Salão Alquímico — Dimensão Mística
A luz dos cristais pairava acima dos quatro, tingindo o salão em tons dourados e azulados. O espaço era amplo, com estantes de frascos antigos, runas flutuantes e vapores que serpenteavam o ar em danças silenciosas. Ao centro, um caldeirão pulsava como um coração vivo, rodeado por pedras ancestrais que canalizavam a energia do véu.
A missão era clara: reforçar a poção de contenção que mantinha o equilíbrio entre as dimensões. Mas havia algo além dos ingredientes naquela sala… algo latente e perigoso.
Elira e Askar estavam lado a lado, moendo ervas raras sobre a mesma pedra ancestral. As mãos se tocavam de leve, os olhares se cruzavam como fagulhas contidas. As runas em seus corpos brilhavam em sincronia, respondendo a uma frequência que transcendia o dever.
— Misture com mais lentidão — murmurou Elira, a voz quase um sussurro encantado —, senão a essência pode quebrar.
Askar assentiu em silêncio, os olhos fixos nos gestos dela com uma atenção quase reverente. Havia algo entre eles que nenhum dos dois ousava nomear… mas estava ali, crescendo como chama abafada.
Kaelith, afastado, não misturava nada. Com seu domínio ancestral sobre o fogo, manipulava as chamas puras que aqueciam o círculo de canalização. Seus olhos, no entanto, não estavam nas labaredas que dançavam entre suas mãos — e sim no casal diante de si.
Ele via cada olhar, cada toque. Sentia a tensão crescer dentro de si como um vulcão prestes a ruir.
Num impulso contido, lançou uma pequena labareda em direção à bancada. A chama serpenteou pelo ar e explodiu perto da mão de Askar, que deu um salto para trás.
Elira ergueu os olhos em alerta, encarando Kaelith com um olhar firme de desaprovação.
Lúmina, próxima ao caldeirão, agitava seu bastão etéreo com movimentos precisos. Fingia não ver… mas sentia tudo. O coração, descompassado, espelhava o que acontecia ao redor.
Quando Elira estendeu um frasco a Askar, e ele segurou sua mão por um segundo a mais do que deveria, a tensão explodiu.
A voz de Kaelith cortou o ambiente como lâmina afiada:
— Ela já tem duas mãos para não cair. Não precisa de mais duas segurando.
Elira congelou.
Lúmina ergueu os olhos, surpresa.
Askar cerrou os punhos, respirando fundo.
O silêncio que se seguiu não foi vazio. Estava carregado. Denso. Os familiares místicos, posicionados ao redor da sala, trocaram olhares silenciosos — cada um sentindo o desequilíbrio crescente entre os quatro Guardiões.
A serpente Nyara arqueou o corpo com elegância e murmurou, com tom envaidecido:
— Ela é mesmo impressionante… Consegue desestabilizar todos ao seu redor. E nem precisa se esforçar.
O unicórnio Eryel, com olhar triste e cabeça baixa, respondeu:
— Mas há tristeza nisso… Nenhuma de nós deveria ver a luz brilhar assim, apenas para gerar sombra.
O dragão Zhaerion soltou uma baforada de fumaça dourada e riu com deboche:
— Alguém segura esse vulcão antes que ele bote fogo em tudo. Kaelith está prestes a esquecer que ainda estamos num ritual.
O lobo Arak permaneceu em silêncio por alguns segundos. Depois, em tom sereno:
— Se vocês pararem de conversar, talvez possamos acompanhar o fluxo. Fiquem atentos. Se Kaelith entrar em erupção… seremos os primeiros a agir.
A poção no caldeirão brilhou de forma instável — como se refletisse o caos contido nos corações daqueles que a preparavam.
Mais tarde, no mesmo dia…
Jardim dos Sussurros – Santuário de Elira
O santuário de Elira ficava próximo ao Jardim dos Sussurros, um bosque encantado onde as folhas murmuravam nomes esquecidos e a água corria com brilho dourado. Ali, ela se dedicava à cura dos renascidos e à criação de poções.
Mas, naquela tarde, algo estava errado.
— Está fraca demais, Elira — a voz de Nyara ecoou dentro de sua mente, enquanto observava a guardiã deixar a flor dourada queimar na infusão.
— Eu… só me distraí — respondeu Elira, abaixando os olhos. A runa da serpente pulsava fraca na sua pele.
— Distraída? Você deixou a flor dourada queimar. A essência evaporou antes da fusão. E isso é a terceira vez esta semana.
— Eu sei… — sussurrou Elira, exausta, com os dedos tremendo sobre o frasco.
Nyara se enrolou aos seus pés, os olhos verdes como jade brilhando em advertência silenciosa.
— Você está deixando o amor falar mais alto.
E ele… não compreende equilíbrio.
Clareira de Pedra – Dimensão da Terra
Na clareira de pedras antigas, Askar treinava com Arak.
Movimentos sincronizados. Golpes firmes.
Mas algo falhou.
Num instante de distração, o giro saiu torto.
O foco se dispersou.
Foi o suficiente para que Arak o imobilizasse com um salto preciso.
— Isso nunca aconteceu — disse o lobo, soltando-o com firmeza.
— Você está perdendo o foco, Guardião.
— Você está com a mente nublada — continuou, com os olhos âmbar fixos nos dele.
— Hoje errei porque quis. Amanhã… posso não querer.
Askar se levantou, ofegante. O olhar perdido em algum ponto além.
— Não é distração. É… outra coisa. Algo que não consigo controlar.
Arak estreitou o olhar.
— Sentimentos. Pensamentos demais. Emoções demais.
— Você está vibrando fora do compasso, Askar. E isso pode custar caro.
Askar voltou a se sentar no chão, encarando o céu da dimensão mágica.
— Está tudo desmoronando, não está?
— Está desordenado.
E começa dentro de você — respondeu Arak, com a gravidade de quem sabe o que está por vir.
Sala de Leitura – Dimensão da Luz
Na entrada do véu, Lúmina estava sentada sobre uma rocha flutuante. Tentava estudar, mas seus olhos lilás perolados estavam presos em uma única linha do pergaminho sagrado — e sua mente vagava longe.
Estava no espaço de leitura dos códices, cercada por luzes suaves e páginas flutuantes. Mas, naquele instante, tudo parecia distante. O sorriso bobo escapava pelos lábios, e as imagens que dançavam em sua mente eram outras.
Seu coração se agitava, mesmo sem motivo aparente.
Imagens de Askar surgiam involuntariamente — seu semblante, a força contida, o olhar de trovão.
“Ele estava lindo… o cabelo bagunçado… o olhar tempestuoso… a voz…” — murmurou em pensamento.
Eryel, o unicórnio sagrado, aproximou-se em silêncio.
Com um sopro firme, fez as páginas voarem.
Lúmina deu um pulo, tentando manter a compostura.
— Eu estava… refletindo sobre as conexões vibracionais da runa de Askar — disse rapidamente, fingindo concentração.
Eryel a encarou com julgamento celestial.
— A única coisa vibrando aqui é sua alma… descompassada por ele. Concentre-se, Lúmina.
Ela suspirou e abaixou os olhos.
O unicórnio bufou com impaciência, se aproximando ainda mais.
— Você esqueceu da reunião com Zephiron. Pela terceira vez.
— Ah… foi hoje?
— Você está encantada. Sonhando acordada. E quando a realidade te arrancar desse delírio?
— A realidade… é menos bonita que ele…
Eryel estreitou o olhar etéreo.
— Você está vulnerável, Lúmina.
E vulnerabilidade em um guardião… é uma brecha perigosa.
Sala do Julgamento – Dimensão das Trevas
Na Dimensão das Trevas, Kaelith estava impaciente.
A Sala do Julgamento dos Corrompidos ecoava com seus passos firmes e ordens ríspidas.
Ele rugia comandos, punia erros banais, condenava sem hesitar. O ar era denso, carregado de energia indomada.
Na escuridão cortante daquele tribunal sombrio, a voz de Kaelith explodiu como trovão:
— Três corrompidos escaparam para a Dimensão da Matéria. VOCÊS TÊM NOÇÃO DO QUE FIZERAM?!
Os sentinelas abaixaram as cabeças, temendo sua fúria crescente.
Zhaerion, o dragão colossal de escamas sombrias, repousava sobre os degraus enegrecidos do Trono de Cinzas.
Estava deitado de lado, girando uma moeda ancestral entre as garras, o olhar entediado.
— Mais um dia normal no império do drama e da fúria… — murmurou, com sarcasmo.
Kaelith lançou-lhe um olhar cortante, os olhos em brasa.
— Cale-se, Zhaerion.
— Tá bom, tá bom… Mas se continuar quebrando tudo, vai sobrar só você nessa dimensão.
E aí, bem… vai ter que conversar comigo todo dia — retrucou o dragão, sem esconder o deboche.
Kaelith trincou os dentes, os punhos fechados de tensão. Mas virou-se, caminhando até os corrompidos ajoelhados.
— Vocês tiveram sua chance. — declarou com frieza.
Com um gesto firme, selou o destino das criaturas, enviando-as ao Bastião dos Selados — uma prisão dimensional de onde nenhum ser retornava.
Zhaerion, ainda no alto, deixou a moeda cair no vazio e apoiou o queixo na pata, agora com um tom mais ácido:
— Vai selar todos hoje ou só os que respirarem alto demais?
Kaelith não respondeu. Os olhos ardiam, a runa de dragão em seu peito pulsava com luz vermelha incandescente.
— Você está indo longe demais, Zhaerion.
— E você… está indo fundo demais. Sentindo demais. Quebrado demais.
— retrucou o dragão, com um suspiro quase paternal. — Cuide da sua boca, ou o próximo será você, rosnou Kaelith, dando um passo à frente.
— E quem vai cuidar da sua sanidade? Ela anda rareando desde que a Guardiã te encarou por mais de dois segundos — rebateu Zhaerion, sério agora.
Kaelith se aproximou, os olhos ardendo.
— Você quer que eu te jogue no Véu?
— E deixar você sozinho? — Zhaerion inclinou a cabeça. — Até sua runa está piscando. Vai quebrar a dimensão desse jeito.
Kaelith permaneceu em silêncio.
Zhaerion fechou as asas lentamente, a voz firme:
— Controla isso. Está tudo vibrando errado.
E acredite… não é só o véu que está sentindo.
Kaelith fechou os olhos por um instante. Sua runa de dragão queimava, mas não era guerra.
Era ela.
Era Elira.
Espaço Sagrado dos Ancestrais – Dimensão da Luz
No coração da Luz, onde tempo e matéria não se aplicavam, cinco presenças dançavam em vibração pura. As partículas de luz flutuavam no ar como poeira dourada — cada uma carregando ecos de sabedoria antiga.
Eles não falavam com palavras. Falavam com essência, com som, com luz.
Kaor, o Ancestral do Fogo, projetou sua presença flamejante sobre o Vórtice:
— Eles não foram criados para isso. A essência humana era um dom… tornou-se teste.
Naelya, da Água, sussurrou como maré em conflito:
— As correntes colidem. O mar está em fúria.
Orunn, da Terra, murmurou como um tremor contido:
— O solo da alma racha. O que florescerá dessas fendas?
Zephiron, do Ar, fluiu entre os demais como um sopro de alerta:
— O amor que cresce… desequilibra o compasso das forças. Há ruídos nas correntes do tempo.
E então, Lumys, o Éter, envolveu todos com sua vibração silente — uma onda invisível que tocou cada frequência:
— O véu… está vibrando fora do ritmo.
A harmonia entre as dimensões… se desestabiliza.
Se persistir, algo será desencadeado.
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As cinco presenças ancestrais brilharam em uníssono.
Era hora.
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— Chamem os quatro.
Eles esqueceram quem são.
E se não forem lembrados…
O que virá os engolirá por dentro.