A explosão do véu

Enquanto os gritos ecoavam e os corpos se chocavam dentro da câmara, uma onda de energia desordenada se espalhou pela Dimensão das trevas.

Era como se os próprios elementos tremessem diante daquilo.

Na Dimensão Mística, os cinco Ancestrais voltaram sua essência ao mesmo tempo.

Seus corpos etéreos pulsaram em uníssono, irradiando um brilho antigo, como se as estrelas tivessem prendido a respiração.

Zephiron, o Ancestral do Ar, emitiu uma vibração sutil, mas carregada de pressentimento.

Como se dissesse, sem palavras:

“Não… o Véu…”

Antes que pudesse terminar, um estrondo cortou todas as dimensões.

O Véu do Equilíbrio, aquele que separava as realidades e mantinha o fluxo entre as forças, explodiu.

Não apenas rachado.

Não trincado.

Despedaçado.

Fragmentos cósmicos giraram no vazio, como vidros etéreos de um espelho ancestral.

Foi então que o clarão surgiu.

Um facho violento de fogo e magia irrompeu da Dimensão das Trevas, tingindo os céus com uma luz escarlate e púrpura.

Não era uma luz pura. Era distorcida, corrompida… como se algo sagrado tivesse sido deturpado.

Um rasgo gigantesco se abriu na Dimensão das Trevas.

E por ele… os Corrompidos começaram a escapar.

Seres antes selados, distorcidos pela magia proibida, surgiam entre sombras, arrastando correntes de escuridão, olhos pulsando em vermelho.

Na dimensão da matéria seres místicos começaram a colapsar.

Unicórnios, lobos, serpentes, grifos, aves sagradas — todos perdiam o controle sobre seus próprios dons.

A conexão com a essência tremulava.

A dor vibrava em cada fibra de seus corpos.

As runas sagradas que protegiam os portais começaram a piscar, oscilando entre brilho e falha.

E os Ancestrais viram.

Sentiram.

Um por um, suas essências silenciaram.

Como se escutassem uma chamada que apenas os eternos poderiam compreender.

E então, sem palavras, sem pressa, sem dúvida…

Começaram a migrar.

Primeiro Kaor, o Fogo.

Depois Orunn, a Terra.

Naelya, a Água, seguiu.

Zephiron, o Ar, dissolveu-se em brumas.

E por fim, Lumys, o Espírito, se desfez em luz líquida.

Foram todos para a Dimensão das Trevas.

Algo maior do que o tempo havia sido rompido.

E quando o Véu se parte…

Até os eternos precisam intervir.

Não havia mais tempo.

A guerra havia começado.

O caos tomava a Dimensão das Trevas.

Fragmentos do véu vibravam no ar como cacos de um espelho cósmico, e a atmosfera pulsava em tons vermelhos e prateados — um brilho instável entre o colapso e o lamento.

Pelo solo partido, corpos estavam espalhados como peças de um tabuleiro desfeito.

Elira, de joelhos, os olhos verdes marejados.

Askar, desacordado, ferido e envolto em faíscas de luz azulada.

Kaelith, inconsciente, o corpo parcialmente coberto por escamas negras fundidas — Zhaerion, seu dragão, agora era parte dele.

Lúmina, caída de lado, o vestido rasgado, os cabelos prateados sujos de fuligem e sangue.

Eyriel, o unicórnio, arfava em pânico, com a aura fraca.

Nyara, a serpente de Elira, jazia imóvel com as escamas opacas, envolta em círculos de cinzas místicas.

Arak, o lobo de Askar, estava deitado próximo, o peito ainda subindo e descendo lentamente — mas os olhos fechados.

Tudo parecia ter sido varrido por um feitiço ancestral.

Foi quando os Ancestrais surgiram.

Como pilares de pura essência, atravessaram os véus em silêncio, e pausaram o tempo.

O ar parou. A poeira congelou no ar. Até o tremor cessou.

O Ancião do Espírito, Lumys, se aproximou de Lúmina.

Apenas tocou levemente sua testa com dois dedos.

E então… viram tudo.

Desde o momento em que Lúmina sentiu algo por Askar.

Quando Askar se apaixonou por Elira.

Quando Elira se apaixonou por Askar.

Quando Kaelith se apaixonou por Elira.

O nascimento do ciúme em Kaelith e Lúmina.

O ritual da fusão primordial, quando Kaelith ataca Askar fundido com Arak, ferindo o lobo brutalmente.

O momento em que Elira e Askar se beijaram e se tocaram.

A elaboração do plano para invadir o Santuário das Chamas.

Quando Kaelith liberta o corrompido.

A busca pelo feitiço proibido.

Quando Lúmina encontrou o códice dos feitiços proibidos e fez uma cópia.

O momento em que Lúmina decidiu seguir os sussurros do desejo.

A mentira para os amigos, ocultando sua busca e intenções.

A explosão do sentimento de Kaelith ao saber sobre Elira e Askar

A aliança entre Lúmina e Kaelith

O momento em que Lúmina e Kaelith fazem a poção proibida.

O plano falho.

Quando Elira e Askar tentam impedir o ritual.

A guerra

A explosão final, rasgando o equilíbrio e iniciando a queda definitiva.

Tudo estava ali, como uma memória costurada em angústia.

Os Ancestrais se entreolharam. Silêncio. Tristeza. Decisão.

O tempo voltou a correr.

Lúmina, ainda viva, tentou se levantar…

Mas suas pernas fraquejaram, e ela caiu de joelhos. O ar queimava nos pulmões. O gosto de fuligem ainda amargo na boca.

Correu os olhos em busca de Askar.

Seu olhar vasculhou o salão em desespero… até que o encontrou.

Ele estava ali, do outro lado da câmara, estirado sobre o chão rachado, a poucos passos de distância, caído de lado — encostado à base de uma das colunas do templo, como se tivesse sido derrubado junto com tudo ao redor, o corpo dele parecia imóvel demais.

O mundo silenciou por um instante ao vê-lo ali, sem reação.

A dor atravessou o peito de Lúmina como uma lâmina fria

— Askar…? — sussurrou, como se seu nome pudesse ser um remédio.

Cambaleou até ele, arrastando os joelhos pelo chão enegrecido.

Os dedos tremiam enquanto afastava os fios sujos de sangue e poeira do rosto dele.

Ela se inclinou e puxou o corpo dele para mais perto, deitando a cabeça dele no colo.

— Por favor… abre os olhos. Me olha… só mais uma vez…

Mas o brilho que ela buscava… não estava mais lá.

A pele dele estava fria. As faíscas azuladas que antes dançavam ao redor do corpo haviam desaparecido por completo.

— Não… não, não! — sua voz quebrou como vidro.

As lágrimas caíam pesadas, deixando trilhas de dor no rosto manchado de fuligem.

— Eu não queria isso… Eu só queria… você…

Ela o apertou contra o peito, soluçando como se pudesse espremer o tempo de volta entre os dedos.

Mas não havia volta.

Ela que um dia fora a Guardiã da Luz… agora se via imersa na escuridão do próprio erro.

Nem mesmo a luz que um dia habitou em Lúmina foi capaz de dissipar o arrependimento que agora a consumia.

A antiga pureza havia se perdido entre os sussurros do desejo, entre o amor doentio e as escolhas erradas.

Lúmina… outrora luz, agora sombra de si mesma. Seu castigo era sentir.

Kaelith, agora fundido a Zhaerion, abriu os olhos flamejantes no meio do caos silenciado — mas não atacou. Permaneceu imóvel, envolto pelas sombras dançantes do próprio poder, apenas observando em silêncio a mulher que havia despedaçado seus sentimentos… e que, mesmo assim, continuava sendo a única que desejava proteger.

Sua mão, marcada por escamas negras e cicatrizes da magia proibida, se estendeu trêmula, atravessando o ar quebrado entre eles.

E num sussurro rouco, ferido…

— Elira…

Elira acordou lentamente, olhando ao redor.

— O que… eu fiz… — sussurrou, apavorada com a destruição ao redor.

O coração apertava em culpa. Ela se sentia a origem da desordem.

— Se eu tivesse sido mais forte… se eu não tivesse me entregue…

Ela se levantou, cambaleando até o centro da fenda.

Com a voz embargada, ergueu os braços e, com as últimas forças, invocou o feitiço do selamento:

Elira ergueu os braços ao céu ferido, com os joelhos trêmulos cravados na poeira do sacrifício. Seus olhos marejados encararam o vazio entre as dimensões, onde os véus sangravam. Sua voz, embargada pela dor e banhada em luz ancestral, ecoou como uma súplica de alma:

— Pelas mãos que moldaram o primeiro alvorecer…

Pelos nomes antigos que guardam as teias do invisível…

Pelo fogo que ardeu onde deveria haver cuidado…

Que os causadores do colapso — sedentos por poder e desejo — sejam cobrados em sua essência.

Que aquele que escolheu o caminho da destruição seja exilado no abismo que ele próprio ajudou a abrir…

E que aquela que se perdeu nas sombras da inveja… encontre redenção na travessia dos esquecidos.

Ambos permanecerão… mas não livres.

Ambos existirão… mas não inteiros.

Que o campo ardente, onde a explosão silenciou até as estrelas,

seja selado de dentro para fora —

Que nada atravesse…

Nada escape…

Apenas a memória ecoe.

Que o solo onde a magia florescia agora repouse, sem som ou cor.

Que sua seiva ancestral cesse até que possa voltar a fluir limpa.

Que a terra onde os seres ruíram em dor,

se feche aos passos dos errantes,

e acolha seus guardiões em descanso profundo.

Que os corrompidos retornem para o exílio sombrio de onde vieram —

sem forma, sem nome, sem retorno.

Que os familiares que foram feridos pela loucura alheia —

os que acompanharam sem entender,

os que se curvaram sem desejar —

sejam purificados no sono da névoa,

até que despertem sob nova luz.

Que aquele que apenas quis proteger,

o guardião de coração íntegro,

repouse selado sob a honra dos que nunca traíram.

Que seu lobo durma ao seu lado…

E que ambos esperem… até que a alvorada aceite sua volta.

E quanto a mim…

Que fui a centelha onde tudo inflamou —

não por escolha, mas por destino.

Que eu repouse onde a dor não alcance,

mas leve comigo a promessa de retorno.

Pois aquele que foi a razão da queda…

deve ser também a semente da reparação.

Em nome da essência não nomeada…

Que o ciclo se encerre.

Que a poeira adormeça.

Que tudo… silencie.

“Pelo amor proibido, nasceu a condenação,

Eco dos erros, da dor, da corrupção.

Por vinte e um ciclos, os selados dormirão…

E só então voltarão para curar a criação.”

Com a língua antiga, Elira selou… a maldição.

Uma luz dourada envolveu tudo.

Askar foi selado, o corpo envolto em cristais que pulsavam suavemente.

Arak, o lobo, deitou-se junto, adormecendo em comunhão.

Elira, já fraca, foi tomada por uma luz branca.

Nyara deslizou até ela e se enrolou suavemente em sua perna, antes de também adormecer.

A Guardiã ergueu o rosto uma última vez.

— — Perdoe-nos… — sussurrou Elira, a voz embargada pelo peso de tantas dores.

Um vento suave, tingido de dourado, envolveu seu corpo como um manto de arrependimento.

A palavra se espalhou no ar, como um sussurro antigo, alcançando até os véus que tremiam ao longe…

E então, adormeceu, com a cabeça tombando suavemente.

Ao redor, os véus começaram a se restaurar… lentamente, como se o próprio tempo respirasse fundo após a devastação.

O Véu da Dimensão das Trevas foi selado, impedindo que os Corrompidos continuassem escapando.

O Véu da Dimensão da Matéria se fechou, encerrando qualquer passagem entre mundos. Todos os seres místicos em desequilíbrio… adormeceram.

O Véu da Dimensão Mística foi selado, e com ele, a magia cessou de fluir entre as realidades.

Restou apenas uma.

A Dimensão da Luz, intacta.

Silenciosa.

Observadora.

Completa…

Mas sozinha.