma ideia ao vento. — Eu cuidava da gestão, fazia os contatos e as vendas. Você desenhava e costurava. Não é como se você já não fizesse isso o tempo todo.
Carine piscou, surpresa com a sugestão. A ideia soava como uma piada à primeira vista, algo que normalmente passaria batido. Mas, de repente, uma pequena chama de esperança se acendeu dentro dela. Era uma daquelas ideias que sempre pareceram distantes, impossíveis. Mas agora, com Laura falando disso de forma tão casual, parecia... palpável.
— Você está falando sério? O papo de empreendedorismo entrou na sua mente mesmo, né? — Carine fez piada para ver até onde a amiga iria com aquela ideia.
— Seríssimo, amiga! — Laura riu, mas não deixou de demonstrar entusiasmo. — Pensa só! Você arrasa nas suas criações. Sério, você tem mãos de fada. Eu conheço tanta gente que iria amar usar as suas roupas. A única coisa que te falta é acreditar que pode fazer disso algo grande. Acreditar e achar um velho rico para patrocinar a gente!
Carine riu entendendo tudo, era uma grande piada com a situação das duas. Realmente a ideia não era ruim, mas como começariam? Era algo que ela nunca havia considerado de verdade porque era impossível, mas, no fundo, sempre quis. Criar algo próprio. Poder se dedicar à costura e aos seus designs sem estar limitada ao ateliê de outra pessoa. Laura estava certa: Carine tinha talento, e se ela quisesse, poderia criar coisas maravilhosas. Mas, infelizmente, isso não paga as contas.
Laura viu a tristeza no olhar da amiga e olhou para ela com olhos firmes e sinceros.
— Um dia, Carine. A gente vai fazer isso juntas. Eu sei que vai dar certo. Não é impossível, só precisamos dar um jeito, como sempre fizemos para sobreviver.
O barulho dos aplausos no auditório a trouxe de volta à realidade, e ela e Laura se juntaram à plateia. Mas, por dentro, algo novo e promissor havia sido plantado.
*
No outro dia, o sonho da sua marca própria com Laura já tinha se dissipado pela obrigação iminente de trabalhar para comer e pagar o aluguel. Carine acordou mais um dia. Na mesma cama. Na mesma kitnet. Com o mesmo emprego chato e repetitivo que pagava um salário mínimo. Pelo menos era CLT e tinha VT e VR. Ela também recebia da prefeitura uma ajuda simbólica de duzentos reais. Era pouco, mas era alguma coisa. E aquilo era muito mais do que poderia imaginar que teria.
Aqueles que dizem que não tem que dar o peixe, mas ensinar a pescar, esquecem que o pescador tem que comer e ter onde morar. Felizmente, ela morava com o mesmo gato cabeçudo. Apesar de ser apenas uma kitnet de 36 m², aquela era sua casa, seu lar. Seu L A R. E isso, isso ela nunca tivera. Não tivera um lar com sua mãe, estava mais para uma prisão religiosa em que ela era uma interna com o "gene do diabo" que deveria ser controlado, disciplinado ou morto, se necessário. Por sorte, quando sua mãe decidiu que era tarde demais para controlar o "gene" e tentou tirar sua vida, seus poderes a salvaram.
Mesmo assim, ela não conseguia parar de pensar em Lolis e em tudo que a mulher tinha lhe dito. E se realmente pudesse ajudar? E se pudesse controlar seus poderes? E se pudesse reparar seu erro do passado salvando aqueles jovens? Mas aí lembrava que a própria Jean Grey dos X-Men fora possuída e perdera a cabeça, transformando-se na Fênix Negra. E a Feiticeira Escarlate tinha ficado louca, criado uma realidade paralela onde era feliz e hipnotizado uma cidade inteira. A ficção não imita a realidade? Ou só escritores homens não conseguem criar mulheres poderosas sem enlouquecê-las? Eram tantas questões.
Mesmo assim, Carine ainda tinha muito medo de perder o controle novamente. Mas, não valia a pena tentar? Ela não tinha, inclusive, a obrigação de tentar? Justamente para reparar o que havia feito no passado. E por sorte, desta vez teria um Rivotril ambulante chamado Lolis ao seu lado. Ela não estaria sozinha, não de novo. Ela havia impedido que ela matasse os garotos no outro dia, não tinha? Elas poderiam trabalhar juntas, ter uma chance.
Cinco barras, dois ajustes de cintura, quatro botões de camisa depois, e ela ainda não conseguia parar de pensar em Lolis. No almoço, Laura perguntou se havia alguma coisa errada, e ela disse que estava cansada. A amiga percebia qualquer mudança em Carine, mesmo as mais sutis. Infelizmente, quando vivemos em um ambiente traumatizante, aprendemos a identificar os mínimos sinais de mudanças de humor, e ambas faziam isso. Laura não acreditou na amiga, mas decidiu dar um tempo para ela. Quando estivesse pronta, ela contaria o que estava acontecendo. Hoje, a sobremesa do Bom Prato era esticadinho de morango, a preferida das duas, e isso fez Carine sorrir um pouco, acalmando as preocupações de Laura.
Quatro barras, dois botões de camisa depois, e estava quase no final do expediente, quando Roberta, a atendente, entrou correndo no ateliê chamando as costureiras:
— Genteee, tem um atirador no cinema do shopping!
Carine gelou. Ela sabia que aquele grupo de ódio que Lolis mencionara deveria estar por trás disso. Pegou o cartão de Lolis do bolso da calça jeans. Não tinha nem tirado o pequeno cartão de lá. Mais vezes do que admitiria para si mesma, passava a mão no bolso só para sentir o fino relevo do papel, afim de garantir que não o havia perdido, e agora era a hora de usá-lo.
Carine inventou uma desculpa qualquer para o seu chefe, Leonidas. O velho era barrigudo e careca, mas compensava a falta de cabelo na cabeça com uma vistosa barba grisalha. Não era a pior pessoa do mundo, um pouco rude na maioria das vezes, mas se Carine fizesse seu trabalho em paz, ele não a importunava. Também havia falado bem dela no programa da prefeitura, na avaliação final que lhe concedeu a vaga definitiva no ateliê de costura, então ela era grata a ele. Nesses momentos, em que precisavam se ausentar, ele reclamava, mas não negava:
— É por isso que eu perdi meus cabelos, vá, mas quero você no turno da manhã de domingo.
Carine correu rapidamente até a praça em frente ao ateliê de costura e chamou um Uber. Enquanto isso, ligava para Lolis, mas ela não atendia. Foram os cinco minutos mais longos da sua vida, mas o Uber finalmente chegou. O motorista tocou no assunto do momento, perguntando se ela sabia do ataque e disse que ela não deveria ir para o shopping. Ela respondeu que uma amiga estava lá.
— Olha, menina, por mais amiga que seja, você não devia se expor assim. Mas você que sabe. Eu mesmo não passo perto daquele shopping, não. Já estou velho demais para tomar um tiro e não tenho convênio, vou ter que ir direto pro Hospital Estadual, pra morrer mesmo, com esse governadorzinho aí que só corta verba da saúde.
O velho bigodudo, que cheirava a Leite de Colônia verde, parou de resmungar sobre política e disse que não passaria na frente do shopping, mas a deixaria na esquina. Era triste ver um senhor daquela idade, de cabelos e barba tão brancos, tendo que trabalhar nessa altura da vida. Infelizmente, o sistema de previdência brasileiro estava sendo sucateado, e mais e mais idosos estavam tendo que procurar alternativas para sobreviver. Enquanto isso, os idosos europeus, aposentados há décadas, destilavam xenofobia nos jovens imigrantes que tentavam uma vida melhor fora de seus países, meras colônias decadentes.
Carine afastou esses pensamentos, pois estavam próximos ao shopping. Não tinha outro jeito, precisava salvar Lolis, ela devia isso a ela. Contudo, não tinha certeza se Lolis estava no shopping, mas sentia que devia estar. Era um sentimento estranho que a impelia a ir para lá. Como se soubesse. Como se tivesse certeza. E Carine nunca se perdoaria se não ouvisse sua intuição e deixasse Lolis sozinha naquele caos.
Desceu do sedã branco do Uber, "o carro típico de vovô" — pensou, enquanto corria para a frente do shopping. Uma pequena multidão já se juntara lá. A jornalista Cheila Cristina estava ao lado do delegado Jaime Rodrigues, com o gravador ligado, fazendo um monte de perguntas. Cheila tinha a pele oliva brilhante, cabelos chanel alisados e maquiagem digna de tapete vermelho. Ela era praticamente uma celebridade local. Os demais jornalistas olhavam para ela a contragosto, enquanto a esguia mulher coletava informações sobre o ataque antes dos demais veículos de notícia e com exclusividade.
Carine olhou em volta e tentou pensar em uma forma de contornar todas aquelas pessoas e concluiu que não conseguiria entrar por ali. Decidiu contornar a quadra do shopping e entrar pela porta de pedestres do estacionamento. A cidade tinha apenas dois shoppings, e ela os conhecia como a palma da sua mão. Não que amasse tanto ir ao shopping, porque não tinha muito dinheiro para comprar nada além do necessário. Mesmo seu cartão de crédito recém-adquirido tinha o mísero limite de R$ 300,00, que deixava livre para emergências. Mesmo assim, gostava de ver as vitrines e acompanhar as tendências de moda para se inspirar e costurar alguma peça para si mesma com os retalhos de tecido que eram descartados em seu trabalho, que ela cuidadosamente guardava pensando no que poderia criar para seu perfil no Instagram. E, claro, o shopping tinha uma grande comodidade: o ar-condicionado que a aliviava do calor de 40 ºC que fazia em Borubo.
Carine estava certa, não havia nenhum policial vigiando aquela entrada. Por dar para uma rua de terra, era pouco usada e poucas pessoas sabiam da sua existência. Como Carine já havia se perdido no shopping algumas vezes, descobriu aquele lugar, e que bom que isso havia acontecido, se não, nunca entraria. Ao dar a volta, viu os seguranças bloqueando a entrada de carros e a outra entrada de pedestres. Ouviu de um dos seguranças do portão B que o "Esquadrão Y", como o grupo se intitulava, havia tomado uma das salas do cinema. Justamente a sala que estava passando mais uma comédia romântica americanizada sobre líderes de torcida e jogadores de futebol americano — que drama, hein? "Que falta faz uma terapia!" — pensou.
Os corredores do shopping estavam vazios, como quando saímos da última sessão do cinema, com exceção de que algumas lojas nem fecharam as portas. O prédio havia sido evacuado. Subiu pela escada rolante para o segundo piso e foi em direção ao cinema. Foi quando viu a primeira mancha de sangue, e seu corpo todo gelou. Imediatamente, imagens daquele dia horrível vieram à sua mente. Sua primeira — e traumática — menstruação. As vozes de suas colegas faziam uma sinfonia em seus ouvidos: "Bota a fralda!" — gritavam em coro, enquanto jogavam enormes absorventes gratuitos, que ficavam em uma caixa rosa na grande pia de mármore do vestiário.
Chegava a ser cômico: uma coisa que deveria ser boa, como disponibilizar itens de higiene gratuitos nas escolas públicas, foi usado justamente para constranger uma aluna em pânico.
Sim, Carine tivera um ataque de pânico. Diferente do que espalhavam por aí, que ela não sabia que estava menstruada porque sua mãe nunca tinha falado disso com ela, ela sabia, sim, o que era menstruação. Tanto do ponto de vista científico, pois estudara na quarta série, quanto do ponto de vista bíblico, pois ouvira o sermão incontáveis vezes.
Sabia que a "maldição de Eva", como sua mãe chamava, era considerada uma das punições de Eva, por sucumbir à tentação e comer a maçã, levando Adão — o pobre homem influenciável — a pecar também. Menstruação, sofrimento na gravidez e dores do parto, esses eram os castigos do Deus misericordioso. Carine estava cansada de ouvir isso. Não tinha escolha. Todos os dias, após a escola, tinha estudos bíblicos, e sua mãe lia seu caderno, principalmente o de ciências, e a ensinava a verdade divina. Hoje, mais velha, se considerava muito mais uma filha de Lilith, que não aceitou ser inferior a Adão, do que da submissa Eva. Não que acreditasse em alguma coisa. Ela só acreditava na maldade do ser humano, disso tinha certeza. Ao pensar em tudo isso, queria ter nascido em outra cultura, com outras histórias para explicar os trejeitos da natureza. Sua mente girava em memórias e mil versículos de Gênesis:
"Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas, do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis..."
Ouvia a voz de sua mãe incessante. Como um espírito, sua mãe ainda assombrava seus pensamentos, mesmo dez anos após ter findado com sua existência. Carine abaixou-se, tampando os ouvidos em vão:
"...Porque Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então, foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais..."
Então, aquela calma avassaladora, que começava a se tornar familiar, a alcançou, e aos poucos a voz de sua mãe foi ficando mais baixa e mais baixa, até se tornar um sussurro e, então, parar. Deixando apenas o silêncio, a tranquilidade e a serenidade passadas pelo toque de Lolis.
— Não sabia se ia funcionar de verdade te chamar, mas parece que sim. Meu poder funciona melhor com o toque, mas se eu me concentrar muito consigo mandar mensagens para quem está por perto. Ei! Abaixa, os homi estão ali!
Lolis puxou Carine para trás de algumas palmeiras que enfeitavam o corredor do shopping as escondendo dos policiais que cercavam o perímetro. Levou alguns segundos para entender o que havia acontecido. Que trauma Carine carregava em seu peito! Como essas memórias conseguiam lhe fazer tão mal assim? Anos depois, ela ainda era controlada por pessoas mortas, que não passavam de uma pilha de ossos e pó. Carine engoliu o choro, mas o nó na garganta continuou. Ela ignorou a sensação amarga em sua boca, pois precisava conseguir ajudar Lolis.
— O que está acontecendo?
— Eu rastreei esses peixes podres na internet e cheguei aqui até antes de acontecer, mas não consegui tocar em ninguém que me dissesse qual sessão exata eles iam atacar. Agora, estão lá com cinco reféns, todos menores de idade, da escola Goal Borubo Educacional, uma particular de classe média. A polícia está intermediando, mas sem sucesso até agora. Eles não querem se entregar, dizem que, se não colocarem eles na TV, vão matar todos e se suicidarem.
— Merda!
— Pois é! Precisamos achar um jeito de entrar sem chamar a atenção dos policiais.
— Vamos pela saída de trás do cinema, onde a gente sai quando acaba o filme.
— Vamos.
Lolis e Carine se esgueiraram entre as plantas do shopping até chegarem ao lado oposto do andar, onde as saídas do cinema estavam. Havia um policial ali. O homem, de pele oliva e cabelos curtos, segurava seu rádio com força e olhava fixamente para as saídas. "Batata" — Lolis pensou e logo foi falar com o oficial.
— Fala, meu bom, você pode me dar uma informação?
— O quê? Vocês não deveriam estar aqui.
O homem fez menção de ligar o rádio, provavelmente para avisar que civis haviam entrado no prédio, mas Lolis foi mais rápida. Ela tocou a mão pressionada no rádio e logo sussurrou suas palavras bonitas, que fariam o policial deixá-las passar e esquecer de sua existência logo depois.
Caminharam cuidadosamente pelos corredores silenciosos do cinema. Como haviam desligado a luz do prédio e até o gerador reserva não estava funcionando, a iluminação natural do dia, que passava pelo teto do shopping, foi ficando cada vez mais distante, e apenas as luzes de emergência vermelhas funcionavam. Um arrepio percorreu a espinha de Carine — vermelho — aquela cor. Mas logo Lolis segurou sua mão e rapidamente se abaixou atrás de um pôster do novo filme do Keanu Reeves.
O coração de Carine pulava em seu peito. Eram tantos pensamentos voando em sua mente, descontrolados, como um tornado extratropical, girando e girando. O toque calmante de Lolis não durara muito, ela sabia que precisava poupar suas forças. Então, tentou se concentrar em coisas boas: seu gato Cabeçudo, sua amiga Laura, sua kitnet mobiliada com móveis cuidadosamente garimpados em brechós, na feira do rolo e até mesmo que achara nas ruas do bairro nobre em que trabalhava. Aquilo, de alguma forma, ajudou, mas não conseguiu prepará-la para a imagem que viu por uma pequena fresta do grande pôster em tamanho real do John Wick: um garoto que não devia ter uns dezesseis anos, segurando um revólver 38 em frente à sala 4 do cinema.
Lolis segurou a mão de Carine e sua voz viajou até sua mente:
— Ca, eu preciso que você tire a arma dele.
Imediatamente, mesmo com a onda calmante de Lolis, o coração de Carine acelerou e ela empalideceu. Os sentimentos relacionados a usar seus poderes eram fortes demais. Mas, Lolis segurou sua mão com mais força e aumentou seu poder de influência, e gradualmente os batimentos cardíacos de Carine foram se acalmando.
Carine se concentrou na arma do garoto e a empurrou com sua mente contra a parede. Ele arregalou os olhos, mas não viu ninguém. Então, Lolis saiu de trás do pôster e colocou as mãos no rosto do adolescente, que imediatamente desmaiou. Entraram no corredor que levava até a sala de cinema, abaixadas e com cautela. Lá dentro, uma voz grave dava ordens.
— Y33, aperta direito essa corda!
— Estou apertando, capitão!
Abaixadas, próximas à entrada da sala, ambas se comunicaram por um canal mental.
— Meu Deus, como vamos parar esses caras? — perguntou Carine.
— Calma, eu tenho um plano — respondeu Lolis.