Capítulo 15

Algumas feridas antigas nunca saram de verdade, e basta uma palavra para sangrarem novamente. 

(George R. R. Martin)

A sala de conferências da delegacia continuava um caos. As vozes altas de policiais, investigadores, e do professor se misturavam em um turbilhão de teorias sobre o código interceptado. A tensão no ar era sufocante, e ninguém parecia chegar a uma conclusão concreta. Todos estavam cientes de que o tempo estava correndo, e cada segundo perdido poderia ser fatal.

— Talvez seja uma data! — um dos agentes sugeriu, quase gritando para ser ouvido no meio da confusão.

— Não, as letras aqui são diferentes de qualquer padrão que já vi — retrucou o professor, ajustando os óculos com frustração. — Pode ser uma coordenada geográfica, mas sem a chave certa, isso é só especulação!

Capitão Jef, que até então observava as tentativas fracassadas de decifrar o código, finalmente perdeu a paciência.

— Isso é inútil! — ele esbravejou, batendo com a mão aberta na mesa, fazendo os papéis espalhados voarem. — Temos que nos focar no que já sabemos! Um ataque está por vir, e se esse código for a última pista, estamos perdendo tempo valioso discutindo teorias!

Antes que alguém pudesse responder, o rádio da polícia emitiu um chiado agudo, seguido por uma voz tensa que ecoou pela sala.

— Todas as unidades, atenção! Temos uma situação de emergência em andamento na escola Goal Borubo Educacional. Relatos de um invasor armado no local, com reféns. Repito, invasor armado.

O silêncio tomou conta da sala por um segundo que pareceu uma eternidade. Todos congelaram, sentindo o peso da gravidade da mensagem. O ataque não estava apenas iminente. Ele já estava acontecendo. Jef foi o primeiro a reagir.

— Merda! — Ele agarrou seu rádio, já começando a dar ordens para seus homens. — Equipe tática, todos em posição! Vamos! Preciso de reforços na escola imediatamente. Isso é uma operação de emergência! Não há tempo a perder!

Os policiais na sala começaram a se movimentar rapidamente, pegando seus rádios e equipamentos, a tensão se transformando em ação. Mas, em meio à agitação, Jef parou e olhou ao redor, procurando por Lolis. Ela deveria estar ali, pronta para agir ao lado dele. Mas ela não estava.

— Onde diabos está a Lolis? — Jef murmurou, passando os olhos pela sala cheia de oficiais, sem sinal da detetive.

Ele pegou o celular e tentou ligar para ela, o telefone tocando sem resposta. Um mau pressentimento começou a crescer dentro dele. Lolis nunca perderia algo assim. Se o ataque estava acontecendo, era possível que ela já estivesse no meio da ação, ou pior, que estivesse em perigo.

Enquanto as sirenes da polícia começavam a ecoar pelas ruas, Jef não conseguia afastar a preocupação com Lolis. Ela nunca desaparecia sem avisar. Mas, agora, o destino de dezenas de adolescentes estava em suas mãos, e ele não podia perder mais tempo.

*

Lolis estava indo até o ateliê de Costura & Cia. Seu coração estava pesado, mas sua mente estava decidida. Era hora de contar a verdade. Carine precisava saber o que havia acontecido na conversa com Matias, o que Lolis havia descoberto e, mais importante, por que ela não falou a verdade. Não havia mais espaço para segredos. Ela sabia que tinha errado ao tentar proteger Carine, mas agora não podia mais adiar aquela conversa. O perigo estava se aproximando, estava quase cheirando seu cangote, ela podia senti-lo.

Seu celular vibrou no bolso, interrompendo seus pensamentos. Era uma mensagem de Carine. "Goal Borubo Educacional. Agora." Lolis estacionou no meio da rua, o som das pessoas passando ao seu redor desaparecendo enquanto seus olhos arregalavam de choque. Goal Borubo Educacional. A escola do ataque. Estava acontecendo, e Carine estava indo para lá sozinha.

O mundo ao redor de Lolis parecia girar, mas sua mente clareou em um instante. Não podia ser verdade. Eles ainda estavam tentando decifrar o código, e agora Carine já sabia o nome da escola? Como?

Ela mal teve tempo de processar o que aquilo significava, mas uma coisa era clara: Carine estava correndo diretamente para o perigo, e Lolis não estava ao lado dela. Seu coração batia forte no peito, a adrenalina disparando. Carine estava em apuros, e ela precisava chegar lá rápido. Lolis digitou uma resposta apressada enquanto corria, as mãos trêmulas:

"Carine, espera! Não vai sozinha, eu estou indo!"

Mas, no fundo, ela sabia que Carine não esperaria. Ela agiria, mesmo que a situação fosse perigosa. A cidade parecia se estender diante dela, ela acelerava com toda sua força, o tempo estava contra ela. O medo apertava seu peito a cada minuto que passava.

Por que ela não contou a verdade antes? Se tivesse feito isso, talvez pudessem ter agido juntas desde o início. Agora, Carine estava indo diretamente para o epicentro de um ataque. O que Lolis mais temia estava acontecendo. Ela sabia que Capitão Y estava envolvido. Sabia que ele era perigoso, imprevisível, e estava disposto a tudo para cumprir seu objetivo insano. E agora, Carine estava prestes a encará-lo de frente. Sozinha.

A escola não estava tão longe, mas Lolis sentia como se cada segundo estivesse se arrastando. O som de sua própria respiração pesada e os passos rápidos ressoavam na sua mente como um lembrete da urgência da situação.

— Merda! — Lolis gritou, tentando ir ainda mais rápido. Se algo acontecesse com Carine, ela nunca se perdoaria.

Ela só precisava chegar lá a tempo. O som da lambreta de Lolis rugia pela rua enquanto ela se aproximava da escola Goal Borubo Educacional. Carine estava lá dentro, sozinha, enfrentando Capitão Y e seus bostinhas sem cérebro. O medo de perder Carine era insuportável, mas Lolis canalizava aquele pânico em foco. Ela não podia falhar.

A escola finalmente surgiu à sua frente. O portão estava aberto, e ela podia ver sinais de violência logo na entrada um garoto havia explodido a cabeça de dois seguranças com uma 12 e depois se explodido também. Essa imagem entraria com certeza no Top 10 cenas mais horríveis que ela já viu na vida. Sem perder mais um segundo, Lolis parou a lambreta de forma brusca, saltando da moto com uma urgência desesperada.

Ela abriu o baú da lambreta com mãos trêmulas, pegando o revólver 38 que guardava lá para emergências. Lolis não gostava de armas, mas sabia que precisava estar preparada para o que pudesse enfrentar dentro daquela escola. Era uma questão de sobrevivência — dela e de Carine.

Com a arma em mãos e o coração disparado, Lolis respirou fundo antes de entrar pelos portões da escola. Os gritos, abafados pela distância, ecoavam pelos corredores, e ela sabia que o tempo estava contra ela. Carine estava em perigo.

Ela se moveu rapidamente pelos corredores vazios, tentando não focar no sangue espalhado pelo chão ou nos sinais de luta. Precisava manter a cabeça fria. A tensão estava em seu corpo, e cada passo parecia mais pesado que o anterior, mas ela não podia hesitar.

De repente, a voz de Carine cortou o silêncio, clara e cheia de raiva. Ela segurava seu muiraquitã dado por Laura e aquela jóia tão especial a ajudava a manter seus poderes controlados de alguma forma.

— Você não é um justiceiro como pensa que é Capitão, é só mais um merda que existe no mundo. Mais uma coisa ruim, mas você não vai machucar mais ninguém!

Lolis sentiu o corpo inteiro estremecer ao ouvir a troca. Carine estava enfrentando Capitão Y diretamente, e a raiva em sua voz indicava que a situação estava prestes a explodir. Ela precisava agir rápido. Lolis correu pelos corredores, a arma firme em suas mãos, os passos rápidos ecoando no chão de linóleo. Seu passo foi interrompido pelo som dos gritos de Carine e da risada distorcida de Capitão Y. Que porra tão fazendo com ela?

E então, ela viu. Carine estava no centro de um corredor ensanguentado, deitada inerte no chão com fios de teaser ligados ao seu corpo e controlados por um merdinha de balaclava, que o empunhava com um sorriso cruel no rosto. O olhar de Carine era puro ódio, mas ela estava paralisada pela dor do choque. 

— Ah, Carine, você é tão ingênua... — disse ele, apertando o dedo no gatilho.

— Desarmou o Y45 e nem pensou que ele poderia levantar de novo se você não o matasse! Você é fraca. Essa sua piedade te deixa fraca, mesmo sendo a criatura mais poderosa que deve existir na face da terra. Você é fraca. Um desperdício de potencial e de poder.

Lolis agiu. Com um movimento rápido e preciso, ela levantou seu 38 e disparou. O tiro ecoou pelo corredor, atingindo a mão de Capitão Y, que soltou a arma no impacto, gritando de dor. O som da arma caindo no chão foi o último que se ouviu antes de um silêncio momentâneo tomar o lugar. Ela apontou para os jovens no fundo do corredor e gritou:

— Que merda vocês estão esperando, corram!!! — os jovens que estavam paralisados correram. Depois ela teria uma palavrinha com eles para apagar suas memórias, mas não agora. Logo depois ela apontou a arma para o Y45. O garoto tinha um olhar estalado, quase como se estivesse drogado.

— Larga esse teaser ou você morre. — ela disse firme.

— Hoje vamos todos morrer. — O garoto levantou o teaser para dispará-lo mais uma vez e Lolis não pensou duas vezes e disparou as pernas dele, torcendo para não pegar um ponto vital.

— Lolis! Ele é só uma criança!— Carine exclamou. Lolis correu até Carine, mantendo o revólver apontado para Capitão Y, que agora estava de joelhos, segurando a mão ferida.

— Você não vai tocar nela de novo, seu desgraçado! — Lolis rosnou, seus olhos fixos no homem à sua frente. Capitão Y riu entre dentes, mesmo com a dor evidente, como se aquilo fosse parte de seu plano o tempo todo.

— Vocês duas... acham que ganharam essa batalha? A guerra está longe de acabar. Meus peões estão por toda parte, prontos para agir.

— Aé, mané? Deixa eu ver. — Lolis colocou as mãos no rosto do Capitão Y, chafurdando todo aquele lixo que ele chamava de mente. Ela precisava pegar as informações que faltavam para rastrear os demais membros do grupo. 

Enquanto sua telepatia se aprofundava, Lolis começou a ver reprimidas de quando o Capitão Y ainda era apenas Euler, um garoto perdido no meio de tanta crueldade, começaram a surgir como fantasmas de um passado doloroso. Ela viu cenas de sua vida escolar, os corredores pelos quais ele passava enquanto as pessoas agiam como se ele não existisse. Era como se ele fosse invisível.

Euler se aproximava de um grupo de estudantes, na esperança de se juntar à conversa, de ser parte de algo. Mas assim que ele chegava perto, os risos e conversas cessavam. Olhares se desviavam, corpos se afastavam. Todos fingiam que ele não estava ali. Quando ele falava, era como se suas palavras não tivessem som. Ninguém respondia. Ninguém o enxergava. O isolamento era sufocante. A rejeição, constante.

"Eu só queria... fazer parte", a voz de Euler ecoou nas profundezas da mente dele, e Lolis sentiu a dor esmagadora de ser ignorado, esquecido, apagado. Ele se isolava cada vez mais, e o ódio crescia dentro dele como uma tempestade silenciosa, alimentada pela indiferença e pelo desprezo de todos ao seu redor. Era essa dor que ele carregava e que, de algum modo, transformou-se na violência que ele agora infligia aos outros.

— É isso, então? — murmurou Lolis, com a voz carregada de uma mistura de desprezo e compaixão. — Você acha que isso justifica tudo o que está fazendo? — As memórias o denunciavam. Cada vez que ele era ignorado, que tentava falar e não era ouvido, ela via o peso se acumulando até o momento em que ele deixou de ser Euler e se tornou o Capitão Y. Uma máscara para se proteger daquele mundo que o rejeitará. Uma estratégia para sobreviver o tornou pior que seus algozes.

Lolis absorveu essas memórias, mas não deixou que a piedade a cegasse. Ele havia escolhido esse caminho. Logo depois ela investigou mais sobre o grupo que ele havia criado, algo que havia começado com o objetivo de fazer amigos online seguiu um caminho muito mais sombrio. É impressionante o que as pessoas dizem na internet com a proteção de um suposto anonimato. 

Lolis conseguiu com facilidade a chave de acesso ao código da criptografia. Mas aquilo não era suficiente. Ele precisava conhecer a dor. A dor que ele causava. Ele precisava pagar por ferir sua Ginger.

— Agora é sua vez de sentir isso — disse ela, aumentando a pressão em sua mente enquanto continuava a explorar suas memórias mais profundas.

O ódio de Lolis passava por suas mãos adentrando a mente do Capitão Y, ele tremia e gritava e seus olhos começaram a revirar quando ela sentiu a mão de Carine no seu ombro.

— Deixa ele pra polícia agora, meu amor. Tá tudo bem, já acabou. — a consciência voltou a Lolis como um sopro, a voz de Carine a trouxe de volta daquele lugar sombrio de ódio e vingança, como foi fácil ceder aquele instinto primitivo de retaliação. Ela soltou o rosto do Capitão Y e ele caiu desmaiado no chão. E então ela olhou para Carine, ela estava viva, ela estava bem. Ela havia enfrentado tudo aquilo sozinha e quase… quase…

Carine a calou com um beijo forte. Nenhuma palavra poderia expressar o quela ela sentia naquele momento, o beijo foi o mais adequado. 

— Parado, polícia! — Jef gritou antes de perceber o que via: Lolis e Carine com dois mascarados baleados no chão. Ele apontou com a arma para uma das janelas para que elas saíssem de lá o mais rápido possível e elas obedeceram.

*

Mais tarde naquele mesmo dia Jef chamou Lolis para ter uma conversa séria sobre se pôr em risco e sobre dar uma de vigilante contra o crime e depois ela passou na delegacia para conversar com algumas das vítimas que estavam sendo interrogadas…