A Poção Proibida

Kaelith hesitou por um segundo, mas sua dor era recente demais. Fresca demais. Venenosa demais.

Ele cerrou os punhos.

E entrou no salão.

A câmara mística da Dimensão das Trevas os envolvia com sua imponência ancestral.

As paredes escuras pareciam pulsar suavemente, como se a própria matéria do espaço estivesse viva, vibrando em sintonia com antigas forças ocultas. Colunas esculpidas em obsidiana reluziam com veios dourados que formavam runas esquecidas, e o teto abobadado exibia constelações apagadas, como olhos celestes selados pelo tempo.

Ali, tudo era silêncio e poder.

Não havia pó. Não havia decadência.

A câmara era viva — e esperava.

Kaelith caminhou até o centro da câmara, onde as runas arcanas já estavam gravadas no chão em círculos concêntricos.

— O feitiço exige fragmentos dos corações que serão amarrados — disse ele, com a voz firme.

— Já providenciei — respondeu Lúmina, erguendo as mãos.

Lúmina desenhou runas no ar, e um portal sutil se abriu entre as dimensões. De dentro dele, ela retirou dois pequenos saquinhos de seda negra. Ao abri-los, revelou mechas de cabelo cuidadosamente trançadas:

Uma escura, com reflexos de brasa — pertencente a Elira, cujos fios pareciam arder em tons alaranjados como se o próprio fogo tocasse suas madeixas.

E outra totalmente escura, de textura firme — de Askar.

Com reverência silenciosa, Lúmina se aproximou da mesa de pedra ao lado, onde repousava o caldeirão ritualístico — antigo, forjado em metal encantado, com runas entalhadas em seu bojo.

Ela depositou as duas mechas com cuidado dentro do caldeirão, sobre a base aquecida por brasas místicas.

— Elira. Askar — murmurou ela, como se nomeá-los ativasse a vibração do encantamento.

Kaelith assentiu e abriu seu próprio portal com um gesto preciso. De lá, trouxe frascos de vidro com líquidos cintilantes e artefatos envoltos em véus místicos.

— Pétalas de rosas vermelhas colhidas à meia-noite.

— Essência de âmbar cristalizado.

— Uma corrente de ouro trançada com fios de orvalho etéreo.

— Fragmentos de espelho encantado, capaz de refletir os desejos mais profundos.

— Um coração seco de fruta-do-elo, colhida sob eclipse.

Um a um, os ingredientes foram sendo depositados no caldeirão ancestral. A substância dentro dele começou a borbulhar em um tom escarlate, como se tivesse vida própria.

Lúmina estendeu as mãos sobre o caldeirão.

— Agora… o ingrediente principal. A essência daquele que deseja o amor do outro.

Ela olhou para Kaelith, os olhos vibrando com luz avermelhada.

Ambos ergueram suas mãos sobre o vapor que saía do caldeirão. Sem hesitar, traçaram cortes finos nas palmas e deixaram o sangue escorrer lentamente sobre o conteúdo mágico.

— Não se esqueça — sussurrou Lúmina, sua voz ganhando um tom sombrio e solene — quanto mais essência for oferecida por quem deseja ser amado, mais profundo será o sentimento daquele que será forçado a amar.

Kaelith e Lúmina posicionaram-se em lados opostos da mesa ancestral. Ao redor, brasas encantadas crepitavam suavemente. O metal do caldeirão pulsava em tons escarlates, revelando símbolos arcanos do Feitiço do Amor Absoluto que dançavam sobre sua superfície como marcas vivas.

Kaelith cerrou os dentes.

Com a mão livre, traçou runas de fogo no ar — brasas místicas desceram como fios incandescentes, entrelaçando-se à poção e alimentando-a com sua magia primordial.

O caldeirão reagiu com um estalo, iluminando todo o salão em tons carmesim e âmbar.

Lúmina fechou os olhos.

E começou a entoar as palavras proibidas em uma língua esquecida, que apenas os portadores do códice antigo conheciam.

Na entrada da câmara mística, Zhaerion se mantinha imóvel, envolto pelas sombras ancestrais.

O dragão negro — silencioso, imponente — vigiava o ritual como um sentinela ancestral.

Mas seus olhos, rubros e atentos, seguiam cada gesto de Kaelith.

Quando o sangue caiu no caldeirão, uma vibração cortante percorreu o ar.

Zhaerion estremeceu.

Kaelith estava mudando.

E ele era parte disso.

Ligados por um elo ancestral e indissolúvel, o guardião e o dragão pulsavam na mesma frequência.

O desejo de Kaelith… era dele também.

O corpo colossal do dragão tremulou com a força que atravessava os véus.

Escamas negras brilharam em tons de carmim.

As asas se abriram, fazendo tremer os pilares.

De suas narinas, vapores escarlates se erguiam.

As garras cresceram.

E os chifres se ramificaram como galhos tocados por relâmpagos.

Do lado de fora, Eryel estremeceu.

O unicórnio de Lúmina — outrora puro e sereno — começava a manifestar sinais de mutação silenciosa.

Faíscas escuras se misturavam à sua aura prateada, e o solo sob seus pés oscilava em padrões de luz e sombra.

Dentro da câmara, Lúmina se afastava do equilíbrio — e Eryel sentia.

Sua crina agora reluzia tons de cobre profundo.

Fendas surgiam em seu chifre, preenchidas por luz escarlate.

Um brilho âmbar surgia no fundo de seus olhos — algo antigo, primitivo.

Eryel inspirou fundo, tentando estabilizar o que ardia sob sua pele mística.

Não podia permitir que os outros vissem.

Ao longe, Nyara ergueu a cabeça.

Um silvo profundo percorreu o ar.

Askar cambaleou.

— Algo… está me puxando — murmurou.

Elira correu até ele e sentiu também.

— Eles estão usando nossas essências. Agora.

— Isso… é um feitiço de domínio.

— O quê?

— Lúmina mentiu. Ela não pegou o feitiço de bloqueio. Estão manipulando as almas.

Eles correram.

Ao atravessar o portal do santuário das trevas, a energia os empurrou.

Mas era tarde demais.

— Parem! — gritou Elira. — Isso não é um feitiço de bloqueio!

Lúmina ergueu o rosto.

Seus olhos, outrora azulados com tons lilases, agora brilhavam com um violeta cristalino.

Seus cabelos, antes perolados com mechas lavanda, estavam escurecidos.

As mechas tornaram-se violeta profundo.

Sua expressão era vazia.

Silenciosa.

Calculada.

Ela fixou os olhos em Elira.

E, sem mover os lábios, pensou:

Você teve tudo…

Mas eu é que senti.

Agora… vou arrancar de você.

Askar será meu.

Então desviou o olhar.

E, sem hesitar, voltou a entoar as palavras do feitiço, como se nada a pudesse deter.

— Isso é um feitiço de DOMÍNIO! — gritava Elira.

— Isso pode destruir tudo o que somos! — rugiu Askar.

Kaelith permanecia concentrado no feitiço.

Seus cabelos tornaram-se mais escuros, com fios avermelhados.

Seus olhos assumiram tom de vinho profundo.

Ali, ele já não era apenas Kaelith.

Era a encarnação do feitiço.

Askar tentou avançar.

Mas a energia os separava.

O ritual estava quase completo.

A magia pulsava como um coração profano prestes a explodir.

No Salão Celeste da Dimensão da Luz, os Ancestrais reuniam-se em silêncio, no alto de um templo etéreo esculpido em luz viva.

O espaço ao redor era composto de pilares flutuantes, véus translúcidos que dançavam ao sabor do tempo, e uma abóbada infinita cravejada por estrelas que só existiam ali — ecos da origem do mundo.

Zephiron foi o primeiro a sentir. O ar ao seu redor parou de fluir, como se o tempo tivesse prendido o fôlego.

— Há um rasgo no tecido do Véu… — sussurrou.

Naelya com expressão grave, aproximou-se do Prisma e estendeu a mão. Ao seu toque, a superfície do cristal tremeu — e, em vez de imagens claras, surgiram fendas tênues, rachaduras vermelhas que se espalhavam como raízes queimadas. Um rasgo no Véu começava a se abrir, sutil… mas crescente.

— Algo tenta atravessar onde a fronteira já não sustenta. — murmurou ela.

Kaor manteve os olhos fixos na distorção.

— Há força demais onde deveria haver silêncio…

Zephiron, erguendo o rosto ao céu etéreo, deixou a voz se esvair como vento antigo:

— O Equilíbrio… está sangrando.

Lumys entreabriu os lábios, como se sentisse o mundo dobrar-se sobre si:

— As margens do tempo não suportam mais o peso.

Os cinco Ancestrais se reuniram em torno do Prisma da Harmonia. Suas formas flutuavam acima do solo de luz viva, como emanações de essência pura. Não havia som — apenas vibração.

O cristal, que antes pulsava em ressonância com os Guardiões, agora permanecia instável, oscilando em tons opacos e fragmentados. As runas de invocação tremeluziam e se apagavam.

Eles haviam tentado chamá-los.

Mas não houve resposta.

A conexão, que sempre fora imediata, agora parecia envolta por uma névoa impenetrável. Nenhum Guardião respondeu. Nenhum eco. Nenhuma presença.

E então, enquanto o Prisma tremulava, denunciando um colapso crescente, Zephiron foi o primeiro a vibrar, como um sopro cortando o espaço:

— Aqueles que foram destinados a proteger… perderam-se em suas próprias essências.

A centelha humana que carregam obscureceu a luz que os unia a nós.

Kaor, com sua força ancestral, reverberou como magma contido:

— O elo sagrado… foi comprometido.

Não sentimos mais sua presença. Os caminhos foram silenciados.

Naelya, em brumas suaves que dançavam entre as constelações eternas:

— O solo… treme.

Algo se partiu na fundação do equilíbrio.

Lumys, com sua vibração líquida e pulsante como o éter primordial:

— O rasgo que sentimos… não é visível.

É interno. É o desequilíbrio pulsando de dentro para fora.

Orunn, grave como pedra viva e tempo imóvel, ressoou por último:

— Eles não nos escutam… ou já não conseguem.

Sigamos juntos.

A essência deles ainda pulsa entre a Matéria e o Místico.

Talvez ali… encontremos o que restou dos elos.

— Se a Harmonia cair…

nenhuma dimensão permanecerá a mesma.